Fungicidas, conheça os produtos responsáveis por proteger os alimentos dos fungos.
Os fungicidas são antigos aliados dos agricultores e seguem passando por inovações para acompanharem a modernização da agricultura. São produtos capazes de proteger as plantas e outros organismos vivos contra o crescimento desenfreado de fungos capazes de desencadear doenças.
De fato, os fungicidas são por definição agentes químicos capazes de matar os microrganismos conhecidos como fungos. Além disso, existem também os biofungicidas ou fungicidas biológicos, que ao invés de substâncias químicas sintéticas, apresentam como ingrediente ativo algum agente biológico capaz de suprimir o desenvolvimento de fungos.
Os fungicidas no controle de fungos
Talvez você não saiba, mas cerca de 19 mil fungos podem causar doenças em plantas. Não por acaso, anualmente, um terço da produção agrícola é perdida devido a doenças fúngicas. Estas perdas atingem, inclusive as cinco principais culturas de alimento (soja, batata, arroz, milho e trigo) e se tais prejuízos fossem evitados se poderia suprir a demanda por comida de grande parte da população mundial.
Para se ter uma ideia, somente nos Estados Unidos, estima-se que os prejuízos anuais causados por doenças fúngicas invasoras seja na ordem de $ 21 bilhões de dólares.
Esses fungos patogênicos são responsáveis por aproximadamente 30% de todas as doenças agrícolas conhecidas. Em alguns casos, as perdas podem ser dramáticas e chegar em até 100% de desfolha (Cryphonectria parasitica em chestnut trees, um tipo de castanha).
Para que isso não ocorra, é importante que a detecção de surtos epidêmicos causadas por fungos em lavoras, sejam identificados precocemente e que medidas sanitárias adequadas sejam tomadas antes que as perdas atinjam patamares elevados.
Perdas que poderiam ser ainda maiores, caso não houvesse o emprego de fungicidas capazes de controlar o desenvolvimento desses fungos.
Esses produtos têm passado por grandes transformações, antigamente existiam apenas os inorgânicos (ex. calda bordalesa) que eram mais genéricos. No entanto, nas últimas décadas, novos insumos têm sido continuamente aprimorados.
Estes novos defensivos apresentam moléculas que buscam atingir mais seletivamente os fungos causadores de doenças, com efeito em vias bioquímicas especificas. Além disso, o controle biológico por meio dos biofungicidas tem passado por grandes inovações, resultando em melhor qualidade e maior eficiência.
Os fungicidas, assim como herbicidas e inseticidas são todos genericamente chamados de “pesticidas”. Os fungicidas podem ser aplicados em campo, após a colheita ou durante a fase de estocagem. Ou seja, um controle que pode se dar em várias etapas da produção do alimento.
Além disso, os fungicidas utilizados na agricultura carregam os mesmos princípios dos fungicidas utilizados na medicina. Afinal, as micoses que atingem seres humanos e animais nada mais são do que doenças fúngicas.
Principais características dos fungicidas
A produção agrícola é sempre governada por fatores limitantes, como o tipo de variedade em uso, acesso a água e qualidade do manejo. Tais fatores combinados podem adicionar ou diminuir a exposição do plantio às doenças fúngicas, por isso é importante realizar o monitoramento da produção agrícola e utilizar os fungicidas apenas quando necessário.
O manejo integrado de pragas é parte essencial da agricultura moderna
A aplicação dos fungicidas deve ser precoce, antes do aparecimento de sintomas. As formulações sempre se baseiam na presença de um “ingrediente ativo”, junto com outras substâncias inertes, que auxiliam a atividade dos produtos (como sua fixação ou distribuição na superfície foliar).
Os fungicidas, ao atingirem seu alvo, costumam barrar vias bioquímicas específicas e podem ser, basicamente, de dois tipos: sistêmicos ou não-sistêmicos.
Os sistêmicos são aqueles que ao serem absorvidos pelas plantas acabam sendo distribuídos por todo o vegetal. Enquanto os não-sistêmicos tem ação apenas tópica, no local aplicado. Além disso, os fungicidas podem ser identificados como:
- Curativos – Apresentam ação após a penetração no fungo;
- Protetivos – Impedem a germinação dos esporos e infecção;
- Erradicantes – São ativos quando o fungo já é visível, ao final de seu ciclo.
Os biofungicidas também são formulados a partir da combinação de um ingrediente ativo (de origem biológica) com produtos inertes. Assim como os fungicidas químicos, os biológicos são capazes de permanecer na lavoura por um certo tempo e por isso devem ser aplicados somente no momento certo.
Os principais biofungicidas disponíveis no mercado são classificados como entomopatogênicos, ou seja, o ingrediente ativo infecta o fungo patogênico, dificultando o seu desenvolvimento e levando-o a morte.
É importante conhecer as características dos biofungicidas
Cada tipo de fungicida deve ser utilizado seguindo as devidas instruções de uso, para que assim apresentem eficiência adequada. Por exemplo:
Os fungicidas de contato devem conseguir atingir o local da infecção no momento adequado (germinação, penetração etc.). Para isso, sua aplicação deve ser suficiente para que possa cobrir toda a superfície suscetível da planta. Assim, é necessário que a aplicação destes produtos ocorra de forma abundante e em condições climáticas favoráveis.
No caso dos biofungicidas, conhecer as características do ativo biológico é fundamental. Para que a eficiência do produto seja máxima, é importante que as condições ecológicas estejam adequadas e favoráveis ao agente biológico. Os produtos biológicos normalmente são utilizados de modo preventivo, ou seja, antes da praga atingir um alto nível de população.
No entanto, os fungicidas mais utilizados são os sistêmicos, pois apresentam efeito protetivo e mais duradouro. Mas para que esse tipo de produto funcione corretamente, é necessário que a planta permaneça em condição adequadas de desenvolvimento, favorecendo a circulação do ingrediente ativo no metabolismo da planta.
Esta movimentação pode ocorrer através dos vasos (por exemplo, xilema). Em alguns casos o fungicida é denominado “localmente sistêmico” porque sua translocação corre nas proximidades de sua aplicação. Um exemplo deste tipo de fungicida é aquele que se movimenta de forma “translaminar”, passando de um lado para outro da superfície foliar.
Fungicidas em ação
Os fungicidas são aplicados sobre as plantas, principalmente, na forma de spray, com equipamentos manuais ou, em grandes propriedades, são utilizados tratores e até mesmo aeronaves.
Após a aplicação, é necessário que o produtor esteja atento ao prazo de reaplicação, já que os compostos podem ser degradados quando expostos por longos períodos à luz, assim como serem carreados pela ação da água.
Como diversos outros agentes antimicrobianos, a morte dos fungos decorre da indução de danos físicos (destruição de suas estruturas, como membranas celulares) e também com a inativação de enzimas ou proteínas (que acabam impedindo processos metabólicos essenciais como respiração).
Os fungicidas podem ter um único alvo de ação ou múltiplos sítios de ação. Por exemplo, as strobirulinas inibem especificamente uma enzima (succinate dehydrogenase) da cadeia respiratória, ou seja, atua na mitocôndria das células do fungo.
As primeiras estrobirulinas identificadas foram nomeadas estrobirulina A e estobirulina B. A elas seguiram-se as descobertas das estrobirulinas C, D, F, G e H. Todos estes isolados naturais passaram por um processo de otimização de suas moléculas de estrobirulinas, uma vez que a versão natural é muito instável no meio ambiente.
A maioria dos fungicidas que apresentam a estrobirulinas como ingrediente ativo, apresentam ação sistêmica local e são utilizados prioritariamente como inibidores da germinação de esporos e penetração do micélio na planta.
Outro ingrediente ativo muito comum nos fungicidas é a substância clorotalonil, que diferentemente das estrobirulinas, agem sobre múltiplas vias bioquímicas. Isso porque, essa molécula impede a germinação de esporos fúngicos, inibindo a ação de enzimas que contenham grupos denominados “tiol” (-SH). É uma substância de amplo espectro de atuação, também sendo eficaz contra bactérias e nematoides. Ele é um fungicida não-sistêmico e por apresentar cloro em sua formulação é denominado um organoclorado.
É por conta dessas diferentes características, que, o produtor deve se preocupar com a origem dos princípios ativos de cada fungicida utilizado. Essas informações ajudam a aumentar a eficiência e a prevenir o aparecimento de resistência, que pode ocorrer pela aplicação repetida de químicos contendo os mesmos alvos.
Neste sentido também é importante que seja realizada aplicação do fungicida somente quando necessário e nas concentrações recomendadas. Além disso, é essencial que outras práticas de manejo possam ser também utilizadas para prevenir epidemias fúngicas nas lavouras. Por exemplo, a rotação de culturas, melhor espaçamento entre as plantas e uso de linhagens mais tolerantes a doenças.
Conheça os principais fungos prejudiciais à produção de alimentos
Virtualmente todos os tipos de plantações são atingidas por doenças fúngicas. O impacto destas doenças, no entanto, varia conforme o tipo de cultura e a fase em que ela ocorre (pré ou pós colheita). As doenças fúngicas podem ocorrer com diversas sintomatologias, dentre diferentes plantas:
Murcha por Fusarium
Causada por F. oxysporum, a identificação deste agente microbiano é difícil de ser distinguida microbiologicamente de outras linhagens de Fusarium. Os esporos desse fungo se espalham pelo ambiente e podem sobreviver no solo, nas sementes que serão cultivadas e também em outros tecidos das plantas.
Plantas infectadas por esse fungo parecem estar secas, ocorrendo mudança de cor (de verde para amarelado e/ou marrom) até que as plantas colapsam e morrem. É um microrganismo comum em diversas culturas de solanáceas, como tomate e batata. Também foi responsável por quase levar as bananas a extinção.
Ferrugem
Mais de 4 mil espécies de fungos causam as ferrugens, que começam seus sintomas como pequenos pontos brancos elevados, que com o passar do tempo são cobertas por uma massa de esporos alaranjadas (daí seu some, por lembrar a aparência de uma ferrugem). Podem ser observadas também cloroses, desfolha e deformações em infeções severas.
É uma das principais doenças da soja e o fungo responsável por causar a ferrugem da leguminosa teve o seu genoma sequenciado por pesquisadores da Embrapa. Além da soja, essa doença é comum em cultivos de feijão, tomate, rosas e outras culturas.
Mancha de Alternaria
Causada por espécies do gênero Alternaria que crescem em diferentes tecidos das plantas. As lesões costumam aparecer em folhas mais velhas e próximas ao solo. De forma similar às outras doenças fúngicas, ela é transmitida por sementes e material vegetal contaminado que é levado ao solo, irrigação e ferramentas.
Os sintomas iniciam como pontos escurecidos, com sinais concêntricos ao redor e ao progredir a doença ocasiona o amarelecimento de folhas e posteriormente sua morte.
Oídio
É uma doença fúngica que afeta uma ampla gama de plantas e pode ser causada por várias espécies de fungos. Os sintomas são identificados bem cedo, logo no brotamento de folhas. As culturas com oídio apresentam uma camada esbranquiçada ou cinza de micélio e esporos que pode cobrir todo o vegetal ou se apresentar com pequenas áreas arredondadas sobre as folhas.
As folhas contaminadas, secam e caem prematuramente, impactando seu crescimento adequado e finalmente ocasionando sua necrose e morte. O ataque de folhas é mais raro, mas quando atinge flores em crescimento pode até impedir seu desenvolvimento.
Como se desenvolve um fungicida?
Como todo defensivo, para ser desenvolvido, um fungicida ou biofungicida passa por muitos processos de pesquisa e avaliações que devem atingir objetivos como:
- Segurança – Ao ambiente, consumidores e agricultores;
- Performance – Espectro de atuação, baixo desenvolvimento de resistência;
- Uso – Compatível com outros produtos e seguro de aplicar;
- Custo.
A escolha de um novo ingrediente ativo começa geralmente com um screening, a partir de milhares de moléculas. Dentre elas, são priorizadas as moléculas que possuem como alvo enzimas específicas de vias bioquímicas de interesse ou que atuam em doenças novas ou emergentes.
Valendo ressaltar que é de grande interesse que novos modos de ação sejam descobertos e não apenas novas moléculas. Dessa forma, é muito importante avaliar como esse novo ingrediente ativo está agindo sobre o organismo alvo. Isso porque, se apenas algumas vias bioquímicas continuarem sendo utilizadas para controle, a chance de ocorrência de eventos de resistência pode aumentar.
Após a etapa de screening em larga escala seguem-se ensaios laboratoriais em plantas. Assim não somente sua eficácia, mas também a segurança em seu uso pode ser avaliada. Compostos inicialmente promissores podem apresentar fitotoxicidade, ou seja, serem tóxicos às próprias plantas. Isto pode limitar ou até mesmo impedir seu uso em campo. Só então, os testes em campo começam a ser realizados.
Por fim, o novo produto precisa ser aprovado por três órgãos governamentais reguladores. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis -IBAMA, e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA.
Evolução da agricultura brasileira e inovação no desenvolvimento de defensivos
Como são produzidos os biodefensivos de base microbiológica
É importante saber que os fungicidas são tecnologias essenciais para a manutenção da sanidade e produtividade na agricultura. A sanidade dos plantios deve também estar em conformidade com o uso sustentável dessas moléculas de controle. Por isso, novos compostos químicos têm sido continuamente desenvolvidos. Neles, observamos um comportamento cada vez mais específico no controle das doenças fúngicas, com o menor impacto possível em outros organismos.
Estimativas apontam que a população global deverá atingir 10 bilhões de pessoas em 2060. A necessidade é que o setor agrícola mundial seja capaz de produzir mais alimento, utilizando menos espaço, água e insumos. A participação do fungicidas neste cenário é evidente.
Principais fontes:
Almeida, F., Rodrigues, M. L. e Coelho, C. The Still Underestimated Problem of Fungal Diseases Worldwide. Frontiers in Microbiology, 2019.
Halfeld-Vieira, B. A., et al. Defensivos agrícolas naturais, uso e perspectivas. 1 ed. Brasília, 2016.
Jain, A., et al. A review of plant leaf fungal diseases and its environment speciation. Bioengineered. 2019.
Smart, N. A. Fungicides. In Encyclopedia of Food Sciences and Nutrition. 2 ed. Harpenden, UK, 2003.