Eucalipto Bt: avanço da biotecnologia na área florestal
Pesquisadores brasileiros e israelenses desenvolveram uma tecnologia que carrega três genes capazes de controlar as lagartas da cultura de eucalipto bt
A biotecnologia agrícola vem entregando ganhos de produtividade e maior sustentabilidade nos processos de produção e cultivo há mais de 25 anos no Brasil. Graças a ela, as plantas Bt (Bacillus thuringiensis) já são uma realidade nas culturas do algodão, milho, soja e cana-de-açúcar no campo. Agora chegou a vez do eucalipto se beneficiar dos genes que resultam em proteínas inseticidas que protegem as plantas contra pragas-alvo e garantem benefícios ambientais.
Desde 2016, a empresa FuturaGene – divisão de Biotecnologia da Suzano, tem trabalhado no estudo e uso de genes dessa bactéria para evitar os danos causados pelas lagartas que atacam as folhas do eucalipto. No início deste ano, a empresa recebeu a autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNBio, para o uso comercial do Eucalipto Bt.
Conversamos com Eduardo José de Mello, vice-presidente de Operações Brasil da FuturaGene, engenheiro florestal com mais de 30 anos de experiência no melhoramento genético do eucalipto, para saber como essa tecnologia foi desenvolvida e quais são os próximos passos para que o eucalipto Bt chegue ao produtor rural.
Como se deu o desenvolvimento do eucalipto Bt?
O eucalipto Bt é o resultado de um trabalho conjunto entre duas equipes de pesquisadores, uma de brasileiros e uma de israelenses. Começou em 2016 com a busca de proteínas Bt que fossem capazes de controlar as lagartas do eucalipto. E no início deste ano, o eucalipto Bt foi aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNBio. Uma conquista histórica para a biotecnologia do Brasil.
Como funciona a tecnologia Bt no eucalipto?
Ele funciona de maneira similar às culturas agrícolas que já têm essa característica. Quando o eucalipto sofre um ataque de algumas lagartas, o controle é feito de maneira convencional, com a pulverização de inseticidas, sejam orgânicos ou químicos. Com o eucalipto Bt, quando a lagarta, se alimenta das folhas do eucalipto, morre e, portanto, não há necessidade de se fazer aplicação de inseticida. O eucalipto fica protegido do ataque dessas pragas durante os seis ou sete anos do desenvolvimento da cultura. Com o uso do controle que nós chamamos de convencional, é preciso monitorar se vai aparecer a praga ou não.
Quando a praga é detectada, se faz o controle aplicando um defensivo. Mas quando você vê esse dano, ele já está estabelecido. Já houve um prejuízo à produtividade do eucalipto. No caso do Bt, não. Como ele vai estar protegido durante esse tempo todo, não vai sofrer esses danos. Isso significa que o eucalipto Bt terá uma produtividade melhor, vai produzir mais madeira por hectare de terra. Um objetivo essencial de alcançarmos quando se deseja produzir de maneira sustentável.
Quais são as pragas mais difíceis de se combater no eucalipto e como a tecnologia Bt poderá ajudar?
É um grupo de insetos que nós chamamos de lagartas desfolhadoras de eucalipto. Nesse grupo, há algumas espécies, a principal delas é a chamada lagarta parda, cujo nome científico é Thyrinteina arnobia. Essas lagartas são comuns na família das Myrtaceas da qual o eucalipto pertence, e trazem muitos danos ao eucalipto. Nosso eucalipto Bt foi desenvolvido para controle específico desse grupo de lagartas. Portanto, dentro desse grupo de lagartas desfolhadoras, ele é específico. Ou seja, insetos considerados não alvo, que não trazem problema para o eucalipto, não serão afetados de forma alguma. É muito específico.
Como foi o desenvolvimento do Eucalipto Bt?
O Bt significa Bacillus thuringiensis. É uma bactéria encontrada nos solos, descobertas há quase um século. E algumas bactérias desse grupo, as thuringiensis, têm características inseticidas e são capazes de controlar alguns insetos. As lagartas são um desses insetos que essas bactérias controlam. Elas são totalmente inofensivas para mamíferos, incluindo os seres humanos. Inclusive, a agricultura orgânica as utiliza pulverizando com soluções de Bt. Há quase 30 anos atrás, os pesquisadores conseguiram isolar os genes nessas bactérias que produzem proteínas inseticidas. E esses genes foram introduzidos em plantas empregando técnicas de biologia molecular. A primeira planta Bt foi o algodão, depois veio o milho, a soja e a cana-de-açúcar.
Agora, estamos falando do eucalipto Bt. Para isso, selecionamos três genes diferentes nos Bts que são eficientes no controle da lagarta e introduzimos no eucalipto. Assim, o próprio eucalipto produz as proteínas inseticidas em pequenas quantidades, mas suficientes para resolver o problema. Naturalmente, a planta sintetiza as proteínas por conta da presença desses genes e, por isso, controla a lagarta por sete anos. É como se fosse uma vacina. Você toma vacina e fica imune a alguma doença. Desenvolvemos o eucalipto vacinado para tolerar, para ser resistente ao ataque desses insetos.
E por que três genes? Porque ao colocar três, o espectro de controle aumenta, você controla o maior número de lagartas, e também torna muito difícil o desenvolvimento de qualquer tipo de resistência das lagartas à essa tecnologia. Se você colocar apenas um gene, pode ser que com o tempo, o inseto se adapte àquele eucalipto e não se afete. Com três, fica muito mais difícil.
Como a biotecnologia no eucalipto pode beneficiar o avanço da sustentabilidade agrícola?
A Suzano acredita muito numa frase: “Qualquer tecnologia só é boa para nós se for boa para o mundo”. Esse é um guia que orienta nossas ações na área de pesquisa e desenvolvimento dentro da Suzano. Acreditamos na intensificação sustentável, que significa produzir mais com menos recursos, fazer com que 1 hectare de terra produza mais, mas de forma sustentável, sem afetar as gerações futuras. Esse é o nosso principal encaminhamento no desenvolvimento das nossas tecnologias. E o Bt tem uma incrível associação com essa ideia. Ele realmente ajuda muito nesse ponto e explica o sucesso que essa tecnologia vem obtendo na agricultura desde sua introdução.
O eucalipto transgênico dá um passo fundamental para ser ainda mais sustentável, para mostrar para a sociedade que o caminho que a gente segue é esse, produzir mais com menos recursos. Garantir que no futuro, as próximas gerações possam contar com os mesmos recursos naturais que a gente tem hoje, quem sabe até um pouco melhorados. Reforçando que essa tecnologia evita o uso de insumos químicos para controlar os insetos, ela também reduz o uso de combustíveis fósseis. Como você não precisa mais aplicar inseticida para controlar a lagarta, os tratores não entram na floresta. Então você não emite CO2, e se você não emite CO2, você diminui sua pegada de carbono. E assim, contribui para reduzir o aquecimento global. Acho sensacional.
Sem deixar de citar, que contribuímos com florestas mais sustentáveis, pois você aumenta a chance da floresta atingir seu potencial máximo de produção, porque não vai ter o ataque do inseto. Tudo isso, nos permite avançar com a sustentabilidade agrícola.
Qual é a importância da biotecnologia nos clones do eucalipto das florestas plantadas?
A biotecnologia está presente na eucaliptocultura há muitos anos. Não diretamente na forma de transgenia ou edição gênica, pois essas tecnologias ainda estão chegando, não são ainda uma realidade dos plantios comerciais de eucalipto. Mas nós já aplicamos outras biotecnologias no eucalipto há algum tempo. Por exemplo, o uso de ferramentas genômicas na seleção de eucaliptos através de melhoramento genético. Uma seleção genômica, selecionando eucaliptos que têm uma maior quantidade de genes bons. E outras ferramentas como cultura de tecidos, o cultivo de eucalipto em laboratório para acelerar a propagação de eucaliptos de maior potencial, isso já é feito há muito tempo. Então a biotecnologia anda passo a passo com eucalipto, há 30 anos.
Em que estágio está a adoção do eucalipto Bt no Brasil? Quais os próximos passos?
Os próximos passos estão sendo conduzidos pelos melhoristas. Os melhoristas da Suzano estão fazendo o cruzamento entre eucaliptos modificados que receberam essa tecnologia Bt com as matrizes de eucalipto que a gente chama de convencionais, gerando uma nova geração de eucaliptos dentro da qual selecionaremos os clones que no futuro serão as variedades comerciais. Então, existe um caminho de melhoramento genético ainda a ser trilhado antes que os plantios em grande escala possam acontecer.
O que falta para o eucalipto Bt chegar ao produtor?
Falta concluirmos a parte do melhoramento genético. O silvicultor vai ter que controlar ainda um pouco a sua vontade de plantar esse eucalipto que, realmente, é muito interessante, um eucalipto imune a essas pragas, mas ele ainda tem um caminho de alguns anos. Imagino que ao final dessa década, já teremos alguma coisa. Esse tempo segue um caminho semelhante ao que a agricultura faz.
Depois de obtido um evento transgênico aprovado, o setor agrícola leva anos para conseguir que isso chegue ao produtor. Há vários passos a serem dados antes, e são esses passos que estamos dando agora. O desenvolvimento de um cultivar, seja de eucalipto, seja de milho, de frutas, é algo que leva de 15 a 20 anos. Não é assim tão rápido. Por isso tem tanto valor, né? É algo que envolve muita gente, que leva tempo e, traz um benefício extraordinário para a agricultura e para o Brasil.