Embrapa: uma história de inovação no campo
Em 48 anos de existência, a instituição de pesquisa totalmente voltada para a ciência do campo teve papel central no desenvolvimento de tecnologias para a agricultura tropical
A ciência é fundamental para o avanço da humanidade. Sem o trabalho de homens e mulheres curiosos, dispostos a buscar soluções aos mais variados desafios, provavelmente ainda estaríamos em cavernas, caçando para comer e com baixíssima expectativa de vida.
No Brasil, a pesquisa voltada para a agropecuária revolucionou o campo. Nos tirou da condição de importador e nos transformou no que somos hoje: um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do planeta.
A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é um dos principais atores desse processo. Criada na década de 1970, exerceu papel fundamental no desenvolvimento da agricultura tropical. A instituição está presente em todas as regiões brasileiras e conta com uma equipe de milhares de pesquisadores.
A CropLife Brasil conversou com o presidente da Embrapa, Celso Moretti, sobre essa trajetória. Confira a entrevista.
A Embrapa lançou, em novembro de 2020, o seu novo Plano Diretor. Quais as áreas que serão intensificadas e por quê?
Estamos neste momento realinhando as agendas estratégicas dos nossos 43 centros de pesquisa e das unidades centrais da Sede às novas diretrizes estabelecidas, por meio de nove temas prioritários, 11 objetivos estratégicos (oito para a inovação e três para a melhoria de gestão e eficiência organizacional) e as 29 metas quantificáveis de curto, médio e longo prazo, que são a maior novidade do VII Plano Diretor da Embrapa. Pela primeira vez, o Plano traz metas quantificadas, um passo ousado que ainda não é comum no setor público brasileiro. O objetivo é de dar agilidade e capacidade de fazer entregas compatíveis com as demandas do agronegócio nacional.
Os nove temas prioritários são: agricultura digital, rastreabilidade e logística associadas aos sistemas produtivos agrícolas; agregação de valor aos produtos e serviços agropecuários e agroindustriais; adaptação e mitigação frente aos efeitos da mudança do clima; aproveitamento e transformação de biomassa para energia renovável, bioprodutos, bioinsumos; desenvolvimento territorial sustentável; produtividade e sistemas de produção sustentáveis; segurança alimentar e nutricional; uso e conservação de recursos naturais e sanidade agropecuária.
A agricultura digital está na era 4.0, e a Embrapa desenvolve várias tecnologias, com o objetivo de auxiliar os agricultores. Já entramos ou estamos próximos da Era 5.0?
Considero que estamos dando os primeiros passos na Era 5.0. A agricultura de precisão brasileira é uma realidade em parte de nossas propriedades rurais, com a automação de maquinários, a integração de sistemas de Inteligência Artificial, Internet das Coisas e Big Data. Quase todos os centros de pesquisa da Embrapa têm trabalhado fortemente no desenvolvimento de tecnologia e apoio à agricultura digital: sensores que medem a temperatura do animal e avaliam o conforto térmico sob sol ou sombra, dentro do sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF); detecção de doenças; recontagem de frutos; previsão de safras; monitoramento de logística e transporte, rastreabilidade e suporte à tomada de decisão do produtor.
Por meio de uma parceria com a Scheffer, por exemplo, instalamos sensores e drones em uma propriedade de Sapezal (Mato Grosso) e conseguimos avaliar uma série de parâmetros da safra de algodão. O monitoramento de fitonematoides na cultura do algodoeiro no Mato Grosso, envolvendo 260 fazendas e 2,5 mil talhões, poderá viabilizar um aumento de produtividade de 10% na cultura, algo em torno de R$ 27 milhões na produção do Estado. É um exemplo prático e real de como o uso da agricultura digital 5.0 poderá contribuir para o desenvolvimento e a sustentabilidade do agro brasileiro.
No novo Plano Diretor estabelecemos duas metas voltadas para otimizar os sistemas produtivos. Até 2025, viabilizar a incorporação pelo setor produtivo de dez soluções tecnológicas em automação e agricultura digital para as cadeias agropecuárias desenvolvidas pela Embrapa e parceiros e aumentar em 100% o número de usuários de aplicativos e sistemas digitais gerados pela Embrapa e parceiros.
O Brasil é referência mundial no agro e tem o desafio de aumentar a produção agropecuária com sustentabilidade, sem utilizar novas áreas. O que deve ser feito para alcançar essa meta?
O agro brasileiro avançou de forma competitiva e sustentável para se tornar um dos líderes globais na produção de alimentos, fibras e bioenergia. Nas últimas décadas, a agricultura brasileira vem adotando práticas mais sustentáveis de produção que, ao mesmo tempo, contribuem para a preservação do meio ambiente e garantem maior produtividade e competitividade para o setor, sem a necessidade de ocupação de novas áreas e com o uso mais racional dos recursos naturais.
A base científica da agricultura tropical pelas instituições de pesquisa é calcada no conceito da sustentabilidade, em seus pilares ambiental, social e econômico. Todas as tecnologias da Embrapa, em seu processo de desenvolvimento e, posteriormente, durante a adoção no campo, têm seus impactos avaliados nessas três vertentes da sustentabilidade. Por isso, entendemos que hoje o agro brasileiro consegue equilibrar melhor essa questão. Ainda precisamos fazer muito, mas o caminho da sustentabilidade já está traçado e é uma realidade sem volta.
Como atender à demanda mundial por produtos livres de desmatamento e que não esgotem os recursos naturais?
O agro brasileiro já tem consciência de que o caminho da sustentabilidade é o único que vai garantir mercados e competitividade no mundo afora. Portanto, acredito seriamente que o Brasil caminha sim no sentido da produção sustentável agropecuária, que começa a receber certificação por parâmetros reconhecidos internacionalmente.
Temos ainda problemas que precisam ser equacionados, como o desmatamento ilegal e a ocupação irregular de áreas. Contudo, entendo que são questões pontuais, a minoria das situações, e devem continuar sendo combatidas com fiscalização e controle por parte do governo e da sociedade. A grande maioria dos produtores rurais – e os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) comprovam isso – tem conseguido aliar sua atividade preservando o meio ambiente, e cada vez mais optando por adotar soluções tecnológicas inovadoras e sustentáveis, como a ILPF, a fixação biológica de Nitrogênio, a recuperação de pastagens degradadas, o plantio direto, o aproveitamento de dejetos animais para produção de fertilizantes e energia etc.
A Embrapa possui parcerias com a iniciativa privada para o desenvolvimento de pesquisas. Quais são os benefícios que essas parcerias trazem para o agricultor e para a sociedade em geral?
Estabelecemos recentemente novas modelagens de negócio com o setor privado, que buscam estreito relacionamento com agentes do setor produtivo, visando a co-criação ou o co-desenvolvimento de soluções tecnológicas.
O princípio é o modelo de inovação aberta, que conta com parcerias desde o início dos projetos para compromisso com a inserção de ativos no mercado. Utilizamos a escala TRL (Technology Readiness Level) como parâmetro para o desenvolvimento dessas soluções, sejam elas tanto radicais por quebrarem paradigmas como incrementais – que fazem evoluir características de produtos ou serviços já existentes. Agimos para conciliar a atuação de acordo com diferentes abordagens como inovação aberta, science-push (empurrado pela ciência), market-pull (puxado pelo mercado), cocriação, codesenvolvimento, entre outras.
A repartição de direitos de propriedade intelectual é outro avanço. Na maioria das parcerias, definimos conjuntamente duas ou três prioridades iniciais que vão nortear os trabalhos, estabelecemos um acordo de cooperação técnica e outro de confidencialidade, e depois virão os projetos ou planos de trabalho que tratarão das ações e atividades mais específicas a serem executadas.
As parcerias com o setor privado aceleram o atendimento. São projetos, normalmente, de curto ou médio prazo, com entregas bem definidas e de impacto mais urgente. Desta forma, conseguimos equilibrar melhor nossa atuação, direcionando os recursos públicos para áreas ou demandas onde o Estado precisa estar ou fomentar. No fundo, a empresa de pesquisa pública atua como uma locomotiva limpa-trilho, abrindo caminhos nem sempre conhecidos, criando depois um ambiente mais seguro e com oportunidades melhores para a atuação da iniciativa privada.