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A proteção e recuperação das águas engaja agricultores

Parcerias entre agricultores e municípios de Minas Gerais estão recuperando áreas de nascentes e mananciais dentro de propriedades rurais.

Neste ano, o Dia Mundial da Água tem como objetivo dar visibilidade às águas subterrâneas. A água subterrânea alimenta nascentes, rios, lagos e pântanos, e penetra nos oceanos. É recarregada principalmente pela chuva e neve que se infiltram no solo e ser extraída para a superfície por bombas e poços.

A vida não seria possível sem água subterrânea. A maioria das áreas áridas do mundo depende inteiramente das águas subterrâneas, que fornece uma grande proporção da água que usamos para beber, saneamento, produção de alimentos e processos industriais.

Água é um bem público ao qual todos têm direito de acesso. Se observamos a geografia brasileira, vamos perceber que a grande maioria das nascentes que formam nossos córregos e rios está dentro de propriedades rurais.

Apesar desse recurso natural, imprescindível para a manutenção da vida no planeta, ser utilizado por todos os setores da sociedade no abastecimento das populações, criações, indústrias e para a irrigação, são os agricultores e pecuaristas que têm o dever legal de cuidar da preservação das nascentes, uma tarefa que não é tão simples quanto parece e, por isso, tem custo.

Além de não poder usar essas áreas para nenhuma atividade econômica, os donos de terra precisam protegê-las do fogo, dos rebanhos criados à pasto e do corte ilegal de madeira, por exemplo. Em muitos casos, a solução passa pelo investimento na construção de cercas para isolar nascentes e margens de rios.

Então, cabe a pergunta: se todos usamos água, por que, então, só os agricultores devem arcar com os custos da preservação?

Com o objetivo de tornar essa equação mais justa, há 17 anos, o município de Extrema, no sul de Minas Gerais, criou o Projeto Conservador das Águas, que remunera os produtores pela prestação de serviços ambientais. Uma ideia tão bem-sucedida que já se expandiu por mais de 100 municípios mineiros.

Para entender como funciona o projeto, conversamos com o Biólogo Paulo Henrique Pereira, Gestor Ambiental de Extrema e coordenador do Projeto.

Como surgiu a ideia do projeto?

A partir do entendimento da necessidade de implantar um programa que recompensasse os serviços ambientais prestados pelos agricultores.  Em 2005, promulgamos a lei que criou o Projeto Conservador das Águas que utiliza um instrumento econômico para mobilizar e incentivar agricultores a produzir esses serviços ambientais.

Naquele momento, a água era um instrumento importante em termos de ação prática. Mas o trabalho começou 10 anos antes, com a implantação de projetos pilotos para restaurar áreas e conservar nascentes e mananciais.

Como funciona o projeto?

O que nós fizemos em Extrema foi mapear todo o território do município. O que se chama hoje de cadastro ambiental rural, nós construímos aqui em 2002, 10 anos antes do surgimento da lei federal.

Então, fizemos esse diagnóstico do território do município, das propriedades rurais e, a partir daí, começamos a indicar as áreas prioritárias para a conservação, levando em consideração a questão da água. Em seguida, fomos buscar os agricultores para a adesão ao projeto e o pagamento por serviços ambientais acabou sendo mesmo um bom instrumento para conseguirmos uma boa adesão.

Qual é o papel do agricultor no projeto?

Aqui em Extrema, ele tem que aderir ao projeto e destinar uma parte da sua propriedade para as ações que são executadas pelo município como cercamento de área, plantio de árvores e práticas de conservação de solo e de saneamento, quando há necessidade.

O município faz os investimentos necessários para a conservação, executando os trabalhos para implantar a infraestrutura necessária e, além disso, damos o apoio financeiro para os agricultores. Em 2022, cada integrante do projeto recebe 344 reais por hectare conservado por ano.

Quantos agricultores já aderiram ao projeto?

Hoje, o projeto em Extrema abrange 350 contratos assinados, já repassamos mais de 5 milhões de reais aos agricultores e atingimos em torno de 1200 hectares de áreas preservadas e conservadas.

Se a área estiver degradada, vocês plantam espécies nativas para recuperar o local?

Sim.  A ideia é que tenhamos todas as áreas de nascentes e mananciais totalmente conservadas. E, também, as áreas agrícolas. Por exemplo, se você tem uma pastagem degradada, que é o que mais temos no Brasil – onde fala-se de 200 milhões de hectares de pastagens degradadas – se essas áreas forem bem manejadas e bem conservadas, também passam a prestar o serviço ambiental porque permitem maior infiltração de água no solo e, consequentemente, aporatrá mais água nas nascentes.

Esse programa deu tão certo, que acabou se espalhando para outras regiões, não é?

Sim. Em 2016, criamos o Conservador da Mantiqueira e, assim, levamos essas ações para a região da Serra da Mantiqueira e, em 2020, nós expandimos também para a região da Zona da Mata mineira. Com isso, hoje, temos mais de 100 municípios mobilizados. Muitos já criaram suas leis criadas, começaram a capacitação de técnicos e a implantação dos projetos com pagamentos aos agricultores.

Para melhorarmos a qualidade do trabalho, também temos parcerias com diversas universidades como a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – SP), as Universidades Federais de Lavras e Viçosa e os Institutos Federais no sul de Minas e Zona da Mata, que são importantíssimos para as capacitações dos técnicos.

A ideia de um programa como esse é fortalecer as políticas públicas para termos municípios engajados em cuidar dos seus territórios. Porque, se cada município cuidar do seu território e da sua zona rural, com os mais de 5 mil municípios brasileiros, cuidaríamos de todo o território nacional.

área antes do projetoárea do projeto mostrando a recuperação da área de nascente

Antes e depois da área em propriedade que participa do projeto Conservador das Águas – Extrema (MG)

Quais são os planos para o futuro?

O projeto de Extrema tem uma meta bem clara, com a definição das áreas de conservação do município. E estamos expandindo isso, transformando o município num produtor de serviços ambientais. Esse é o grande objetivo, já pensando na questão climática também.

Hoje, as mudanças climáticas – tema que começou a ser mais trabalhado a partir de 2007 – formam o grande guarda-chuva de todas essas ações ambientais que envolvem biodiversidade, água e solo, pois todos sofrem os efeitos das mudanças climáticas. Então, o clima acaba tendo um papel de guarda-chuva de todos os serviços ambientais.

E a ideia é expandir esse trabalho, essas premissas que aplicamos em Extrema, para os outros municípios. Não podemos estabelecer metas para os outros municípios, o que deve ser feito pelos gestores locais. Mas a ideia é formar pessoas, capacitar grupos, mobilizar a sociedade civil organizada e as empresas locais, para poder financiar projetos para a produção desses serviços ambientais dentro das propriedades rurais.

Abrindo esse leque para outros serviços ambientais, o que vocês incluíram no projeto?

A questão climática, hoje, é o carro chefe do projeto de Extrema. Para isso, criamos uma política municipal, o projeto Extrema no Clima, que neutraliza as emissões de gases de efeito estufa dos empreendimentos aqui do nosso município. E essa neutralização é feita nas áreas do Projeto conservador das Águas. Ou seja, vinculamos o programa climático ao programa de restauração de áreas florestais dentro das propriedades rurais.

Por que essa vinculação?

Nós sempre tivemos muita dificuldade em buscar apoio financeiro para a questão hídrica. As empresas de saneamento e as hidrelétricas se negam a investir em proteção de mananciais, mas a questão climática e a neutralização de gases de efeito estufa, acabam atraindo a adesão de muitas empresas.

Então, hoje, parte do recurso do projeto vem das empresas que pagam para compensar a emissão de gases de efeito estufa?

Exatamente. O mesmo serviço prestado para neutralizar as emissões é o que vai proteger áreas de mananciais para a produção de água. E com o plantio de árvores, lógico, ao mesmo tempo você também está protegendo a biodiversidade que é um outro produto de um trabalho como esse.

Além disso, aqui em Extrema, esses recursos também estão sendo usados para a criação de unidades de conservação, tanto de parques naturais municipais, quando são terras públicas, quanto de RPPNs, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

Esses projetos foram pensados de forma a integrar as ações para se chegar a objetivos maiores?

Exatamente. Política pública é isso. Pensar nas possibilidades que você tem, nos desafios e em quem pode apoiar, que tem interesse em trabalhar com esses serviços ambientais produzidos pela natureza.

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