Quantos pesticidas, efetivamente, vão para as lavouras?
A avaliação e registro de defensivos reúne bem mais etapas técnicas do que você pensa. Saiba quantos pesticidas efetivamente chegam às lavouras brasileiras.
Recentemente o Projeto de Lei 6299 que revoga a legislação dos agrotóxicos, de 1989, foi aprovado na Câmara dos Deputados e será conduzido para o Senado. O tema repercutiu nas redes e na imprensa, semeando mais dúvidas do que esclarecimentos. Por isso, achamos importante trazer o assunto para cá e abrirmos uma conversa mais clara.
Aqui vamos te explicar por que o número crescente de registros de agrotóxicos não se reflete em maiores quantidades de defensivos no campo.
Pesticidas ou agrotóxicos? Você usa esses produtos na sua casa?
Uma das mudanças propostas pelo PL 6299 é a substituição do termo agrotóxico para pesticida. Essa mudança foi sugerida porque o Brasil é a única nação que chama essas substâncias de agrotóxicos.
Essa alteração de nomenclatura além de padronizar o termo com os dos demais países, objetiva deixar mais claro o significado da palavra. O projeto estabelece o uso do termo “pesticida”, do inglês pesticide, utilizado na grande maioria dos países. Por exemplo, nos demais países da América Latina são chamados de produtos fitossanitários e praguicidas; e nos Estados Unidos e Espanha de pesticidas.
Por mais que sejam regidos por outras leis de produção e controle, muitos produtos utilizados no campo compartilham o mesmo ingrediente ativo (molécula química) de que produtos “domissanitários”, como inseticidas, raticidas e desinfetantes, que se destinam a ambientes domiciliares, públicos e lugares de uso comum. É importante lembrar que esses produtos são avaliados e aprovados exclusivamente pela Anvisa.
Essa padronização também reforça a comunicação quanto à importância do cuidado com o manuseio e aplicação desses produtos. Tanto em casa, quanto no campo.
Os agrotóxicos são importantes, e podemos provar
O que são os pesticidas?
O termo pesticidas (ou agrotóxicos) funciona como um grande guarda-chuva, pois engloba diferentes tipos de produtos. Nem todos são químicos e nem todos são comercializados. Vamos explicar melhor:
Quando um número de aprovações de agrotóxicos é divulgado pela imprensa, o que está sendo mostrado é a somatória de produtos químicos e biológicos. Uma grande parte é destinada à indústria (matéria-prima para formulação de produtos) e o restante aos agricultores.
Por exemplo, no último relatório apresentado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), bastante divulgado pela imprensa, consta que em 2021 foram registrados 562 agrotóxicos no Brasil, o que não significa a totalidade de produtos que serão utilizados no campo.
Desse número, 191 (34%) correspondem à matéria-prima destinada à indústria e não chegam às lavouras brasileiras. A outra parte equivale a produtos comerciais de origem biológica (92 produtos – 16,4%) e química (279 produtos – 49,6%), onde deste último 267 correspondem a produtos que contém moléculas que já estavam em uso no Brasil e apenas 12 são químicos provenientes de novas moléculas.

Essas classificações ainda podem ser subdividas em:
- Matéria-prima destinada à indústria:
- Produtos Técnicos (PT): Ingrediente ativo já registrado destinado à formulação de produtos comerciais denominado Produto Formulado (PF) ou de pré-misturas;
- Produto Técnico Novo (PTN): Ingrediente ativo novo destinado à formulação de produtos comerciais novos (PFN), composto por molécula inovadora;
- Pesticidas químicos comercializados:
- Produtos formulados (PF): Desenvolvido a partir de ingredientes ativos (PT) e componentes que irão constituir a formulação que já haviam sido registrados anteriormente no Brasil Aqui também estão incluídos os produtos genéricos (produtos desenvolvidos a partir de ingredientes ativos que perderam patente);
- Produto formulado novo (PFN): obtidos a partir do produto técnico novo cuja formulação é inédita à base de molécula inovadora;
- Pesticidas biológicos comercializados:
- Produtos biológicos (PB): aqueles produtos desenvolvidos a partir de microrganismos, macro-organismos, semioquímicos ou bioquímicos de baixa toxicidade e que podem (ou não) serem utilizados pela agricultura orgânica.
Por isso, quando o número de agrotóxicos aprovados em um ano é apresentado, não podemos dizer que tal número representa o total de defensivos químicos que serão utilizados no campo pelo agricultor, pois os registros concedidos de produtos técnicos destinados à indústria e produtos biológicos também são somados aos produtos formulados (defensivos químicos que chegam ao produtor rural).
Com isso, ao discriminarmos corretamente o registro de pesticidas no Brasil, verificamos uma limitação quando falamos em aprovação de ingredientes ativos inéditos, ou seja, novas tecnologias de defesa vegetal na área química.
Os dados mostram que, entre o ano 2000 e 2021 foram aprovadas apenas 96 novas moléculas (PTN), com uma média de aprovação de 4,3 novas moléculas por ano.
Além disso, é importante dizer que quando uma molécula nova é aprovada no Brasil, muito provavelmente ela já está sendo utilizada nos principais mercados concorrentes, assim como a maioria das 32 moléculas que aguardam avaliação do governo brasileiro em 2022.
Quantos defensivos temos registrados no Brasil?
Segundo levantamento da CropLife Brasil, entre 2000 e 2021, houve o registro de 4638 pesticidas no Brasil. Desses, 54% podem ser destinados aos produtores rurais (44% químicos e 10% biológicos) e 46% são matérias-primas destinadas à indústria.

O setor de biodefensivos, teve em 2021, 91 novos produtos registrados para o controle de pragas e doenças. Em 2020, já se identificou o crescimento no número de registros desses produtos, quando tivemos o recorde de 95 biológicos com potencial de chegada ao mercado nacional. Esse número reflete o maior interesse por produtos cada vez mais sustentáveis no campo e a necessidade de integração de tecnologias para a superação dos desafios da agricultura.

Já no setor de defensivos químicos, foram registrados 279 novos produtos em 2021, mas não houve aprovação de um número expressivo de novas tecnologias.
Se observarmos no detalhe, veremos que: 267 são Produtos Formulados (PF), ou seja, produtos que utilizam ingredientes ativos que já haviam sido registrados ou mistura desses ativos, apresentando nesse registro novas formulações ou à base de Produtos Técnicos Equivalentes e que correspondem aos produtos “genéricos” ou chamados também de ‘pós-patente’, ou seja, produtos comerciais que possuem ingredientes ativos que já haviam sido registrados anteriormente no Brasil e perderam a patente.
Como mencionamos anteriormente, somente 12 são Produtos Formulados Novos (PFN), que são produtos que possuem ingredientes ativos inéditos na formulação.

As matérias-primas são aqueles destinados para a indústria. Levam esse nome porque são produtos químicos com alto grau de pureza e concentração de ingrediente ativo que serão posteriormente, utilizados como componentes na produção dos produtos formulados.
Em resumo, o volume total de defensivos aprovados não mostra a realidade que acontece no campo. Poucos produtos novos são ofertados aos produtores rurais brasileiros, quando comparados a países que possuem a agricultura como um setor importante da economia. Como consequência, o Brasil acaba recebendo novos produtos com atraso em relação aos seus concorrentes.
Tudo porque, a legislação dos defensivos está mais atrasada do que o avanço da ciência. Se considerarmos que, à medida que avançamos no conhecimento, mais produtos sustentáveis são desenvolvidos, estamos perdendo oportunidades de sermos cada vez mais eficientes. Por isso, a modernização da lei pode resultar na chegada de moléculas mais modernas e alternativas mais sustentáveis para a agricultura.
Principal fonte:
MAPA. Registros concedidos. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas/agrotoxicos/arquivos/copy_of_RegistrosConcedidos20052020.xlsx. Acesso em: 20/02/2022. CropLife Brasil.