Desmistificando a cana transgênica
A cana transgênica desenvolvida no Brasil recebeu um gene da bactéria Bacillus thuringiensis, por isso também é chamada de Cana Bt. Esse microrganismo encontrado no solo produz proteínas inseticidas, específicas para alguns insetos. Entretanto, não têm qualquer efeito sobre outros organismos e sobre o homem.
Pioneirismo do Brasil na pesquisa com a cana-de-açúcar
O cultivo da cana-de-açúcar começou há mais de 500 anos no Brasil. Trazida pelos portugueses, o plantio da cana começou no litoral brasileiro, principalmente pelo tipo de solo que é encontrado nessa região.
Desde o século XVI a cana-de-açúcar é uma importante cultura para a economia do Brasil. A produção de açúcar feita por aqui era quase toda exportada para a Europa, sendo privilégio das classes mais altas do continente. Fato que transformou o Brasil no maior exportador, na época.
Na década de 1920, por exemplo, instituições como Copersucar, o Instituto Agronômico (IAC), de Campinas e o IAA-Planalçucar foram responsáveis por grandes avanços da cultura. Devido à grande infestação do mosaico (doença causado por vírus) nos canaviais brasileiros, a busca por novas variedades de cana mais produtivas e mais resistentes às pragas e doenças foi intensificada, e teve início também o controle biológico de pragas.
O cultivo da cana também foi estimulado pelo Proálcool e a fundação da Embrapa na década de 1970. Desde que foi introduzida por aqui até hoje, observamos substanciais ganhos de produtividade e o acúmulo de mais açúcar na planta.
Brasil, maior produtor de cana
O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do planeta. O estado de São Paulo produz 51% de todo o montante, seguidos por Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. A estimativa da safra 2021/22 de cana-de-açúcar no Brasil indica produção de 568,4 milhões de toneladas do vegetal.
Com esse volume de cana deve ser produzido 33,9 milhões de toneladas de açúcar, situando o Brasil no patamar de maior produtor de açúcar do mundo por três anos seguidos. Em relação ao etanol, a estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), mostra que o Brasil deve produzir 24,8 bilhões de litros, redução de 16,6% com relação à safra anterior.
Pela importância da cultura, o país sempre foi referência em pesquisa. Os centros de pesquisa nacionais há muito tempo fazem melhoramento genético na cana-de-açúcar e têm lançado mão da biotecnologia moderna para o desenvolvimento de variedades transgênicas.
Desafios da produção de cana-de-açúcar
De maneira geral, a cana-de-açúcar cultivada pela maioria dos agricultores é um cruzamento de duas espécies. Saccharum officinarum, que produz grandes plantas com alto teor de açúcar, e Saccharum spontaneum, cujo menor tamanho e doçura são compensados pelo aumento da resistência a doenças e tolerância ao estresse ambiental.
E mesmo com esse cruzamento, não existe muita variabilidade genética nos plantios comerciais brasileiros. Por isso, o melhoramento genético e o uso da biotecnologia criam variabilidade para que o cultivo da cana se torne cada vez mais sustentável.
De fato, a pesquisa sobre a genética da cana iniciou há muitos anos. Ela acontece em diferentes instituições públicas e privadas que contam com seus bancos de germoplasma. Essas instituições buscam desenvolver cultivares que combinem diferentes características – como diferentes tipos de resistência, maior produção de açúcar, tolerância a estresse abiótico – para contribuir de forma positiva para o setor sucroenergético.
Normalmente, uma nova cultivar de cana-de-açúcar leva de 10 a 15 anos para ser lançada, contabilizando desde os primeiros cruzamentos. E durante esse tempo são feitas muitas avaliações de genótipos com diferentes características. Uma das principais características procuradas é a resistência ou tolerância às pragas e doenças.
Essa busca, com o advento dos transgênicos, principalmente das culturas Bt, abriram uma oportunidade para o desenvolvimento de uma cana resistente a principal praga da cultura. Além disso, a biotecnologia também abre outros caminhos para o desenvolvimento de plantas que atendam às expectativas do setor canavieiro.
Em 2018, o genoma da cana foi sequenciado, um esforço conjunto de mais de 100 cientistas de 16 instituições de vários países do mundo. A obtenção de um genoma sequenciado viabiliza a utilização de técnicas da biotecnologia moderna para produção de novas variedades. Um exemplo disso é a edição de genomas por meio da técnica CRISPR, que permite modificar geneticamente a cultura, agregando características agronômicas desejáveis.
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Sequenciamento do genoma e a importância das informações genéticas
Além disso, o estudo de genes permite uma visão aprofundada sobre o melhoramento genético desta cultura. É possível fazer mudanças genéticas na cana, podendo até aumentar a produção de açúcar. Ainda, podemos identificar genes de tolerância a estresses, como a seca, e desenvolver plantas que sejam mais tolerantes a essas mudanças.
A principal praga da cana
Um dos grandes desafios da cultura da cana-de-açúcar é um inseto, conhecido como broca-da-cana. Os danos causados por esse inseto, entretanto, não estão restritos ao campo. As perdas se estendem também à indústria e afetam a qualidade do produto final.
A broca-da-cana (Diatraea saccharalis) é uma espécie de mariposa da ordem lepidóptera, considerada a principal ameaça às plantações de cana-de-açúcar no Brasil. Especialistas avaliam que as perdas causadas pela broca chegam a até R$5 bilhões por ano. Além disso, os índices de danos têm aumentado nas últimas safras. Ela impacta a qualidade do açúcar e pode causar aumento dos gastos com inseticidas.
As galerias abertas pela broca no colmo da cana são a porta de entrada para que microrganismos, como fungos e bactérias, contaminem a planta e, consequentemente, comprometam o açúcar produzido a partir dela.
Por isso, nos últimos anos os principais esforços dos pesquisadores desenvolveram variedades para driblar esse desafio. O desenvolvimento da cana transgênica tem contribuído para disponibilizar variedades de cana-de-açúcar cada vez mais adaptadas à produção agrícola sustentável.
A cana transgênica
A aprovação da cana transgênica brasileira ocorreu em 2017, mas a utilização do gene Bt na agricultura acontece há mais de 20 anos. O DNA desse mesmo microrganismo já protege variedades de soja, milho, algodão, canola e berinjela do ataque de insetos no Brasil e no mundo. Muito antes disso, a própria bactéria já era usada em formulações de bioinseticidas pulverizadas em diversas lavouras. Aliás, até os cultivos orgânicos utilizam fórmulas com Bt.
A proteína Bt tem longo histórico de segurança alimentar, entretanto, ela não faz parte do açúcar ou do etanol. Esses produtos são substâncias puras e não contém a proteína na sua composição. O gene Bt e as proteínas expressas por ele, inseridas na cana, são completamente eliminados nos produtos derivados da cana. Diversos estudos comprovam que o açúcar e o etanol obtidos por meio da cana Bt são idênticos aos que derivam da cana convencional.
Adicionalmente, não há efeitos negativos no meio ambiente: alteração na composição do solo e na biodegradabilidade ou impactos sobre insetos que não sejam pragas. Isto é, a variedade transgênica pode ser utilizada exatamente para os mesmos fins que a cana convencional.
Segundo o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA) na safra de 2019 foram cultivados 18 mil hectares de cana-de-açúcar geneticamente modificada. A estimativa atual é de que a área de cultivo tenha dobrado.
De acordo com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em entrevista concedida a Reuters, a cana transgênica está presente em 37 mil hectares do país, que representam 5% da área produzida do Centro-Sul em 2020/21.
Proporciona menor custo de produção
A cana-de-açúcar transgênica também diminui o custo de produção da cultura. A maior adoção da cana transgênica pelos canaviais do Brasil consegue reduzir os custos de operação, melhorando também os custos totais de produção.
Segundo estimativa divulgada pela Embrapa, a broca-da-cana (Diatraea saccharalis) causa prejuízos de R$ 5 bilhões a cada safra e está presente em 100% das áreas de cultivo no Brasil. Além disso, as ervas daninhas também são um problema e podem causar prejuízos de até 85% na cultura.
Quando levamos em conta a diminuição do número de aplicações de inseticidas e a maior facilidade no controle de plantas daninhas, já é possível antecipar os benefícios da cana-de-açúcar transgênica.
Outra inovação em desenvolvimento é uma tecnologia de resistência ao bicudo-da-cana (Sphenophorus levis), para a qual não existem defensivos químicos e biológicos para seu controle. A nova praga tem apresentado aumento de incidência e dispersão, causando prejuízos estimados em R$ 2 bilhões anualmente.
A nova tecnologia é uma cana transgênica em que foram introduzidos genes de resistência a insetos da ordem coleóptera (uma ordem diferente ao da broca-da-cana, lepidóptera). Os genes utilizados na cana são baseados na tecnologia já presente em milhos transgênicos, com resistência aos insetos dessa ordem.
Os novos eventos transgênicos já estão em testes em ambiente controlado (casas de vegetação) como determinam as normas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Assim que forem confirmadas a eficiência e segurança, passando pela avaliação e liberação da CTNBio as plantas serão levadas para experimentos iniciais em campo, também para estudos de eficiência e segurança.
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Regulamentação de produtos da Biotecnologia
Cada vez mais cientistas voltam sua atenção para o desenvolvimento de plantas transgênicas que possam crescer em condições adversas. Características como resistência ao estresse hídrico (pouca disponibilidade de água) e a solos com alta salinidade poderiam permitir a agricultura desses organismos geneticamente modificados (OGM) em áreas em que atualmente essa atividade não é possível.
Pesquisa, tecnologia e sustentabilidade
O Brasil é destaque mundial no uso de energias renováveis, que representam mais de 44% da matriz energética do País. A cana-de-açúcar, cultivada principalmente em países tropicais, fornece alimentos e combustível. A cana-de-açúcar fornece 86% do açúcar mundial e é uma matéria-prima fundamental para o biocombustível, dada sua eficiência na conversão da luz solar em energia.
O setor sucroenergético possui papel chave nesta participação, uma vez que somente os produtos da cana-de-açúcar são responsáveis por 15,7% de toda a oferta de energia do país. Este valor já ultrapassa o fornecido pelas usinas hidroelétricas. O potencial da cana-de-açúcar e os novos usos de seus produtos não param de crescer.
O etanol, por exemplo, já é utilizado em automóveis, motocicletas flex, pequenos aviões e ônibus urbanos. Diversos estudos mostram que, quando comparado com a gasolina, o etanol brasileiro reduz as emissões dos chamados gases de efeito estufa (GEE) em cerca de 90%.
É um dos biocombustíveis mais difundidos, com uma produção global estimada de 98,7 bilhões de litros em 2020. Atrás dos EUA com uma produção de 53,5% do etanol global, o Brasil é o segundo maior produtor mundial (30,43%) de etanol. Assim, o Brasil desempenha um papel importante no suprimento global das necessidades presentes e futuras de etanol.
Apesar de ser possível encontrar diferentes análises sobre o tema, todas as regulamentações internacionais que calcularam a redução de emissões de GEE obtida pela produção e uso dos biocombustíveis reconhecem o desempenho superior do etanol de cana-de-açúcar em relação a outras matérias-primas utilizadas, como o milho, o trigo ou a beterraba.
A biomassa da produção de cana também pode gerar eletricidade. A bioeletricidade, por exemplo, é a 4ª fonte mais importante da matriz elétrica brasileira. Gerada a partir da cana-de-açúcar, a bioeletricidade complementa a produção da energia gerada pelas hidrelétricas e pode ter uma maior geração durante a época de poucas chuvas, aumentando a segurança energética do país.
Principais fontes:
Cabral O. M. R. et al., The sustainability of a sugarcane plantation in Brazil assessed by the eddy covariance fluxes of greenhouse gases. Agricultural and Forest Meteorology, 2020.
Voora V. et al., Global Market Report: Sugar. Sustainable commodities marketplace series 2019. Disponível em: https://www.iisd.org/ssi/commodities/sugar-coverage/. Acesso em: 18 de setembro de 2020.