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Com ciência, um simples alimento pode fazer muito mais do que matar a fome

Você sabia que a farinha de trigo vendida no Brasil tem que ser enriquecida com ferro e ácido fólico, para ajudar no combate à anemia? E que isso é lei no Brasil? Pois bem, para não alterar a cor, a textura ou sabor da farinha, esses ingredientes têm que ser encapsulados.

O mesmo acontece com os alimentos funcionais, acrescidos de vitaminas, por exemplo, e com os chamados bioativos – como ômega 3.

Desenvolver técnicas para encapsular e incorporar ingredientes aos alimentos, melhorando a qualidade, é o foco do trabalho da pesquisadora Carmen Sílvia Favaro-Trindade. Aliás, é mais do que um trabalho. É uma paixão.

Professora Doutora Titular da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos e Pró-Reitora Adjunta de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), Carmen também atua para obter compostos bioativos que melhoram a qualidade dos alimentos, mas interferem pouco no sabor.

Nesta entrevista, Carmen Favaro Trindade fala sobre sua trajetória no universo da pesquisa brasileira e a participação crescente das mulheres na ciência.

Como você se interessou pela ciência?

Eu sempre fui muito curiosa. Quando criança brincava de extrair aroma das folhas de eucalipto, da casca da laranja. Fiz iniciação científica durante minha graduação em Engenharia de Alimentos na UNESP e gostei muito da experiência. Tanto que optei por seguir na área de pesquisa e desenvolvimento.

Quando me formei, decidi que queria trabalhar com pesquisa e desenvolvimento na indústria, pois não me imaginava dando aula, por exemplo. Para tornar meu currículo mais competitivo para uma vaga de P&D, optei por fazer mestrado. Durante o mestrado tive que apresentar vários seminários e os professores comentavam que eu tinha boa didática e que deveria ser professora. Aí, no final do mestrado consegui algumas aulas em uma escola técnica da Fundação Paula Souza.

No primeiro dia como professora me encontrei, mas optei por seguir a carreira acadêmica. Ingressei no doutorado, pois também gostava de pesquisa.  Trabalhando no ensino superior, em uma Universidade de pesquisa, poderia seguir com as duas vertentes: ensino e pesquisa. O que de fato aconteceu anos depois.

Em que consiste a sua linha de pesquisa?

Minha principal linha de pesquisa é a microencapsulação de ingredientes alimentícios.

De maneira simples, embalamos ou aprisionamos ingredientes alimentícios em uma estrutura que se assemelha a uma cápsula de medicamento, mas não pode ser vista a olho nu. Isso para que o ingrediente alimentício fique protegido e possa ser liberado sob condições específicas.

Por exemplo, os microrganismos probióticos fazem bem à saúde se chegarem vivos ao nosso intestino. Mas precisam ultrapassar o meio ácido do estômago, que mata grande parte desses microrganismos. Assim, colocamos esses microrganismos em microcápsulas (partículas que não enxergamos a olho nu), de forma que eles ficam protegidos na passagem pelo estômago e são liberados no intestino, onde atuam.

Fizemos aplicações em diversos produtos alimentícios, que geraram publicações. Tenho três patentes e auxiliei diversas empresas.

Comecei essa linha de pesquisa no doutorado, com meu orientador que estava começando a atuar nessa área que era bem inovadora na época, há 20 anos. Achei essa linha de pesquisa encantadora e ainda acho.

Quais objetivos espera alcançar com seu trabalho?

Espero superar dificuldades na incorporação de ingredientes em alimentos e obter compostos bioativos mais estáveis que interfiram menos no sabor dos alimentos.

Você também é pró-reitora adjunta de pesquisa da USP, uma das principais universidades do país. Como você avalia a participação das mulheres no universo da ciência?

As mulheres têm conquistado cada vez mais espaços, inclusive no mundo científico. Em algumas áreas da ciência já começam a superar o número de homens, como na Medicina, por exemplo. Todavia em algumas áreas, como nas engenharias, ainda são minoria.

De todo modo, o universo da ciência, do conhecimento, nitidamente está sob o comando majoritário de homens. São poucas as reitoras (a USP só teve uma), as diretoras de institutos de pesquisa, de faculdades ou diretoras das agências de fomento à pesquisa, por exemplo. Mas penso que há um movimento, ainda que tímido, muito em razão de pressões da opinião pública, para que as mulheres façam parte da gestão também.

Acredito que essa inserção só traz ganhos nas discussões e nas relações humanas. Mas envolve quebras de paradigmas, ainda. E pensando na quantidade de tarefas que as mulheres costumam assumir e acumular, não é uma decisão fácil.

As jovens alunas da USP se interessam em seguir carreira na ciência?

A USP é uma das Universidades com maior tradição em pesquisa do país. Oferece muitas oportunidades, para meninas do ensino médio até mulheres pós-doutorandas, fazerem pesquisa.

A jovem que faz um curso de graduação na USP, muitas vezes, está imersa no universo da ciência. É quase inevitável na maioria dos cursos, já que a pesquisa faz parte do cotidiano da Instituição. Não faltam oportunidades para fazer iniciação científica, por exemplo. Já seguir carreira acadêmica ou científica após a graduação, depende muito do interesse despertado pela ciência.  Diria que depende mesmo da paixão que ela costuma despertar, pois financeiramente, na atualidade, a carreira científica não está entre as mais atrativas. As bolsas de pós-graduação, em geral, são menos atrativas do que os salários da iniciativa privada e estão sem reajuste há bastante tempo.

Ainda assim, a USP é a universidade que forma mais mestre e doutores no país, grande parte também graduados em seus cursos.

Mulheres cientistas ainda enfrentam preconceito?

Mulheres ainda enfrentam preconceito em todas as áreas, inclusive de outras mulheres. O que é lamentável.  Mas no meio científico acredito que, no mínimo, ele é mais velado ou mais sútil.

Como é para você figurar na lista dos pesquisadores mais citados e influentes do mundo?

Hum… não sei! Nunca tinha pensado nisso. (risos). Mas fico feliz, pois me dedico muito ao meu trabalho.

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