A Propriedade Intelectual é uma boa ideia para o agro

Proteger o desenvolvimento de novas soluções garante ganhos de produtividade, geração de valor e aumento da sustentabilidade no setor.

Texto por Daniel Azevedo Duarte
Editor-chefe do Agrofy News Brasil
Agrofy News

 

“Boa ideia!”. Todos já escutamos essa afirmação espontânea, que traz consigo o reconhecimento a soluções eficientes, muitas vezes cotidianas, para as mais variadas situações.

O impulso em reconhecer – e também proteger – o desenvolvimento das “boas ideias” é natural e indispensável, inclusive para o nosso agronegócio.

O Dia da Propriedade Intelectual (PI), celebrado anualmente em 26 de abril pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO, do inglês), convida à reflexão um pouco mais profunda sobre o tema.

Organização Mundial de Propriedade Intelectual

Ninguém questiona que soluções científicas e tecnológicas transformaram a produção agropecuária brasileira, mas para muitos ainda não está tão clara a relevância da PI.

“A proteção da PI é um pilar essencial para fomentar a inovação no agronegócio, especialmente em um país como o Brasil, que desenvolve tecnologias adaptadas a um ambiente tropical único”, introduz Renata Miranda, consultora de IICA e ex-secretária de Inovação do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Para ela, a PI garante que empresas e instituições de pesquisa tenham incentivos para investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), assegurando a soberania científica e o desenvolvimento de uma indústria nacional competitiva

Ou seja, sementes resistentes a secas e doenças, defensivos “cirúrgicos” contra pragas, insumos biológicos benéficos à colheita e à sustentabilidade e tantas outras inovações só existem porque têm ou tiveram os direitos protegidos.

Impacto da inovação

De tão impactantes, os avanços tecnológicos permitiram um salto na agropecuária brasileira até mesmo comparável a grandes marcos da civilização humana, como o próprio advento da agricultura intencional.

Para se ter ideia, a produtividade média de grãos no Brasil aumentou 321,5% desde o início da série histórica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) iniciada em 1976/1977.

Naquele ano, cada hectare produzia 1.258 quilos contra os atuais 4.045 quilos previstos para a safra 2024/2025, segundo o levantamento mais recente do órgão.

No entanto, a demanda global por alimentos, bioenergia e fibras, a exigência por sustentabilidade e o potencial da agropecuária clamam por mais…

“O mundo exige cada vez mais alimentos, fibras e energia, mas com menor impacto ambiental e maior eficiência. Para isso, precisamos de avanços científicos que melhorem a produtividade, reduzam o uso de recursos naturais e desenvolvam soluções adaptadas às mudanças climáticas. O Brasil, com seu agro tropicalizado, tem uma oportunidade única de liderar essa transformação”, comenta Renata.

A roda da inovação

Como enfrentaremos os muitos desafios que se colocam para a agropecuária? Podemos mitigar as mudanças climáticas, atender ao ESG, combater pragas e doenças emergentes e assim por diante? Ou vamos parar por aqui?

“A inovação não é apenas um diferencial competitivo—é uma necessidade estratégica para garantir segurança alimentar, sustentabilidade e soberania tecnológica no longo prazo”, comenta Renata.

Neste contexto, certamente, interromper a “roda da inovação” não é uma alternativa pois será preciso mais e melhores soluções. E podemos ter até certo otimismo. Em momentos cruciais, a engenhosidade humana sempre respondeu aos problemas e dores da nossa espécie.

“Para esses grandes desafios, precisamos de grandes respostas. Como conseguiremos produzir mais com menos? Uma delas, peça-chave na busca por alternativas, é a agricultura tecnológica”, afirma o presidente da CropLife Brasil (CLB), Eduardo Leão.

Eduardo Leão.

A função da PI

Quando falamos em ciência avançada, a roda da inovação e do desenvolvimento tecnológico demanda mais que apenas elogios – apesar de bem-vindos – para seguir assumindo riscos financeiros na busca por novas e melhores soluções.

A Propriedade Intelectual não existe simplesmente para garantir os ganhos de empresas inovadoras, até porque o lucro não é garantido.

Na realidade, a PI cria condições legais mínimas para manter o investimento em inovação e P&D.

“Ao contrário do que se pensa, a PI não garante o lucro das empresas inovadoras, mas é necessária para garantir a possibilidade de assumir riscos com a perspectiva incerta de obter sucesso em alguns projetos”, aponta o especialista Antônio Márcio Buainain.

Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Buainain é um dos estudiosos mais reconhecidos em temas como as cadeias produtivas do agronegócio, inovação tecnológica e propriedade intelectual (PI).

Ele é co-autor do livro “Propriedade Intelectual, Royalties e Inovação na Agricultura”, da editora ideiaD, em colaboração com os pesquisadores e também professores Adriana Carvalho de Pinto Vieira e Roney Fraga Souza.

O alto risco da inovação

Os setores de P&D de uma empresa mantêm uma enorme estrutura de pessoal, laboratórios, pesquisa, capital e outros aspectos para “apostar” em projetos que, em grande parte dos casos, não conseguem sucesso comercial.

“As inovações exigem grandes investimentos em P&D que são cada vez mais complexos, têm taxas de risco elevadas e carregam muitas incertezas, inclusive as institucionais, associadas às crescentes exigências que pautam as pesquisas científicas de ponta e a difusão de novos produtos em mercados altamente regulamentados”, descrevem os autores.

Segundo a obra, o insucesso total ou parcial de projetos de inovação varia entre 40% e 90% dos casos identificados na literatura e os custos dos fracassos são “elevadíssimos, na casa de centenas de bilhões de dólares, responsáveis pela falência de várias empresas nas últimas décadas”.

Como parâmetro, a indústria de tecnologia agrícola investe cerca de US$ 500 milhões (quase R$ 3 bilhões) por novo produto para combater pragas e doenças em ambiente tropical.

Legislação brasileira

Sem proteção à Propriedade Intelectual, provavelmente, tais investimentos não poderiam ser feitos e, talvez, nem mesmo as inovações que obtiveram sucesso existiriam.

“Para algumas tecnologias críticas, a PI ainda é um fator determinante, pois garante retorno sobre investimentos em pesquisa e atrai capital privado. O desafio é encontrar o equilíbrio entre proteção e difusão, assegurando que a inovação não seja travada por excesso de restrições, nem desestimulada pela falta de garantias”, acrescenta Renata.

Para os autores do livro, a legislação brasileira é equilibrada ao proteger e regular os direitos dos inventores a fim de proteger a inovação, sem a qual não há desenvolvimento.

Advogada responsável por coordenar o Comitê de Propriedade Intelectual da CLB, Maria Luiza Silveira reforça a importância da PI para evolução do agronegócio no Brasil.

“Ela foi essencial não só para o êxito no campo, mas também para nossa evolução como sociedade. São dados, informações e conhecimentos valiosos que demonstram a legitimidade desse sistema, fundamental para sustentabilidade dessa cadeia produtiva”, finaliza Silveira.

Qual o preço justo?

Os produtores modernos percebem o valor da tecnologia e, certamente, não gostariam de “voltar ao passado” com ferramentas já superadas.

“É importante equilibrar a proteção da PI com mecanismos que garantam o acesso amplo e justo às tecnologias, evitando situações comerciais que possam limitar a difusão do conhecimento”, frisa Renata.

Mas, afinal, a proteção à propriedade intelectual gera uma cobrança de preços abusivos pelas novas tecnologias? Tal raciocínio não se sustenta, pelo menos é o que demonstra o mercado e o sucesso da agricultura brasileira.

De acordo com os autores, os produtores não fariam escolhas ou pagariam por uma tecnologia se ela não oferecesse benefícios tangíveis. Se pagam por novas soluções é por quê obtêm maiores margens com elas.

“Não chegamos a estimar como se dá a distribuição de benefícios, mas a velocidade na qual as sementes biotecnológicas se difundiram no Brasil indica que o jogo tem sido de ganha-ganha”, constatam.

Contudo, segundo Buainain, são as empresas que determinam os valores e os riscos agrícolas são do agricultor.

“Há outros países em que o risco inerente à atividade é compartilhado. Quando os royalties são pagos a partir dos resultados finais. No entanto isso exige um sistema muito mais complexo”, acrescenta.

Vantagem para os produtores

Se a agricultura brasileira ganhou com a inovação tecnológica por meio de avanços de produtividade e eficiência, naturalmente, isso se reflete nas atividades e nos negócios dos dos agricultores.

Por exemplo, o país quadruplicou o número de produtores com produtividades acima de 100 sacas de soja por hectare nos últimos 10 anos.
O chamado “Clube dos 100″ registrou 105 sacas do grão por hectare na safra 2023/2024. O volume é 94% superior à média nacional (54 sacas por hectare), conforme dados Conab referentes ao mesmo ano.

E por isso, segundo os pesquisadores, manter os incentivos e a proteção como os direitos de Propriedade Intelectual para que todos continuem investindo e ganhando é estratégico para a continuidade do desenvolvimento da agricultura brasileira.

Segurança Jurídica vs Transferência Tecnológica

Exemplo disso é o ranking de países mais inovadores, chamado Índice de Inovação Global da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).

A lista é liderada por Suécia, Suíça e Estados Unidos e tem o Brasil, líder na América Latina, em um modesto 49° lugar em âmbito mundial.

Os primeiros colocados destacam-se por forte produção de patentes, instituições sólidas, mão-de-obra qualificada e altos investimentos em P&D e, especialmente, por um marco regulatório justo e previsível.

“Todos os países no topo do ranking têm em comum um arcabouço regulatório claro, estável e eficiente, que oferece segurança jurídica para investimentos de longo prazo”, destaca o presidente da CLB.

Segundo Eduardo Leão, inovação em P&D exige altos aportes e longos ciclos de maturação, o que, sem previsibilidade, torna-se arriscado, diminui o retorno e trava a transferência de tecnologia.

Apesar das legislações existentes no Brasil, algumas controvérsias têm se concentrado, por exemplo, na questão dos prazos de validade das patentes.

Para Leão, a agricultura brasileira pode ser protagonista na preservação ambiental e no abastecimento global, mas depende de um projeto nacional de inovação ancorado em segurança jurídica.

“Um ambiente regulatório de alto rigor técnico atrai capital, acelera a transferência de tecnologia e favorece a adoção de soluções sustentáveis no campo”, finaliza.

 

 

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