Agricultura
Regenerativa

Agricultura regenerativa,
uma solução frente às mudanças climáticas

Conheça o sistema que vem guiando as práticas de sustentabilidade agrícola na direção de sistemas alimentares mais resilientes

Mudanças climáticas, perdas de biodiversidade e degradação de terras agrícolas têm atingido o Brasil e o mundo. Como consequência, a humanidade está enfrentando enormes desafios que impactam diretamente a produção de alimentos e fibras. É consenso científico de que, sem proteção e regeneração do solo em áreas de cultivo, pastagens e de florestas, será impossível alimentar o mundo, manter o aquecimento global no limite de 1,5oC ou interromper as perdas de biodiversidade.

Neste contexto, as práticas empregadas na produção agropecuária precisam ser avaliadas no detalhe. Qualquer manejo que ameace a resiliência ou fertilidade do solo deve ser evitado e substituído por práticas conservacionistas e que promovam restauração dos ecossistemas. É por esse motivo que a agricultura regenerativa tem ocupado grande espaço nas discussões sobre desenvolvimento sustentável.

Afinal, a agricultura regenerativa é um sistema de práticas agrícolas que prioriza a regeneração e revitalização dos recursos naturais, como o solo, a água e a biodiversidade, ao mesmo tempo em que produz alimentos e fibras de forma sustentável. No lugar de apenas manter ou mitigar danos, como pode ocorrer quando a agricultura é praticada sem atenção à natureza, a agricultura regenerativa busca melhorar ativamente a saúde do sistema agrícola ao longo do tempo.

Desta forma, os especialistas afirmam que, ao priorizar a saúde do solo e os ecossistemas, a agricultura regenerativa tem o potencial de aumentar a produtividade a longo prazo, otimizar o uso de insumos, mitigar os impactos das mudanças climáticas e promover a sustentabilidade e a segurança alimentar.

A agricultura regenerativa é um sistema onde a produção agrícola acontece ao mesmo tempo que propicia condições para a recuperação da natureza. O sistema é descrito como um processo que melhora a saúde do solo e restaura o ambiente degradado, o que acaba contribuindo para a produtividade.

O modelo de produção adota princípios agrícolas que reabilitam os ecossistemas e preservam os recursos naturais, no lugar de esgotá-los. Na agricultura regenerativa, a saúde do solo é um parâmetro essencial que, simultaneamente, melhora a qualidade da água, da vegetação e da produtividade da terra.

Embora o tema tenha recebido grande visibilidade nos últimos anos, o termo “agricultura regenerativa” foi criado na década de 80 por Robert Rodale (fundador do Instituto Rodale), com o objetivo de melhorar a qualidade dos solos utilizando técnicas orgânicas. Para Rodale, a agricultura regenerativa melhora os recursos ao invés de destruí-los ou esgotá-los, incentivando a inovação contínua na lavoura, com foco no bem-estar ambiental, social e econômico.

PILARES DA AGRICULTURA REGENERATIVA

A agricultura regenerativa está estruturada sobre pilares conservacionistas que têm o potencial de acumular carbono orgânico no solo, aumentando a capacidade de retenção de água e nutrientes. Desta forma, contribui para o sequestro de carbono atmosférico e aumento de produtividade.

COMO FUNCIONA A AGRICULTURA REGENERATIVA

A agricultura regenerativa é identificada como uma abordagem holística à agricultura que objetiva restaurar e melhorar a saúde ecológica, a biodiversidade e a fertilidade do solo, ao mesmo tempo em que produz alimentos.

A abordagem inclui práticas como o plantio direto e/ou mínimo revolvimento da terra, preservando as estruturas e nutrientes do solo; o uso de cobertura vegetal com foco no aumento de fertilidade; a rotação de culturas para reduzir a erosão e melhorar a saúde do solo,; a integração de animais para diversificar e enriquecer os sistemas agrícolas (integração lavoura-pecuária), e o uso de práticas agroflorestais (integração lavoura-pecuária-floresta) para promover a biodiversidade e a resiliência do ecossistema.

As práticas adotadas na agricultura regenerativa são também empregadas nos diferentes modos de produção agrícola, incluindo a agricultura convencional. A diferença central está na visão do trabalho agrícola. Na agricultura regenerativa, as fazendas são posicionadas como relacionais, caracterizadas pela coevolução entre os humanos e outras biotas da paisagem; onde o potencial inato dos sistemas vivos é percebido como proveniente do local; onde se mantém uma abertura ao pensamento e às práticas alternativas.

Em suma, a coexistência entre produção agropecuária e natureza é mais evidenciada em todas as etapas produtivas.

As práticas de agricultura regenerativa são diversas e podem variar dependendo do contexto de cada local, das necessidades das áreas produtivas, dos objetivos de sustentabilidade dos agricultores e das condições ambientais. Inclusive, é importante dizer que muitas dessas práticas já são adotadas pela agricultura convencional.

De um modo geral, as práticas visam conciliar a produção sustentável de alimentos com a restauração do equilíbrio natural do solo e o aumento da biodiversidade. Com esse objetivo, as práticas adotadas na agricultura regenerativa contemplam:

Plantio Direto

Prática que objetiva reduzir ou eliminar o revolvimento do solo, auxiliando na preservação de sua estrutura, vida microbiana e retenção de água.

Cobertura Vegetal (Palhada)

O plantio de culturas de cobertura como leguminosas, gramíneas e outras plantas entre as safras principais ajuda a proteger o solo da erosão, aumentar a matéria orgânica e fornecer habitat para organismos do solo.

Rotação de Culturas

A alternância de diferentes culturas na mesma área ao longo do tempo auxilia a diversificar a microbiota do solo, a reduzir a pressão de pragas e doenças e a melhorar a saúde do solo.

Recuperação e fortalecimento da saúde e fertilidade do solo

Diversas práticas agrícolas são utilizadas na recuperação e manutenção da fertilidade dos solos, incluindo avaliação do estoque de nutrientes; relação entre cálcio e sistema radicular; ação do calcário e do gesso e sua relação com a produtividade; quantidade de nutrientes extraída pela cultura e uso da palha como fertilizante.

Sistemas
agroecológicos

A agricultura regenerativa requer que a utilização dos insumos como fertilizantes e defensivos agrícolas seja feita seguindo a recomendação técnica estabelecida com base nos critérios específicos da propriedade, como análise de solo, e o manejo integrado de pragas (MIP) para o uso de defensivos. Além disso, a integração entre a pecuária e as operações de cultivo pode minimizar a utilização de insumos, uma vez que os dejetos do gado ajudam a manter os níveis de nutrientes no solo como nitrogênio, fósforo e potássio; contribuindo para melhorar sua fisiologia e aumentar a produtividade das culturas.

Otimização no uso de insumos

Contempla o uso de táticas de controle, isoladamente ou associadas a uma estratégia baseada em análises de custo/benefício, que levam em conta o interesse e/ou o impacto sobre os produtores, sociedade e o ambiente.

Manejo integrado de pragas (MIT)

O uso de produtos biológicos contribui com a regeneração do sistema agrícola, ao mesmo tempo em que favorece o aumento da produtividade.

Bioinsumos

Representam sistemas que procuram simular ao máximo os ecossistemas naturais. Para isso, estruturam metodologias para a compreensão do funcionamento dos agroecossistemas.

Os destaques na Convenção das Nações Unidas sobre o Clima (COP28) e Biodiversidade (COP15) revelam atenção crescente em relação ao sistema alimentar mundial. Afinal, a produção de alimentos é responsável por quase um terço das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Há também um evidente reconhecimento de que os sistemas alimentares mundiais enfrentam um momento de grande pressão e fragilidade. Em março de 2022, os preços mundiais dos alimentos atingiram um recorde histórico decorrente do aumento de 86% no preço dos combustíveis e de 35% no preço dos fertilizantes em relação aos anos anteriores. Por fim, em função das questões climáticas, em 2024, no Brasil o preço da cesta básica aumentou em 16 das 17 capitais brasileiras analisadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Portanto, qualquer ação coletiva para enfrentar ambas as crises, a do clima e a da biodiversidade, deve necessariamente abordar a fragilidade do sistema alimentar e suas pressões atuais.

Transformar áreas ricas em biodiversidade em agricultura de monocultura intensificada leva à degradação e a erosão do solo, ameaçando os suprimentos mundiais de alimentos. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a crescente perda de biodiversidade coloca em risco a segurança alimentar e nutricional. Na prática, existe consenso de que devam ser adotadas medidas que reduzam impactos ambientais, fortaleçam a fertilidade do solo, permitam otimizar a aplicação de insumos, aprimorem a fertilidade do solo, reduzam emissões e melhorem a eficiência hídrica, visando alcançar uma agricultura mais resiliente e com maior capacidade adaptativa.

No entanto, é preciso ressaltar que os indicadores de agricultura regenerativa dependem dos desafios e realidades de cada país. Por isso, é tão importante que as discussões sobre agropecuária e ações climáticas no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) evoluam e reconheçam as particularidades de cada região.

Neste contexto, a expansão das práticas de agricultura regenerativa é uma estratégia essencial para o enfrentamento das mudanças climáticas e promoção da segurança alimentar global.

Sequestro de Carbono

A agricultura regenerativa sequestra significativamente mais carbono do que a agricultura convencional e pode ajudar a restaurar terras degradadas. Com a agrofloresta, podemos transformar terras degradadas em sumidouros de carbono para o cultivo de alimentos.

Alimentos Nutritivos

Ao valorizar a saúde do solo, a agricultura regenerativa promove o aumento da matéria orgânica, a biodiversidade microbiana e a estrutura do solo, resultando em solos mais férteis e resilientes, base sólida para a produção de alimentos.

Redução da erosão e conservação da água

A cobertura vegetal e a conservação do solo ajudam a reduzir a erosão, conservando a água e protegendo os recursos hídricos locais.

Redução de Resíduos

Com a otimização do uso de insumos e integração de sistemas, há uma redução nos níveis de resíduos nos produtos agrícolas e meio ambiente.

Maior Biodiversidade

Ao integrar árvores, arbustos e culturas agrícolas em sistemas agroflorestais e ao criar habitats naturais para animais selvagens, a agricultura regenerativa promove a biodiversidade e ajuda a proteger espécies ameaçadas. Além de promover a produção de alimentos, previne a erosão, regula os ciclos da água, sequestra carbono e controla pragas e ervas daninhas. Ao mesmo tempo, cultivar em coexistência com a natureza possibilita que o ambiente agrícola exista em harmonia com uma vasta gama de animais e insetos, o que é para a produção de alimentos. 75% dos cultivos agrícolas dependem ou são beneficiados pela polinização realizada pelas abelhas e outros animais.

Sistemas Alimentares mais Resilientes

Sistemas agrícolas regenerativos têm o potencial de serem mais resilientes a eventos climáticos extremos e flutuações de mercado, ajudando os agricultores na manutenção da estabilidade econômica a longo prazo. Os sistemas agrícolas que se concentram em um fluxo de renda, são financeiramente vulneráveis. Já a diversidade de sistemas regenerativos cria vários fluxos de renda e aumenta a resiliência econômica.

Rentabilidade de longo prazo

Práticas como a cobertura vegetal, a rotação de culturas e o plantio de árvores ajudam a capturar carbono da atmosfera, auxiliando na mitigação às mudanças climáticas. Além disso, solos saudáveis têm maior capacidade de reter água, tornando as culturas mais resilientes à seca e às inundações. A diversidade de plantas cria biomassa ao longo do ano, fertilizando o solo e aumentando a produtividade das culturas, ao mesmo tempo que fornece forragem para o gado. Além disso, o plantio de árvores em uma fazenda protege as plantações do vento e da luz solar.

O Brasil é um grande produtor agrícola mundial e que já emprega diversas das práticas da agricultura regenerativa. Apenas para citar uma delas, o plantio direto completou 50 anos com adoção em mais de 40% das propriedades rurais nacionais.

Ainda que se tenha muito a crescer, a adoção de tecnologias aplicadas à agropecuária de baixo carbono está em curso no país. Em grande parte, pelo desenvolvimento de políticas públicas com o objetivo de promover uma agropecuária sustentável brasileira, do qual se destacam o Plano ABC, seu substituto a partir do ano de 2022, Plano ABC+ e RENOVAGRO a partir do Plano Safra 2023.

A representatividade do Brasil na produção agropecuária mundial e o compromisso de redução das emissões de GEE, como signatário do Acordo de Paris, reforçou o debate a respeito da agricultura regenerativa. Nele, prevalece o entendimento de que a intensificação do uso de tecnologias e práticas regenerativas, aliada à maior eficiência de uso da terra, viabilizam a produção de alimentos para uma população em crescimento, sem a necessidade de expandir fronteiras agrícolas.

A Agenda 2030 estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), bem como o Acordo de Paris de 2015, destacam que é preciso promover uma produção agrícola mais sustentável, com redução das emissões, aumento de estoque de carbono no solo, enquanto a perda de biodiversidade, a desertificação e a degradação da terra precisam cessar.

Alinhada a essas demandas, a agricultura regenerativa representa uma solução bastante adequada. Produzindo mais alimentos, sequestrando mais CO2, aumentando a biodiversidade e regenerando terras. Ao mesmo tempo que aumenta a renda dos produtores rurais, melhora suas condições locais e cria uma paisagem mais resiliente para uma produção estável. Desta forma, a agricultura regenerativa pode contribuir para o alcance de 9 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

No entanto, ainda que muitas das práticas regenerativas sejam adotadas na agropecuária tropical brasileira, as transições regenerativas geralmente levam anos antes que os benefícios cheguem aos produtores. Portanto, há necessidade de instrumentos de financiamento, como créditos, seguros ou pagamentos por serviços ecossistêmicos.

Ao mesmo tempo, enquanto os investimentos em pesquisa e desenvolvimento agrícola foram decisivos para o aumento da produtividade durante a Revolução Verde. Agora, para enfrentar os desafios da agenda climática, são necessários investimentos em novas tecnologias que conectem cada vez mais os sistemas produtivos à natureza. Tais tecnologias incluem ferramentas centradas na produção (como agricultura de precisão), que melhoram os elos da cadeia de valor e a rastreabilidade e transparência da cadeia de suprimentos (como big data, internet das coisas e blockchain).

Desta forma, a agricultura regenerativa poderá ganhar a escala que precisa e se posicionar como solução, sem deixar ninguém para trás.

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