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Biologia sintética deverá beneficiar cultivos, natureza e saúde

Entre os produtos já conhecidos provenientes da tecnologia estão a vacina contra Covid e a adaptação de uma planta à seca

A biologia sintética é uma das mais promissoras tecnologias que aponta para solucionar diversos e grandes problemas da vida humana, da alimentação à medicina, da agricultura à contenção do aquecimento global. Cientistas no Brasil e no mundo (Europa, Estados Unidos e Japão) compartilham seus estudos por meio de consórcios, integrando diferentes linhas de pesquisa, incluindo engenharia genética, inteligência artificial, física e química.

O instituto que se dedica ao tema no Brasil, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Biologia Sintética, já revela um resultados positivos na agricultura: o processo de mudar um gene de uma planta (através da biologia sintética) para que ela possa suportar um período de seca durante o seu desenvolvimento, sem ter maiores prejuízos.

Mas ainda existe um caminho a ser percorrido até que possamos ver vários produtos da biologia sintética no mercado. Afinal, esperamos poder projetar e construir sistemas biológicos com base em informações colhidas na natureza ou na manipulação de produtos químicos. E a partir daí, fabricar materiais, produzir energia, alimentos, cuidar do ambiente, driblar intempéries do clima e manter a saúde humana, promovendo inclusive a fabricação de medicamentos com valores mais acessíveis.

Conversamos com o pesquisador da Embrapa e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Biologia Sintética, Elibio Rech sobre o trabalho que ele desenvolve em conjunto com outros institutos de pesquisa e universidades, como a Fiocruz (que integra o INCT), Unicamp, USP e o Instituto Vale. Confira a entrevista e tenha uma noção mais realista do estágio em que essa tecnologia se encontra no Brasil.

O que é a biologia sintética?

A biologia sintética surge do avanço do conhecimento científico e tecnológico de todas as áreas. O termo parece novo para nós, mas não é tão novo assim. Foi cunhado por um cientista francês em 1912, num artigo científico (La Biologie Synthétique). Houve um momento em que se associou a biologia sintética à engenharia, ou seja, à possibilidade de se fazer com a biologia o que nós, fizemos com a eletrônica e com a engenharia: transformar a biologia em circuitos que funcionam com peças. Claro que nós gostaríamos de transformar a biologia num circuito eletrônico, mas não temos ainda essa capacidade.

Agora vamos dar um salto de 1912 para 1953. Quando Watson e Crick, uma dupla de cientistas ingleses, descobriram a dupla hélice, descobriram a estrutura do DNA. Alguns anos depois, em 1960, um cientista que ganhou o prêmio Nobel (Nobel de Medicina em 1978), o suíço Werner Arber, descobriu uma enzima que corta o DNA. Foi o primeiro passo para se fazer engenharia genética de fato. De 1960 para cá, houve muitos avanços que acompanhamos, como as plantas transgênicas, muitos medicamentos, a vacina que nós tomamos contra a Covid, que inclusive empregou biologia sintética. E todos esses produtos da biotecnologia, quase todos que envolvem o DNA recombinante, que é a engenharia dessa estrutura do DNA, chegaram agora, nos últimos dez, quinze anos.

Por isso, arriscando uma definição de biologia sintética, para mim, nós estamos tratando o estágio maduro, a maturidade da estrutura do DNA recombinante lá de 1960. Houve um avanço no mundo tremendo na área da física, da eletrônica, da computação, da biologia… e juntando todo esse avanço, nós podemos dizer que agora nós podemos sonhar com a biologia sintética. É uma evolução do avanço científico tecnológico, motivo pelo qual é tão importante o investimento em Ciência e Tecnologia.

 

O que vem sendo estudado e feito pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), hospedado na Embrapa?

Eu coordeno esse instituto, ligado ao governo e hospedado na Embrapa. Nós construímos genomas sintéticos, construímos a possibilidade de usar circuitos genéticos que podem ligar e desligar um gene. Digamos que temos uma planta que está no campo e, uma determinada estação do desenvolvimento dessa planta ocorre durante a seca. A biologia sintética nos possibilita ligar um gene para que essa planta possa ficar tolerante à seca. Ou ele liga automaticamente ou você pode ligar e desligar aquele gene. E isso pode ser feito com qualquer gene dentro do genoma de uma planta.

Nós estamos também minimizando um genoma. Por exemplo, nós temos bactérias que produzem grande parte dos nossos medicamentos. São bactérias não patogênicas. Estamos estudando diminuir o tamanho desse genoma, para que ele produza mais quantidade de uma mesma molécula. Um produto já conhecido e que está nas farmácias, comercial, há décadas, é o hormônio do crescimento humano. Ele é hoje produzido em uma bactéria. E tem um custo dos recombinantes mais baratos, mas ainda é elevado para quem usa continuamente. Nós estamos trabalhando e estudando a possibilidade de minimizar o genoma dessa bactéria para que ela produza mais hormônio do crescimento humano para eventualmente chegar mais barato ao consumidor.

 

E como seus resultados podem impactar na realidade brasileira?

Agora falando de uma forma mais ampla, nós no Brasil temos uma mega biodiversidade. A biologia sintética nos possibilita ir à biodiversidade, detectar exatamente o que nós queremos, trazer para o laboratório e produzir sinteticamente. Nesse cenário, não será necessário fazer extrativismo. Se essa planta ou organismo está na natureza, na biodiversidade, muitas vezes temos que devastar, coletar muitas plantas ou organismos para estudá-los e alcançar aquela característica que precisamos.

A biologia sintética vem na direção de conservação, uso e agregação de valor, porque a gente vai lá, estuda aquela característica, traz para o laboratório e a desenvolve sinteticamente. Ou seja, isso nos dá uma ampla noção da aplicação que a biologia sintética pode ter nas nossas vidas. Estamos falando em recuperação de áreas degradadas, retirar o plástico no oceano, nós podemos utilizar bactérias ou organismos específicos que vão ter a capacidade de destruir aqueles plásticos que são jogados nos mares ou nos rios. Enfim, há muitas aplicações com esse domínio tecnológico da biologia sintética.

 

Que exemplos de produtos da biologia sintética a gente já conhece?

O desenvolvimento de produto normalmente tem etapas muito sólidas e não necessariamente muito rápidas. Sobre produtos que estão já no mercado, nós podemos falar das vacinas de Covid, um exemplo de estrutura do RNA mensageiro, puramente sintética. Nós temos plantas que produzem ácido oleico, temos uma soja que produz um óleo com a qualidade de um azeite de oliva, graças à biologia sintética e à engenharia genética. Muitos produtos estão em fase de desenvolvimento e sendo avaliados quanto à segurança e à biossegurança. Enfatizo isso porque é muito importante que a população tenha uma noção clara de que a biologia sintética está incluída no hall de avaliações que seguem todas as legislações brasileiras, como a CTNBio aqui, e no mundo também, o FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos, o EFSA na Europa etc.

 

Combater a insegurança alimentar é uma das grandes expectativas para a biologia sintética. Como estamos nesse sentido?

Nós cientistas realmente sentimos uma tristeza de ver que até hoje no mundo com o domínio que nós temos da tecnologia ainda exista a fome. Essa contribuição para a redução da insegurança alimentar em vários países e também aqui poderá vir da introdução da tecnologia, não necessariamente só da biologia. A introdução da tecnologia é um gatilho, mas acredito que só a tecnologia não vai resolver esse grande problema. É uma equação complexa.

Se você introduz uma tecnologia de alta produtividade ou da produção de uma soja com alto valor agregado para o pequeno produtor, mas ele não tem água na região, hospital, escola, a tecnologia não vai resolver. Há todo um emaranhado dentro dessa equação. A tecnologia é um componente de alto peso no processo da insegurança alimentar, mas ela precisa vir atrelada ao conhecimento do ecossistema para aumentarmos a conservação da natureza, maquinário, acesso a crédito, à água. No meu entendimento, essa questão da segurança alimentar está muito mais associada aos componentes da equação do progresso. Diante de tudo isso, sem dúvida a tecnologia é fundamental.

 

Outra promessa da biologia sintética aponta para que as plantas possam fixar o nitrogênio atmosférico. Em que estágio estamos nesse sentido?

Nós sabemos que a fixação de nitrogênio é muito importante para reduzir custo de produção e dar uma melhoria nas plantas.  Sem dúvida, existem algumas empresas trabalhando nessa área. Hoje, estuda-se o desenvolvimento de bactérias e fungos que você encontra no solo de determinados biomas. Nós mesmos, do INCT estamos trabalhando com biomas brasileiros para a descoberta de novas enzimas que poderão ser utilizadas juntamente com o plantio e ajudar a fixação de nitrogênio nas raízes das plantas. São projetos ligados ao metagenoma, projetos que vão desde a descoberta genética até a obtenção de microrganismos, onde faremos a engenharia deles para que possamos fixar nitrogênio de uma forma mais eficiente.

 

No que mais em termos de sustentabilidade no agronegócio essa nova tecnologia irá colaborar?  

Quando nós falamos em agronegócio, é preciso que ele esteja atrelado à sustentabilidade ambiental. Ou seja, tem que haver uma sinergia entre a produção de alimentos e a biodiversidade. Então a tecnologia vem exatamente ao encontro dessa possibilidade, de ter plantas mais produtivas que não necessariamente precisarão de expansão nos ecossistemas e de biomas naturais. Essa sinergia e balanço nós já temos, a lei do Código Florestal prevê, e o nosso agronegócio caminha nessa direção, da sustentabilidade. Nesse cenário, a introdução de tecnologia já prevê que toda fazenda tenha certa porcentagem de floresta nativa ou natural.  O agronegócio já está nesse caminho, já vai nessa direção da sustentabilidade, e nesse cenário, a introdução de tecnologia nos sistemas de produção agrícola é fundamental, pois assim você pode aumentar a produtividade das lavouras sem necessariamente aumentar a área do que você cultiva.

 

No que a biologia sintética pode contribuir e se diferenciar de outras ferramentas de inovação que já usamos?

Ela nos possibilita expandir o que nós temos feito até hoje. Ela não bloqueia uma determinada ação e tecnologia que estamos utilizando, mas ela é uma sinergia, um estágio de maturidade. Nos dá maior número de ferramentas para avançar nessa questão de sustentabilidade. É uma ferramenta a mais, eu diria. Por exemplo, nós estamos introduzindo a inteligência artificial junto da biologia sintética para expandir ainda mais as ferramentas. Além de dar a possibilidade de acelerar todos esses processos, de entender o avanço tecnológico e internalizar isso do ponto de vista aplicado. Já é um cenário viável que nós estamos estudando e com alguns resultados muito interessantes.

 

Em quanto tempo o mundo e o Brasil estarão usufruindo de todos os benefícios da biologia sintética?

É uma questão que tem uma dinâmica própria. É possível que durante esse ano ainda surjam novos produtos que já estejam na fase final de avaliação de segurança. Veremos produtos desenvolvidos aqui no Brasil ou fora. Eu faço parte de alguns consórcios sobre biologia sintética. Acabei de retornar de uma conferência onde o interessante é que o Brasil já está no mapa da biologia sintética. Por enquanto, é o único país da América Latina. O que não quer dizer que não haja ninguém fazendo nada nos demais países, pois essas tecnologias de fronteira reúnem estudos de custo alto. Mas a ideia é que esse custo reduza ao longo do tempo, entre cinco e dez anos, com o aumento da demanda.  Sem dúvida, surgirão novos produtos nas mais diversas áreas ao longo das próximas décadas, no Brasil e no mundo todo.

 

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