Biodiversidade e agricultura: benefício compartilhado
A biodiversidade e a produção de alimentos sempre andaram juntas. Afinal, desde o início da agricultura, a diversidade de plantas foi essencial para a adaptação das culturas em diferentes regiões. O reconhecimento desse valor de informações e de necessidade de preservação das características biológicas ficou tão evidente que desenvolvemos os chamamos de bancos de germoplasma.
As informações biológicas que fazem parte da biodiversidade são traduzidas em grandes benefícios humanitários. Por isso, a sua preservação é considerada um bem essencial para as gerações atuais e futuras.
Um desses benefícios, é o melhoramento genético de plantas. Estratégia que é essencial para que o setor agrícola continue aumentando sua produção de alimentos, de forma a acompanhar o crescimento da população mundial.
Importância da biodiversidade para agricultura
Quando falamos em biodiversidade a primeira imagem que nos vem à mente é a de uma floresta densa e com uma enorme quantidade de animais, das mais variadas espécies. No entanto, podemos ir além, podemos ver a enorme variedade de sequências de DNA e os benefícios que esses genes podem trazer para a humanidade.
Os genes abrem possibilidade para o desenvolvimento de uma grande variedade de produtos e tecnologias, desde remédios até o desenvolvimento de plantas mais produtivas e adaptadas às variações climáticas. Dessa forma, a biodiversidade apresenta imenso potencial de uso econômico.
Acesso ao código genético precisa ser livre: as informações genéticas são valiosas para a sociedade
Dentro da variabilidade genética é importante encontrarmos características que possam melhorar os cultivos e ajudar nas intempéries das lavouras, incluindo desde fatores abióticos – como a seca – ou bióticos, como aqueles causados por pragas e doenças.
Uma vez que, dentro da biodiversidade, novas características são identificadas. É possível desenvolver novas cultivares, seja pelo melhoramento clássico ou empregando técnicas mais modernas de biotecnologia.
Além disso, muitos microrganismos são importantes para o setor agrícola. Existem bactérias fixadoras que contribuem fortemente com os nutrientes do solo e muitos microrganismos podem atuar no desenvolvimento e metabolização dos defensivos agrícolas.
Ainda na área de produção de alimentos, muitos fungos e bactérias possuem relevância para o mercado de vinhos, espumantes, queijos e cogumelos comestíveis. Por isso, preservar a biodiversidade desses organismos é garantir que novas tecnologias de proteção de plantas e produção de alimentos sejam desenvolvidas no futuro.
Biodiversidade agrícola do Brasil
O Brasil apresenta uma megadiversidade, contando com cerca de 20% das espécies de seres vivos existentes na Terra. No entanto, os recursos genéticos dessa biodiversidade ainda não foram totalmente explorados em relação à produção de alimentos.
A agricultura brasileira é quase totalmente dependente de recursos genéticos exóticos.
Mutação em plantas e seu uso na produção vegetal
Diante das inúmeras possibilidades contidas na biodiversidade nativa ou exótica, ambas precisam ser preservadas dentro país. Para isso, existem técnicas específicas.
Conservação in situ
A conservação da biodiversidade nativa deve ser realizada, preferencialmente, in situ, ou seja, no local de origem. Desta forma, a preservação dessas espécies pode ser realizada de forma espontânea na natureza ou em locais adaptados para proteção de espécies domesticadas ou cultivadas.
Desta forma, é possível assegurar a continuidade dos processos evolutivos das espécies e ambientes ao longo do tempo, preservando variedades cujo potencial de uso ainda é desconhecido da ciência na alimentação, medicina, cosmética entre outras áreas.
Para as espécies domesticadas, a conservação in situ serve ainda à preservação dos conhecimentos tradicionais e científicos.
Conservação ex situ
É a prática realizada para a conservação da biodiversidade exótica. Com essa técnica a preservação dos recursos genéticos é realizada fora do seu habitat natural, em condições artificiais, na forma de bancos de germoplasma.
A conservação ex situ é uma estratégia eficiente na prevenção da perda de recursos genéticos em razão de pressões de seleção naturais e artificiais. Sendo de grande importância para manutenção e resgate de germoplasma para uso futuro, em ações de recuperação de habitats, reintroduções de espécies e em programas de melhoramento genético.
Conservação in situ ou ex situ?
Ambas são importantes para a agricultura e devem ser adotadas de forma complementar. Além disso, essas estratégias formam a base de dados para apoiar três grandes objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB):
- A conservação da diversidade biológica;
- O uso sustentável dos seus componentes;
- A repartição dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos.
Uma vez que o setor agrícola é um dos pilares da economia brasileira, as bases que sustentam esse pilar são os recursos genéticos encontrados na biodiversidade. Por isso, a preservação da biodiversidade nativa e o enriquecimento contínuo da variabilidade genética dos bancos de germoplasma são de grande importância.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) atua como importante personagem na proteção da biodiversidade. A instituição conta com 148 bancos de germoplasma vegetal, em 28 unidades distribuídas pelo Brasil.
O registro desses materiais biológicos, com a devida identificação e caracterização dos organismos, são fundamentais para conectar os programas de conservação e melhoramento de cultivares.
Proteção da biodiversidade
Apenas preservar a biodiversidade não é suficiente, é necessário documentar e organizar as informações sobre os recursos genéticos.
Dessa forma, é possível acessar de forma segura o material biológico e promover o desenvolvimento agrícola. A EMBRAPA possui o portal alelo que reúne os dados relacionados a recursos genéticos de forma unificada e padronizada.
Existem também plataformas globais, que visam unificar o banco de dados da biodiversidade mundial. Uma delas é a World Information and Early Warning System for PGRFA (Wiews), da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
No entanto, para que o intercâmbio de recursos genéticos entre diferentes países ocorra de forma segura, é necessário o cumprimento de leis nacionais e internacionais. Nesse sentido, existe também a União Internacional para a Proteção de Novas Variedades de Plantas (UPOV).
No Brasil, todas as espécies nativas são consideradas patrimônio genético e estão protegidas pela Lei da Biodiversidade de maio de 2015, regulamentada pelo Decreto nº 8.772/2016.
Nela, também são amparadas as populações espontâneas de espécies exóticas que tenham adquirido alguma característica no território nacional, assim como as variedades desenvolvidas por populações indígenas, comunidades tradicionais que não sejam semelhantes às variedades comerciais.
Agricultores e a preservação da biodiversidade
Desde 1934 o Brasil possui Legislação Ambiental representada pelo primeiro código florestal, instituído pelo decreto 23.793/34, com o intuito principal de conter o avanço das lavouras de café sobre a vegetação nativa, especialmente no Sudeste do país.
Em 1965 foi promulgada a Lei nº 4.771, criando o Código Florestal brasileiro que impôs limitações ao direito de propriedade no que se refere ao uso e exploração do solo e das florestas. Além disso, definiu as Áreas de Preservação Permanente (APPs), limitando mais claramente as áreas que não poderiam ser ocupadas em atividades agrícolas.
O próximo passo para a conservação das áreas nativas ocorreu em 1989, com a instituição da Reserva Legal, que impôs aos produtores a obrigação de manutenção de áreas de mata nativa dentro de suas propriedades e estabeleceu os percentuais de reserva em função de cada bioma. Desde então, para a produção na Amazônia Legal, os agricultores devem preservar 80% de suas propriedades, no Cerrado 35% e nos demais biomas, 20%.
Ações ainda mais rigorosas foram implementadas a partir de 1998, quando as infrações administrativas passaram a ser consideradas crimes ambientais sujeitos a multas severas conferidas pelos órgãos de fiscalização. Dez anos após, o Banco Central condicionou a liberação de crédito agropecuário à regularização ambiental das propriedades rurais.
Finalmente, a partir de 2012, o uso das terras e a conservação ambiental em propriedades rurais no Brasil passaram a ser mais claramente determinados pelo novo Código Florestal (Lei 12.651). Essa legislação estabeleceu as normas para proteção da vegetação nativa em áreas de preservação permanente (APPs), reserva legal, uso restrito, exploração florestal e uso de terras para produção agrícola.
De acordo com esse código, todo imóvel rural deve manter áreas com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as APPs, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel. Para os imóveis localizados na Amazônia Legal 80% quando situados em área de florestas; 35% quando localizado em área de Cerrado e 20% em área de campos gerais. Nas demais regiões portanto, exige-se a título de Reserva Legal, no mínimo, 20% da área do imóvel rural.
Com essa legislação, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) passa a integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais. Trata-se de um instrumento fundamental para a fiscalização prevista no Código Florestal. Esse processo visa reunir informações ambientais das propriedades rurais, possibilitando a fiscalização e o controle do desmatamento. Com o CAR, agora é possível saber qual é a contribuição dos agricultores na preservação do meio ambiente.
O benefício é para todos, a mata nativa em propriedades agrícolas protege o solo de empobrecimento, aumenta a polinização da lavoura e promove o controle biológico de pragas, diminuindo os custos com insumos agrícolas. Com isso, o agricultor consegue produzir e proteger os recursos genéticos.
A agricultura no papel da transformação social da humanidade
A biodiversidade é a matéria-prima da biotecnologia
A preservação da biodiversidade na natureza e pelos agricultores em suas propriedades, representam adaptações locais e garantem o aumento de informações genéticas que serão importantes para combater o aquecimento global e outros fatores abióticos.
Isso porque, espécies locais são mais bem adaptadas a estresses ambientais e se desenvolvem com menos insumos. Nesse sentido, é possível descobrir novas variações genéticas para genes de resistência à seca, altas temperaturas e pragas.
Na corrida contra as alterações climáticas, a biotecnologia entra como ferramenta para acelerar o melhoramento genético de importantes culturas agrícolas e também na preservação de espécies pouco exploradas.
Principais fontes:
Dwivedi, S. L., et al. Landrace Germplasm for Improving Yield and Abiotic Stress Adaptation. Cell Press, 2016.
EMBRAPA. Entenda a Lei 12.651 de 25 de maio de 2012. Disponível em: https://www.embrapa.br/codigo-florestal/entenda-o-codigo-florestal. Acesso em: 30/09/2020.
Paiva, S. R., et al. Recursos genéticos: o produtor pergunta, a Embrapa responde. 1. ed. Brasília, DF: Embrapa, 2019.