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Mamão transgênico: tecnologia salvou agricultores do Hawaii

O mamão transgênico é uma importante tecnologia para enfrentar a dispersão do vírus responsável por causar doenças em pomares de mamão. No Brasil, essa tecnologia ainda não existe, mas já ajudou a salvar muitos produtores dessa fruta nos Estados Unidos, principalmente no Hawaii. 

Que tal conhecer um pouco mais sobre a produção de mamão (Carica papaya) e a importância dos transgênicos?

Produtos transgênicos

As culturas transgênicas já são plantas e/ou consumidas em pelo menos 70 países. 

A primeira cultura alimentar geneticamente modificada, um evento de tomate, foi introduzida em 1995, seguida pelo desenvolvimento e lançamento comercial de milho, soja, algodão, canola, batata, mamão, alfafa, abóbora e beterraba. Todas com características novas que ajudam o agricultor e são seguras ao consumidor. 

Quer saber mais sobre esses produtos? Não deixe de ler:

O mamão transgênico está entre as primeiras plantas geneticamente modificadas desenvolvidas, principalmente pela fruta ser suscetível a um vírus que ficou conhecido como vírus da mancha-anelar do mamoeiro – Papaya ringspot virus (PRSV). Esse vírus foi descoberto na década de 1940 na ilha de Oahu, região produtora de mamão no Hawaii. Estado que mais produz o fruto nos Estados Unidos.

Por conta desse microrganismo, a indústria de mamão foi forçada, na década de 1950, a mudar seus pomares para outra ilha. No entanto, os produtores sabiam que a ameaça permanecia próxima.

O melhoramento genético do mamoeiro era necessário, mas a falta de diversidade genética no germoplasma da planta dificultava o sucesso dos pesquisadores em desenvolver uma cultivar que fosse resistente à doença. 

Com isso, na década de 1990, o vírus já havia se espalhado para outras ilhas, fazendo com que a produção de mamão fosse reduzida quase pela metade.

O mamão transgênico

Em Taiwan pesquisadores desenvolveram (por meio de mutação induzida) um vírus atenuado, que, quando inoculado no mamoeiro, era capaz de induzir a resistência na planta contra os vírus selvagens (que causavam a doença). É exatamente isso que você pensou, essa estratégia funcionava como uma vacina. No entanto, essa forma de proteção possuía várias desvantagens para os produtores de mamão:

Com o advento da biotecnologia moderna, cientistas passaram, então, a investir no desenvolvimento de um mamão que fosse resistente ao vírus por meio da transgenia. No entanto, ainda era preciso encontrar um gene que pudesse tornar o mamão resistente ao vírus.

Um grupo de pesquisadores americanos passaram então a estudar os genes do vírus atenuado com o objetivo de selecionar apenas aquele que conferisse resistência ao microrganismo. Com isso identificaram o gene cp (coat protein).

Dessa forma, ao introduzirem o gene cp no genoma do mamoeiro, foi desenvolvido com sucesso o primeiro mamão resistente à principal praga dessa cultura – o mamão transgênico 55-1. 

Em 1992 o mamão transgênico 55-1 estava em estágios avançados de avaliação. Testes na ilha de Oahu mostraram que o mamoeiro transgênico era totalmente resistente ao vírus. A pesquisa foi publicada na conceituada revista científica Nature: Virus resistant papaya plants derived from tissues bombarded with the coat protein gene of papaya ringspot virus.

A única diferença entre o mamão transgênico e sua cultivar selvagem é a presença da sequência de DNA identificada como “gene cp” e que confere à planta total resistência ao vírus patogênico. Outras características da planta, como aparência e sabor do fruto, foram mantidas de forma que são idênticos a um mamão não transgênico.

As principais vantagens da planta transgênica quando comparada à estratégia de “vacinação” são:

O mamão transgênico foi aprovado para cultivo nos Estados Unidos em 1996 pelas agências regulamentadoras USDA-Animal Plant Health Inspection Service (APHIS) e para consumo, em 1997, pela Food and Drug Administration (FDA).

Em 1998 sementes do mamão transgênico passaram a ser distribuídas aos produtores mais afetados pela doença, por uma comissão administrativa (Papaya Administrative Committee – PAC).

Em 2001 a produção de mamão no Hawaii já estava próxima ao que era em 1992, antes do vírus ter se espalhado pelas ilhas, conforme pode-se observar na imagem abaixo.

Infográfico mostrando a produção e os benefícios do mamão transgênico no Havaí

Além dos benefícios já mencionados, o mamão transgênico foi importante para que não houvesse necessidade da expansão de terras para plantio, beneficiando também as plantas de mamão não transgênicas. Isso porque, o cultivo da variedade geneticamente modificada era possível de ser realizado até mesmo em áreas contaminadas pelo vírus. 

As plantas transgênicas ainda foram responsáveis por reduzir a incidência do vírus nesses locais e atuar como barreira do inseto transmissor. Essa combinação de efeitos positivos possibilitou, inclusive, o plantio do mamão convencional em áreas em que já não se podia mais cultivar. 

Grandes importadores de mamão do Hawaii, Canadá e Japão, também aprovaram em 2003 e 2011 respectivamente, o consumo do mamão transgênico em seus territórios. Permitindo assim a contínua importação de frutos produzidos pelos agricultores do Hawaii, que até hoje utilizam dessa eficiente tecnologia.

Além do mamão transgênico havaiano, a Universidade de Agricultura do Sul da China também desenvolveu um evento transgênico do mamoeiro resistente ao vírus que causa a mancha-anelar. No entanto, foi utilizado um gene diferente, visto que o Papaya ringspot virus apresenta variações genéticas dependendo da região em que é encontrado. Essa planta está aprovada para cultivo e comercialização na China desde 2006.

Produção de mamão no Brasil

Com uma produção que ultrapassa 1 milhão de toneladas ao ano, o Brasil é o segundo produtor de mamão do mundo, superado apenas pela Índia. O país também figura entre os principais exportadores do fruto, cerca de 40% de toda a produção é exportada, principalmente para o mercado europeu.

No país, a cultura do mamoeiro possui grande importância social, por ser geradora de empregos e renda durante o ano todo, visto que a colheita e a comercialização do fruto são efetuadas de maneira contínua nos pomares.

As principais regiões produtoras do Brasil são o Nordeste e o Sudeste, com destaque para os estados da Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Ceará, que são responsáveis por aproximadamente 90% da produção nacional.

Vírus também ameaça o mamão brasileiro

As boas práticas agronômicas realizadas pelos produtores brasileiros têm assegurado a produtividade e qualidade dos mamões brasileiros. As práticas incluem: 

No entanto, mesmo com o bom manejo do pomar, a produção de frutos, na última década, sofreu queda. Em 2010 o Brasil produziu 1,87 milhão de toneladas, esse número foi reduzido para 1,16 em 2019.

No Brasil, as principais doenças de importância econômica para o mamoeiro também são as viroses, entre elas a causada pelo vírus que devastou as plantações no Hawaii, responsável pela mancha anelar. Outro vírus é ainda mais grave para os agricultores brasileiros, o Papaya meleira virus (PMeV) que causa uma doença chamada de meleira.

Para enfrentar ambas as doenças, os pesquisadores brasileiros têm buscado identificar e conhecer as formas de infecção, sobrevivência e características genéticas do vírus da meleira, que é uma doença mais nova e pouco conhecida.

Para superar a mancha anelar, muito tem sido investido no desenvolvimento de variedades resistentes por meio do melhoramento genético clássico. Ou seja, realizando cruzamento entre diferentes espécies de mamão, algumas variedades tolerantes já foram obtidas, como por exemplo a Cariflora.

No entanto, a variedade Cariflora não é utilizada comercialmente no Brasil. Seus frutos redondos e de polpa amarela não são bem aceitos pelos consumidores.

Soluções biotecnológicas

A biotecnologia moderna tem sido utilizada para desenvolver tecnologias mais eficazes, como a produção de eventos transgênicos que fossem resistentes aos dois vírus. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) produziu plantas transgênicas com essas características, mas a tecnologia ainda está em fase inicial de avaliação.

Outra tecnologia bastante interessante é a técnica conhecida como RNA de interferência (RNAi) por aplicação. Nesse caso, é desenvolvido um produto com material genético do vírus que irá proteger a planta. Também é semelhante a um processo de vacinação, mas é uma tecnologia muito mais moderna e eficiente do que as já produzidas.

Recentemente pesquisadores da Grécia e Índia desenvolveram um produto a partir da técnica RNAi. O “spray” desenvolvido com material genético do vírus foi eficiente em proteger plantas de mamão contra a infecção do vírus da mancha anelar. O produto ainda se mostrou eficaz contra isolados do vírus de diferentes regiões. A pesquisa ainda está em fases laboratoriais de avaliação, mas já revelam expectativas positivas para os produtores de mamão.

 

Principais fontes:

Delaney, B., Goodman, R. E., and Ladics, G. S. Food and Feed Safety of Genetically Engineered Food Crops. Oxford University Press, 2017.

EMBRAPA. Plano estratégico para a cultura do mamoeiro: 2017-2021.1. Documentos 228, 2019.

Fuchs, M. and Gonsalves, D. Safety of Virus-Resistant transgenic plants two decades after their introduction. Annual Review of Phytopathology, 2007.

IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA: produção agrícola. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/tabelas. Acesso em: 24/11/2020.

Gonçalves, D. Control of papaya ringspot virus in papaya a case study. Annual Review of Phytopathology, 1998.

Vadlamudi, T., et al. DsRNA-mediated protection against two isolates of Papaya ringspot virus through topical application of dsRNA in papaya. Journal of Virological Methods, 2019.

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