Renato Gomides*

Quase seis meses após reassumir a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump intensificou a agenda protecionista, elevando tarifas e promovendo anúncios seguidos de suspensões em curtos intervalos. Essa condução imprevisível mantém o agronegócio brasileiro — responsável por mais de 25% do PIB e por exportações de US$ 164 bilhões em 2024 — em um cenário de incerteza que compromete o planejamento do setor.
Nos 100 dias iniciais do novo mandato, Trump editou um volume de atos comerciais — equivalentes a “medidas provisórias” no Brasil — seis vezes superior ao dos três presidentes que o antecederam
Para além da quantidade, o conteúdo dessas ações revela uma política comercial agressiva. A guerra comercial iniciada em 2018, no primeiro mandato de Trump, resultou em uma expressiva desaceleração no comércio e no crescimento global em 2019.
De acordo com dados da consultoria Tendências, o crescimento anual médio de comércio reduziu de 4,0% para 1,2%, no período 2011-2018 versus 2019. Para o ano de 2025 e, possivelmente, 2026, projeta-se uma dinâmica similar, com retração do comércio internacional e desaceleração econômica . A estimativa aponta queda no crescimento do comércio de 3,5% para 1,7%, considerando o período de 2022-2024 versus a estimativa para 2025.
Apesar dos recentes sinais de distensão, como o anúncio de uma rodada de negociações com a China e a suspensão temporária de tarifas recíprocas por 90 dias, o ambiente econômico segue instável. A expectativa de tarifas mais elevadas em 2025, comparadas a 2024 e anos anteriores, reforça o cenário de incerteza.
Essa conjuntura representa, para o agronegócio brasileiro, oportunidades — como o acesso a novos mercados em função da reorganização das cadeias produtivas globais — e riscos relevantes, especialmente àqueles ligados à desaceleração do comércio e aos impactos sobre a economia chinesa.
Em 2024, o agronegócio brasileiro exportou aproximadamente US$ 164,4 bilhões, com destaque para três grandes mercados: China, União Europeia e Estados Unidos. A China foi o principal destino, absorvendo 30,2% das exportações, com forte demanda por soja, carnes e celulose. A União Europeia respondeu por 14,2%, com destaque para café, frutas, suco de laranja e produtos florestais, especialmente em países como Alemanha, Países Baixos e Itália. Já os Estados Unidos representaram 7,4% do total exportado, com ênfase em madeira, suco de laranja, carne de frango e café verde. Esses três mercados juntos foram responsáveis por mais da metade das exportações do setor.
A imposição de novas tarifas pelos EUA tende a reconfigurar os fluxos comerciais, com a busca por diversificar fornecedores dos países afetados. Nesse contexto, o Brasil pode ser beneficiado pela sólida base agroexportadora e capacidade de resposta rápida às mudanças do mercado internacional.
Entretanto, o ambiente de instabilidade pode aumentar a volatilidade nos preços internacionais, especialmente em commodities como soja, milho e trigo. Essa oscilação dificulta a previsibilidade de receitas e compromete o planejamento financeiro dos produtores rurais. As oscilações cambiais trazem um risco em relação aos custos de insumos importados. Esse cenário exige que os produtores busquem alternativas para mitigar riscos e manter a sustentabilidade financeira das operações.
No mercado norte-americano, a elevação das tarifas sobre produtos brasileiros pode comprometer a competitividade do país com impactos diretos sobre a rentabilidade dos produtores. Tal efeito, no entanto, deverá ser sentido também por outros países exportadores.
Ainda assim, a competitividade do agronegócio brasileiro tende a se manter, impulsionada por ganhos de produtividade decorrentes da intensiva adoção de tecnologias. Entre 2006 e 2023, a produtividade média da soja saltou de 40 para 60 sacas por hectare, com um crescimento anual de cerca de 2,5%.
Esses avanços são resultado de ações como o melhoramento genético, que permite o desenvolvimento de cultivares mais produtivas e resistentes; a eficiência no uso de insumos agrícolas, com tecnologias que reduzem desperdícios; a mecanização do campo, que aumenta a escala e a precisão das operações; e a adoção de boas práticas agrícolas, que promovem sustentabilidade e qualidade. Além disso, ferramentas como drones, sensores e inteligência artificial têm acelerado a coleta e análise de dados, otimizando decisões e fortalecendo a competitividade do setor.
Nesse cenário, produtos como café verde e suco de laranja — cujos principais destinos incluem os Estados Unidos — poderão enfrentar desafios iniciais de realocação, mas também terão oportunidades de penetração em novos mercados.
Apesar dessas vantagens comparativas, os riscos permanecem. A instabilidade nos preços internacionais, a possível redução da demanda global e o aumento da oferta global podem impactar negativamente a saúde financeira dos produtores rurais brasileiros.
Diante desse cenário, é fundamental que o Brasil adote uma abordagem proativa, pautada na diversificação de mercados, na ampliação de parcerias comerciais estratégicas e no fortalecimento de políticas públicas voltadas à inovação, sustentabilidade e gestão de riscos. Assim, será possível mitigar os impactos das tensões comerciais, transformar os desafios em ganhos estruturais de médio e longo prazo e assegurar o crescimento sustentável do setor agropecuário.
*Gerente Executivo na CropLife Brasil