Carbono, de fonte de vida à vilão
Se alguém lhe perguntasse: Que elemento é comum em tudo (ou quase tudo) que conhecemos? Qual seria sua resposta? Se você não pensou em carbono, provavelmente errou. O carbono pode ser o único elemento que liga tudo o que existe no globo. Desde uma cadeira a um foguete; ou uma bactéria a um elefante.
Pense em alguma coisa. Certamente o que você pensou tem carbono em sua composição
Olhe à sua volta. O carbono está em toda parte: no papel de cada livro, na tinta em suas páginas, em cada pedaço de comida que você ingere, na cerveja, na água com gás e no vinho espumante; nos tapetes do chão, em combustíveis e no diamante; na cafeína e na nicotina.
O carbono é o doador da vida: sua pele e cabelo, sangue e ossos, músculos e tendões, todos dependem do carbono. Casca, folha, raiz e flor; frutas e nozes; pólen e néctar; abelha e borboleta; cachorro e dinossauro – todos incorporam carbono essencial.
Cada célula do seu corpo – de fato, cada parte de cada célula – depende de uma estrutura robusta de carbono. Quando você respira, você exala carbono; quando você beija, os átomos de carbono se abraçam.
Seria mais fácil para você listar tudo o que você toca e que não tenha carbono – como: latas de alumínio em sua geladeira, microchips de silício em seu smartphone, obturações de ouro em seus dentes – do que enumerar pelo menos 10% dos objetos que contêm carbono em seu dia a dia. Vivemos em um planeta de carbono e somos vida de carbono.
Mas o carbono também nos traz prejuízos, principalmente ambientais
Mudanças climáticas naturais ocorreram ao longo da história humana. O século 20, no entanto, viu um rápido aumento nas temperaturas globais. A ciência identificou o dióxido de carbono (CO2) e alguns outros gases de efeito estufa (GEE) como intensificadores na elevação de temperatura dos últimos anos. Os cientistas se referem a esse fenômeno como o efeito estufa intensificado.
O efeito estufa que ocorre naturalmente captura o calor do Sol antes que ele possa ser liberado de volta ao espaço. Isso permite que a superfície da Terra permaneça quente e habitável. É um processo que ocorre quando os gases na atmosfera da Terra prendem o calor do Sol tornando a Terra mais quente do que seria sem uma atmosfera, um lugar confortável para se viver.
Esse mecanismo recebe esse nome porque os gases na atmosfera, como o dióxido de carbono, retêm o calor de maneira semelhante ao telhado de vidro de uma estufa. Esses vapores que retêm o calor são chamados de GEE. Porém, níveis aumentados desses gases retêm ainda mais o calor do Sol, resultando em um efeito de aquecimento global.
No simples ato de respirarmos já emitimos gás carbônico no ambiente, e o seu automóvel também contribui para esse aumento. Claro que, os maiores montantes vêm de atividades industriais e agrícolas.
Os principais gases de efeito estufa associados à agricultura são dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N20).
Embora o dióxido de carbono seja o gás de efeito estufa mais prevalente na atmosfera, o óxido nitroso e o metano têm durações mais longas na atmosfera e absorvem mais radiação de ondas longas. Portanto, pequenas quantidades de metano e óxido nitroso podem ter efeitos significativos nas mudanças climáticas.
Agricultura e as mudanças climáticas
A agricultura é afetada diretamente pelas mudanças climáticas. A irregularidade das chuvas e condições extremas de temperaturas afetam toda a biodiversidade de uma região, inclusive do solo.
A agricultura é o motor do desenvolvimento humano e social global
Solo: patrimônio essencial da agricultura
Mas a própria agricultura contribui para a intensificação do efeito estufa pela liberação de GEE. Dois poderosos gases de efeito estufa são subprodutos da atividade agrícola:
- Metano (CH4) – dos processos de digestão do gado e esterco animal armazenado;
- Óxido nitroso (N2O) – de fertilizantes de nitrogênio orgânico e mineral.
Práticas agrícolas comuns, incluindo dirigir um trator, cultivar o solo, pastar em excesso, usar fertilizantes à base de combustíveis fósseis e defensivos químicos e produtos biológicos também resultam em liberação significativa de dióxido de carbono (CO2).
Além disso, o crescimento populacional projetado e os hábitos nutricionais que favorecem um maior consumo devem aumentar a demanda global por alimentos nas próximas décadas. Esse aumento na demanda por alimentos pode aumentar os GEE, devido à intensificação da produção agrícola e ao aumento dos insumos para o cultivo.
Uma vez que, a redução da produção global de alimentos para mitigar impactos no sistema climático global não é considerada uma solução viável. Afinal, uma possível redução da produção de alimentos impacta a segurança alimentar e aumenta os preços dos alimentos no mercado, prejudicando o acesso a alimentos nutritivos e acessíveis.
A segurança alimentar é garantia de alimentos de qualidade para todos
Agricultura como solução
A agricultura é o único setor que tem a capacidade de se transformar de um emissor líquido de CO2 em um sequestrador de CO2 – não há outro domínio manejado por humanos com esse potencial.
Isso é possível devido ao fato de que o carbono pode ser armazenado a longo prazo (décadas a séculos ou mais) de forma benéfica nos solos em um processo chamado sequestro de carbono do solo. Esse processo contribui para a mitigação das mudanças climáticas, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa e sequestrando carbono, mantendo a produção de alimentos.
O sequestro de carbono no setor agrícola refere-se à capacidade das terras agrícolas e das florestas de remover o dióxido de carbono da atmosfera. O CO2 é absorvido pelas plantas da natureza e das lavouras por meio da fotossíntese, armazenando o carbono na biomassa em troncos de árvores, galhos, folhagens, raízes e solos.
Uma compensação de carbono é definida como um instrumento que representa a redução, prevenção ou sequestro de uma tonelada métrica de dióxido de carbono ou gás de efeito estufa equivalente.
Florestas e pastagens perenes são chamadas de sumidouros de carbono porque podem armazenar grandes quantidades de carbono em sua vegetação e sistemas radiculares por longos períodos de tempo.
À medida que passamos a entender que o carbono atmosférico pode ser sequestrado no solo, a comercialização de créditos de carbono por produtores rurais para quem precisa compensar, se tornou muito presente.
Os solos são o maior sumidouro terrestre de carbono do planeta. A capacidade das terras agrícolas de armazenar ou sequestrar carbono depende de vários fatores, incluindo clima, tipo de solo, tipo de cultivo ou cobertura vegetal e práticas de manejo.
Práticas agrícolas sustentáveis podem sequestrar carbono e melhorar a saúde do solo ao mesmo tempo. Rotações de culturas, cultivo mínimo, adubo verde e sistemas agroflorestais aumentam o sequestro de carbono no solo e/ou vegetação perene. No longo prazo, eles também podem aumentar a receita agrícola.
Plantio direto, um exemplo de cuidado solo
Agricultura regenerativa
Créditos de carbono. O que são e como funcionam?
Os créditos de carbono podem ser gerados quando os agricultores documentam práticas de sustentabilidade feitas durante o cultivo que estão incluídas em vários protocolos de boas práticas agronômicas, incluindo os protocolos de conservação do solo e o protocolo de redução de emissão de óxido de nitrogênio.
O carbono que é “guardado” e não emitido na atmosfera pode ser vendido a empresas e até países que precisam atingir as metas de redução dos GEE estabelecidas nos acordos internacionais. É um mercado que está começando a se desenvolver na agricultura e os primeiros passos estão sendo dados aqui no Brasil.
Os mercados de carbono representam uma das ferramentas para enfrentarmos o problema das mudanças climáticas, ou seja, o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. Como temos apenas uma atmosfera, não importa onde as emissões são liberadas, pois em breve elas se espalharão pela Terra, criando um efeito de estufa.
Seguindo essa lógica, se um grupo de pessoas, países ou empresas concorda em limitar suas emissões a uma determinada quantidade, não importa onde isso é reduzido. O efeito da diminuição de GEE na atmosfera será global. Sendo assim, a melhor maneira de compensar medidas climáticas é reduzir as emissões onde for mais fácil (ou seja, menos oneroso) fazê-lo.
Para esse fim, governos em todo o mundo estabeleceram mercados de carbono, onde as emissões (ou reduções de emissões) podem ser trocadas de uma entidade para outra. Em tese, desde que controlemos a quantidade total de emissões comercializadas no mercado, não importa para o clima quem compra ou vende.
É claro que, na prática, estabelecer um mercado de carbono global ou mesmo nacional é uma tarefa desafiadora. Existem riscos significativos de que os sistemas contenham lacunas que podem fazer com que esta política tenha pouco ou nenhum impacto na redução de emissões.
Alguns entraves dessa compensação de sequestro de carbono precisam ser mais bem estudados. Como as metodologias de avaliação, ou seja, como serão medidos esses montantes de carbono no solo, como serão calculados os valores?
Também há a questão de quanto tempo o carbono armazenado permanecerá no solo. Um evento climático como seca, ou mudanças de práticas agrícolas não conservacionistas podem liberar parte do carbono armazenado?
Ainda, é preciso observar como as políticas públicas vão ser formadas para regulamentar essa que pode ser uma nova fonte de lucro para os produtores, podendo ser tratada como uma nova cultura que surge no campo.
O que já vem sendo feito?
Atualmente, a maioria das compensações de carbono relacionadas à terra são geradas por meio do plantio de árvores e do aprimoramento do manejo florestal. Outros projetos incluem captura de gás metano, troca de combustíveis e maior eficiência energética.
Por conta do desenvolvimento dos mercados de carbono, se passou a destinar incentivos financeiros para quem reduz a pegada de carbono do mundo. Com isso, abrimos uma nova oportunidade aos agricultores, pelo carbono que armazenam, realizando pagamentos via empresas do setor industrial ou por qualquer setor que precise compensar suas emissões.
Pegada de carbono: é o quanto de carbono é produzido/emitido nas mais diversas atividades. Existem também pegadas de carbono individuais, que é o quanto de carbono que produzimos, com nossos hábitos de consumo.
A maioria dos cientistas concorda que uma combinação de redução ou interrupção da lavoura (pousio), plantio de culturas de cobertura, rotação de culturas diversas e, em alguns casos, adição de animais para pastagem controlada, são bastante eficientes em capturar carbono.
Nutrientes do solo são o alimento para as plantas
Além disso, práticas, como plantar árvores e outras plantas perenes nas fazendas e manter corredores ribeirinhos também são importantes na captura de carbono da atmosfera. Práticas que os produtores brasileiros têm adotado, inclusive, assegurando as áreas de preservação permanente (APP) e áreas de reserva legal em suas propriedades.
APP: Área de Preservação Permanente é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Reserva legal: é a área do imóvel rural que deve ser coberta por vegetação natural e que pode ser explorada com o manejo florestal sustentável. Ela varia de acordo com o bioma em que está a propriedade.
Todas essas ações são a forma de encontrar um equilíbrio entre a emissão e a captura desse carbono na atmosfera. É encontrar soluções ambientalmente e economicamente sustentáveis e implementar essas mudanças. Assim, pode-se estabilizar e até reduzir os impactos que as emissões que os GEE estufa provocam.
Principais fontes:
Litskas V.D. et al., Climate change and agriculture: carbon footprint estimation for agricultural products and labeling for emissions mitigation. Sustainability of the Food System. 2020.
Schahczenski J. e Hill H. Agriculture, climate change and carbon sequestration. ATTRA—National Sustainable Agriculture Information Service. 2009.
González-Ramírez J. et al., An overview of carbon offsets from agriculture. Annual Review Resource Economics. 2012.