Como a edição de genomas pode reduzir os impactos das mudanças climáticas?
Com as mudanças climáticas, garantir a segurança alimentar exige rápida adaptação das plantas cultiváveis
Ao acelerar o processo de desenvolvimento de novas cultivares para produtores agrícolas (melhoramento genético), a edição de genomas deve ser considerada uma importante ferramenta no enfrentamento das mudanças climáticas. Isso porque todas os continentes já sofrem, de alguma forma, com médias de temperaturas elevadas, escassez de água, ventos mais intensos e outras condições que afetam diretamente o desenvolvimento e produtividade das plantas.
Importância da edição gênica em razão das mudanças climáticas
As sementes ou mudas (cultivares) que hoje são utilizadas no campo pelos agricultores têm sido desenvolvidas por um longo processo de seleção artificial, que fez com que as plantas cultiváveis fossem adaptadas à temperatura, chuvas, ventos, luminosidade, solo e até mesmo a pragas de cada região (características edafoclimáticas).
Com isso, para cada espécie de planta, existe uma grande diversidade de cultivares. Cada cultivar apresenta características que favorecem a sua produtividade em uma determinada região. É por isso que conseguimos, por exemplo, produzir uvas na Região Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil.
A própria soja teve seu cultivo no Brasil iniciado na Região Sul, uma vez que as sementes disponíveis eram adaptadas a condições climáticas do sul do Estados Unidos e que se assemelhavam ao clima do sul do país.
Os pesquisadores brasileiros levaram mais de 40 anos para desenvolver cultivares de soja que fossem adaptadas a outras regiões do país. Essa demora se deu, principalmente, devido às ferramentas de melhoramento genético disponíveis naquela época (década de 1940 – 1980).
No entanto, hoje as características edafoclimáticas dessas regiões já não são mais as mesmas de 40 anos atrás. O principal motivo são as mudanças climáticas – processo que tem sido acelerado pelo aquecimento global. Dessa forma, precisamos de novas ferramentas capazes de entregar novas tecnologias (cultivares) adaptadas a esse novo “clima”, caso contrário, a segurança alimentar da humanidade estará fortemente ameaçada.
É nesse contexto que a edição de genomas ganha destaque. Uma nova ferramenta capaz de garantir a produção de alimentos, fibras e energia mesmo com as mudanças climáticas.
O que é a edição gênica?
A edição de genomas como conhecemos hoje foi muito aprimorada pela descoberta do Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas (CRISPR) (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats). O CRISPR é a mais nova ferramenta para o melhoramento genético de plantas, e sua relevância resultou no Prêmio Nobel de química para as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, pela descoberta e desenvolvimento da tecnologia.
Com o CRISPR é possível fazer o que já vinha sendo realizado há muitos anos (seleção artificial), mas agora de uma forma mais precisa, rápida e barata. Isso porque com essa ferramenta é possível inserir, modificar, substituir ou excluir sequencias de DNA específicas (genes) no genoma de um organismo vivo em locais pré-determinados. Além disso, a depender de como é utilizada, a ferramenta não envolve a integração de DNA de outro ser vivo.
Os benefícios dessa tecnologia também incluem a sua maior acessibilidade aos laboratórios de universidades e pequenas empresas, promovendo avanço nas pesquisas com CRISPR. Com isso, também é esperado que tenhamos maior oferta de novas cultivares aos produtores, resultando, inclusive, na melhoria de culturas locais e regionais existentes.
O CRISPR já entrega cultivares adaptadas para o enfrentamento das mudanças climáticas, como é o caso de plantas tolerantes à seca, à salinidade, às doenças e outras características que devem auxiliar na adaptação (quando a tecnologia possibilita a produção em regiões afetadas pelas mudanças climáticas) e na mitigação (quando a tecnologia garante produção com baixo impacto ambiental) das mudanças climáticas.
Diversas plantas editadas geneticamente e submetidas às análises regulatórias já foram aprovadas para registro comercial em países como os Estados Unidos, Brasil, Canadá, Argentina e outros. Como é o caso de uma soja tolerante à seca editada por CRISPR já avaliada no Brasil e nos Estados Unidos.
Edição de genomas deve aumentar a produção de alimentos
O aquecimento global já modificou a temperatura, intensidade de chuvas, ventos e outros fatores que afetam o desenvolvimento das plantas, elevando a incerteza sobre a produtividade das lavouras a cada ano em todos os lugares. Por isso, o desenvolvimento de novas cultivares (adaptação) é crucial para o futuro da segurança alimentar.
A edição de genomas já está entregando novas cultivares mais adaptadas às condições climáticas da atualidade e deve continuar melhorando a produtividade e a resiliência climática da agricultura nas próximas décadas.
Os benefícios dessa ferramenta vão além da adaptação às mudanças climáticas. Novas cultivares desenvolvidas por CRISPR também estão desempenhando um papel de mitigação dos GEE, reduzindo o uso de insumos agrícolas e evitando a perda e desperdícios de alimentos – fatores que respaldam uma agricultura mais sustentável.
No entanto, a inovação só é efetiva se as novas tecnologias forem amplamente adotadas. Fato que requer educação, treinamento e sistemas de assessoria por quem as desenvolve. Além da transparência para os consumidores, que estão cada vez mais interessados em saber sobre a segurança dos alimentos e desejam compreender os princípios da inovação envolvida no desenvolvimento de produtos alimentares.
Além disso, é sempre bom lembrar que nenhuma tecnologia constitui, isoladamente, uma “bala de prata” em termos de produção e sustentabilidade agrícola. A edição de genomas deve caminhar junto a outras ferramentas biotecnológicas aplicadas às abordagens agroecológicas, com agricultura de precisão e outras práticas de manejo agrícola.
Principais fontes:
Friedrichs, S., et al. Meeting report of the OECD conference on ‘‘Genome Editing: Applications in Agriculture—Implications for Health, Environment and Regulation. Transgenic Research, 2019.
OECD. Innovation, Productivity and Sustainability in Food and Agriculture: Main Findings from Country Reviews and Policy Lessons, 2020.
Pearce, R. Genome editing and CRISPR technology are scoring bigger wins in shorter time frames for cereal breeding. Disponível em: https://www.country-guide.ca/crops/cereals/better-wheat-varieties-ahead/. Acesso em: 20/05/2022.
Qaim, M. Role of New Plant Breeding Technologies for Food Security and Sustainable Agricultural Development. Applied Economic Perspectives and Policy, 2020.
Ricroch, A. E., et al. Next biotechnological plants for addressing global challenges: The contribution of transgenesis and new breeding techniques. New biotechnology, 2022.