Diversidade genética dos alimentos: milho
O milho (Zea mays) é o cereal mais produzido no mundo e sua importância já era reconhecida pelos primeiros povos que plantavam o grão há 7.300 anos. Os indígenas caribenhos denominavam o cereal de “sustento da vida”.
Dada a relevância do milho na segurança alimentar, o entendimento sobre a genética dessa cultura é cada vez mais importante.
O milho como alimento de sobrevivência
O milho teve uma história de evolução muito evidente, desde o início de sua domesticação até os dias de hoje. A seleção de variedades que apresentavam características de interesse, incluindo grãos maiores, possibilitou a alimentação de diversos povos nativos do continente americano.
O milho é um cereal da família do capim (Poaceae). Diversas evidências indicam que tenha sido originado a cerca de 10 mil anos atrás no México. País de onde o milho começou a migrar para outros países das Américas.
Povos antigos no sudoeste do México encontraram uma grama selvagem chamada teosinto, que apresentava espigas menores do que um dedo mindinho, com apenas um punhado de grãos pedregosos. Mas, por um golpe de gênio ou necessidade, os agricultores indígenas viram potencial no grão, adicionando-o a suas dietas e colocando-o no caminho para se tornar uma cultura domesticada que agora alimenta bilhões de pessoas.
Domesticação e expansão do milho pelo mundo
O processo de domesticação do milho mudou radicalmente suas origens. As sementes do teosinto selvagem eram envoltas em cascas duras e dispostas em um espigão com cinco a sete fileiras, um espigão que se estilhaça quando o grão estava maduro para dispersar sua semente. O milho moderno tem centenas de grãos presos a uma espiga que está completamente coberta por cascas e, portanto, não pode se reproduzir sozinha.
Por muitos anos, o pensamento entre os estudiosos era de que o milho foi primeiro domesticado no México e depois difundido em outras partes do mundo. No entanto, depois que as espigas de 5.000 anos foram encontradas no México acabaram sendo identificadas como apenas parcialmente domesticadas. Com isso, os estudiosos começaram a reconsiderar se esse pensamento capturava toda a história da domesticação do milho.
O milho no Brasil
As pesquisas atuais demonstram que os humanos começaram a cultivar seletivamente o ancestral selvagem do milho, o teosinto, cerca de 9.000 anos atrás, no Abrigo Xihuatoxtla, no vale do Rio Balsas de Guerrero – México.
Dali o milho se espalhou, provavelmente pela difusão de sementes ao longo das redes de comércio ao invés da migração de pessoas. Variedades parcialmente domesticadas da cultura só chegaram no resto da América Central e do Sul entre 7000 e 7500 anos atrás.
Especula-se que o milho também chegou ao Brasil antes de ser completamente domesticado. Estudos recentes identificaram amostras de milho datadas de 6 mil anos atrás na região Norte do Brasil, especificamente na região oeste da Amazônia próximo ao Acre. Os índios nativos que já possuíam habilidades de cultivo e domesticação de plantas como a mandioca, realizaram também a domesticação de espécies de milho.
Com isso, o cereal se tornou um dos principais ingredientes na dieta dos indígenas brasileiros. O seu consumo se tornou ainda mais popular com a chegada das navegações portuguesas ao Brasil, quando o grão passou a ser usado como farinha.
Ainda há muito a se entender
No final de 2020 os cientistas publicaram os genomas totalmente sequenciados de três espigas de aproximadamente 2.000 anos encontradas em El Gigante em Honduras. A análise dos três genomas revelou que essas variedades milenares de milho da América Central tinham ascendência sul-americana. Isso adiciona um novo capítulo na história da domesticação do milho.
O estudo mostrou que os humanos carregavam milho da América do Sul de volta para o centro de domesticação no México. Isso teria proporcionado uma ampliação da diversidade genética, que pode ter adicionado resiliência e aumentado a produtividade da cultura.
E essa ampliação de diversidade fez com que fossem sendo selecionadas e desenvolvidas variedades de milho para a necessidade dos povos. Depois, com o início do melhoramento genético de plantas, o milho, que já era um importante alimento, foi cada vez mais aprimorado.
Os estudos de DNA sugerem que a seleção artificial, para várias características, continuou ao longo do tempo, levando à variedade de milhos encontrada hoje. Por exemplo, 35 tipos diferentes de milho foram identificados no Peru pré-colombiano.
Os marcadores moleculares, particularmente nas últimas duas décadas, têm sugerido padrões de diversidade genética do milho no mundo, incluindo variedades locais e parentais selvagens da América Latina.
Todo esse estudo está ajudando no rastreamento das rotas de migração do milho a partir dos centros de origem e revelando os caminhos da diversidade genética durante a domesticação do cereal.
E por que é importante saber e estudar a diversidade genética do milho?
Diversidade genética é o número total de características genéticas encontradas no genoma de indivíduos de uma espécie. Na produção de alimentos, a diversidade genética é fundamental para fornecer um sistema de segurança alimentar, uma vez que a partir dela é possível adaptar as plantas a diferentes regiões, doenças e estresses ambientais.
Manter a diversidade genética também é crucial para proteger características que poderão ser usadas para combater uma nova praga futura ou adaptar às necessidades do suprimento mundial de alimentos. Afinal, os melhoristas de plantas precisam de uma grande diversidade de características genéticas para criar novas variedades de cultivo.
Com a evolução da ciência nos tempos mais modernos, os pesquisadores passaram a usar diferentes estratégias de melhoramento. O cruzamento feito entre diferentes genótipos de milho, começou a dar origem aos milhos híbridos, que trouxeram maior vigor e produtividade para a cultura.
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Além disso, metodologias para indução de mutações e estudos genômicos das plantas de milho passaram a ser bastante utilizadas. Em todos os casos, o objetivo era aumentar a variabilidade genética na cultura do milho.
Ao empregar ferramentas genômicas, também se pode identificar quais genes são responsáveis por essas características e identificar, por exemplo, híbridos que possam ser tolerantes à seca.
O emprego dessas estratégias permitiu melhorar diversas características na cultura do milho, como produtividade, eficiência no uso de nutrientes do solo, tolerância à seca, resistência a patógenos e muitos outros benefícios.
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O milho tem mil e uma utilidades
Atualmente, além de ser fonte de nutrição, a cultura do milho é fonte de matéria-prima na fabricação de subprodutos em grandes indústrias químicas, farmacêuticas, de bebidas e combustível. De forma geral, a indústria de alimentos (humano e animal) utilizam o grão seco do milho (maduro fisiologicamente) para a fabricação de diversos produtos.
A maior fatia de consumo do milho é para a alimentação dos animais, com cerca de 70% de toda a produção mundial. No Brasil, essa porcentagem varia entre 60 e 80%, dependendo do ano. O restante é utilizado para a produção de alimentos humanos, bioenergia e exportação.
O Brasil é o terceiro maior produtor de milho no mundo, com produção de 101,9 milhões de toneladas estimada para 2019/2020. Além da utilização como alimento, a cultura do milho tem sido impulsionada pelo setor de bioenergia. A produção de etanol de milho pode chegar a 1,4 bilhões de litros na safra 2019/2020 e se espera um aumento de 86% para a de 2020/2021.
Tudo o que pode ser gerado a partir do milho
Hoje, existem centenas de variações de milho que se encaixam em diversas categorias com base em seus propósitos. Abaixo listamos alguns tipos de milho que diferem não só geneticamente, mas também em como são manejados no campo e nos produtos que podem originar.
Milho dentado: este tipo de milho é frequentemente usado para rações de gado, produtos industriais e também empregado para fazer alimentos processados. Outro nome para milho dentado é o “milho de campo”. Esse tipo de milho tem uma mistura de amidos duros e macios que se integram quando o milho seca.
Milho flint: Também conhecido como “milho indiano” é muito semelhante ao milho dentado, principalmente pela sua aplicação. O milho flint é cultivado principalmente na América do Sul e Central. Possui uma casca externa dura e os grãos podem apresentar uma variedade de cores, do vermelho ao branco.
Pipoca: a pipoca é um tipo de milho flint, embora tenha diferentes tamanhos, formatos, níveis de amido e umidade. Possui um centro de amido macio rodeado por uma casca exterior muito dura. Quando a pipoca é aquecida, a umidade natural dentro da casca se transforma em vapor e cria pressão suficiente até explodir.
Milho doce: Também conhecido como “milho em espiga”. Este tipo de milho é aquele que você compra no supermercado, o mesmo que pode ser consumido na praia com sal e manteiga. Este tipo de milho pode ser enlatado ou congelado para consumo futuro.
Milho doce é colhido e consumido enquanto as espigas ainda estão imaturas e na fase de leite, enquanto os grãos ainda estão macios. Este milho tem a capacidade de produzir açúcar no lugar de amido (resultado de uma mutação genética). O “mini milho” faz parte dessa mesma variedade, mas é colhido precocemente.
Milho branco: é o milho vendido como canjica (branco).
A biotecnologia também é importante na diversidade genética do milho
A manipulação da diversidade genética do milho ocorreu por meio de diferentes técnicas que foram sendo aprimoradas com o passar dos anos.
A mutagênese induzida por diferentes compostos químicos auxiliou o melhoramento genético clássico no desenvolvimento de novas cultivares de milho e também na criação de bibliotecas de sementes, que são utilizadas até hoje, para avaliação de novas características.
O avanço do conhecimento científico também permitiu o desenvolvimento das plantas transgênicas e no final da década de 1990, teve início o cultivo do milho transgênico nos Estados Unidos. Tecnologia que proporcionou novos ganhos de produtividade, estabilizando a área necessária para cultivo.
O primeiro milho transgênico foi desenvolvido na década de 1980, desde então, plantas de milho transgênicas carregando, principalmente, características de resistência a insetos e tolerância a herbicidas foram desenvolvidas e desde 1996 são cultivadas e comercializadas em muitos países.
Entre os eventos transgênicos mais predominantes das atuais sementes comercializadas estão a resistência às principais lagartas que atacam a cultura, e resistência ou tolerância a diferentes herbicidas.
No entanto, a CTNBio já analisou e aprovou eventos de milho com tolerância ao calor e à seca, tolerância ao calor e restauração de fertilidade.
Além dos benefícios diretos da tecnologia das sementes transgênicas, como ganho de produtividade e facilidade no manejo, gerando economia ao produtor.
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O milho transgênico, também limita os danos causados por insetos-praga o que apresenta resultados na redução de prejuízos com microrganismos. Isso porque, as aberturas causadas por insetos como a lagarta permitem a entrada de fungos e bactérias que produzem micotoxinas, que são substâncias tóxicas aos humanos e animais.
Nas duas últimas décadas tem se investido no desenvolvimento de ferramentas de edição genética, capazes de quebrar a dupla fita de DNA e realizar mutações direcionadas. Dessa forma, acelerando o melhoramento genético, tanto na pesquisa básica como na área aplicada à produção de novas cultivares.
Entenda como a tecnologia CRISPR veio para mudar a biotecnologia de plantas
A tecnologia CRISPR, principal ferramenta de edição gênica, foi aplicada para modificar várias características, como esterilidade masculina, biossíntese de lignina, tolerância a herbicidas, metabolismo secundário, composição de grãos e tolerância à seca. A edição genética promete ser uma das mais utilizadas durante os próximos anos.
Principais fontes:
Filho, I. A. P., e Borghi, E. Sementes de milho: nova safra, novas cultivares e continua a dominância dos transgênicos. 1. ed. Embrapa Milho e Sorgo, 2020.
Gedil, M., e Andorf, C. et al. Technological advances in maize breeding: past, present and future. Theoretical and Applied Genetics, 2019.
Menkil, A. An Integrated molecular and conventional breeding scheme for enhancing genetic gain in maize in Africa. Frontiers in Plant Science, 2019.