*Amanda Lima e Arthur Gomes

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, o pacto federativo exige mais do que o mero reconhecimento da autonomia dos entes federados: impõe a necessidade de coordenação e coerência.
O caso dos pesticidas é exemplo emblemático. Estados como o Rio Grande do Sul, antes de uma recente atualização legislativa, impunham restrições próprias à comercialização de defensivos agrícolas, exigindo que produtos importados tivessem uso autorizado no país de origem — ainda que tal exigência não existisse em nível federal.
A controvérsia foi levada ao Supremo Tribunal Federal e decidida após voto minucioso do ministro Dias Toffoli. Ao sustentar a constitucionalidade da Lei Estadual nº 15.671/21 — que eliminou a exigência adicional e alinhou o estado à legislação federal —, Toffoli reafirmou um princípio fundamental : quando a União regula matéria de forma ampla, a atuação estadual deve ser complementar, não contraditória.
Ao criar leis desconexas da regulamentação federal, o governo do Estado, à época, invadia a competência da União em matéria de comércio exterior e interesse nacional, com risco a segurança jurídica que protege a circulação de bens no mercado interno e internacional.

Mais que uma formalidade jurídica, essa coerência é vital. Exigir registro no país de origem ignora uma realidade elementar da agricultura moderna: pragas e doenças variam de uma região para outra.
Enquanto os produtores gaúchos enfrentam desafios fitossanitários típicos das culturas tropicais, como a ferrugem asiática da soja e a lagarta-do-cartucho no milho, a Europa lida com pragas e doenças de culturas temperadas, como a podridão da beterraba e o míldio da videira.
Como esperar que um produto essencial ao agricultor brasileiro tenha registro em países que sequer enfrentam os mesmos problemas fitossanitários?
A imposição de registro no país de origem contrariava princípios constitucionais fundamentais ao criar exigência sem adequação técnica às realidades fitossanitárias brasileiras. Mais que isso: criava uma barreira artificial de acesso às novas tecnologias.
Que a decisão do STF repercuta para a consolidação de uma federação tecnicamente orientada e socialmente responsável, em que a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento do agronegócio caminhem lado a lado, sem prejuízo da segurança jurídica e da confiança pública nas instituições democráticas.
Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio
* Gerente Jurídico e de Compliance e Diretor de Defensivos Químicos da CropLife Brasil