Biomassa: fonte de energia limpa e renovável
Se você não for um ermitão, do tipo que vive em caverna, isolado de tudo e de todos, certamente usa algum tipo de energia. Seja para ligar o carro, acender o fogão, tomar um banho quente ou simplesmente iluminar sua casa, você precisa de uma fonte de energia.
No mundo atual, a maior parte da energia ainda é gerada a partir da queima de combustíveis fósseis, como derivados de petróleo e carvão mineral que, além de finitos, emitem gases poluentes. No Brasil, a situação é um pouco diferente. Nossa principal matriz é a hidrelétrica, que vem da força da água. Não é poluente, mas exige a formação de grandes lagos que impactam significativamente no meio ambiente.
A preocupação com o esgotamento dos recursos naturais do planeta, fez surgir a necessidade de se encontrar fontes de energia limpa e renovável, como a solar e a eólica (do vento), por exemplo. Porém, há outros materiais capazes de produzir eletricidade, calor e combustíveis. De acordo com dados da Resenha Energética de 2020, elaborada pelo Ministério de Minas e Energia, com outros órgãos do setor, a Oferta Interna de Energia Elétrica (OIEE) ficou, em 2019, em 651,3 TWh (terawatt), a maior parte, 83%, veio de fontes renováveis.
Bioplásticos: uma alternativa para reduzir a poluição
O grande potencial das biomassas
Biomassa é todo recurso renovável vindo de matéria orgânica, seja animal ou vegetal (floresta; agropecuária; resíduos urbanos e industriais), que possa ser transformada em energia mecânica, térmica e elétrica.
A cana-de-açúcar é um dos materiais mais utilizados para a produção de bioenergia no Brasil. Além de originar o etanol, combustível renovável e de baixo impacto ambiental, o processo de moagem da cana para a fabricação de açúcar e álcool resulta numa grande quantidade de bagaço. Pela abundância, se tornou a principal biomassa usada na geração de energia elétrica no país.
Outro fator importante é que a safra da cana coincide com o período de seca, quando os lagos das usinas hidrelétricas perdem capacidade. Isso faz com que as regiões produtoras de biomassa possam reduzir o consumo da água dos reservatórios para a produção de energia elétrica.
Segundo o último Boletim Mensal da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), entre janeiro e maio de 2020, a produção de bioeletricidade sucroenergética foi de 5.686 GWh (gigawatt/hora), um aumento de 8% se comparado ao mesmo período de 2019.
Entenda as principais etapas da produção de energia a partir do bagaço de cana:
- Na moagem da cana, de um lado sai o caldo e, do outro. o bagaço;
- O bagaço vai para a caldeira da usina onde ocorre a combustão, a queima a altas temperaturas na presença de oxigênio, produzindo vapor;
- O vapor gerado nas caldeiras segue para uma turbina;
- Na turbina, o vapor movimenta as pás do rotor e gera energia mecânica;
- A energia mecânica é convertida em energia elétrica através de um gerador acoplado ao eixo da turbina.
Até a palha da cana pode ser aproveitada
De acordo com o pesquisador Octávio Antonio Valsechi, da Universidade de São Carlos (Ufscar), que estuda a cana-de-açúcar há 40 anos, “todas as usinas no Brasil geram energia elétrica a partir do bagaço de cana. Todas são autossuficientes e a maioria coloca eletricidade na rede, que é a cogeração. Além do bagaço, muitas estão adicionando a palha do campo”.
Mesmo com tecnologia e com conhecimento do processo, o especialista aponta que “faltam estudos no sentido de otimizar a eficiência numa matéria prima melhor, ou seja, um bagaço mais seco que resultaria numa quantidade de quilocaloria maior por unidade de massa. Se a gente tivesse investimento financeiro no sentido de trocar as caldeiras, seria fantástico. Lógico, com estímulo governamental, ou seja, precisamos de uma política pública energética com foco em biomassa cana-de-açúcar”.
Liderado pelo Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), entre 2015 e 2020, o Projeto Sucre (Sugarcane Renewable Electricity), trabalhou para aumentar a oferta de eletricidade com baixa emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE). Para o diretor nacional do projeto, Manoel Regis Leal, as primeiras análises da palha indicavam grande semelhança com o bagaço, porém o produto gera índices mais elevados de cinzas, potássio e enxofre e essas diferenças trazem problemas ambientais. “Nas caldeiras de bagaço existentes nas usinas, não é possível utilizar-se palha pura de forma consistente e sem problemas. Estes problemas têm soluções que poderiam ser implementadas pelas usinas. Na Europa se utiliza palha de cereais, com características semelhantes à palha de cana, em caldeiras projetadas para este tipo de biomassa. A solução para as usinas brasileiras não é substituir as caldeiras existentes, o que seria economicamente inviável, mas processar a palha para eliminar seus contaminantes e torná-la realmente semelhante ao bagaço”, esclarece Leal.
O setor também discute se o uso da palha para geração de energia pode causar outro problema ambiental. Empregada para cobrir o solo após o corte da cana, quando deixada na terra, a palha mantém a umidade do solo, eliminando o crescimento de plantas daninhas. Com o passar do tempo, também pode neutralizar carbono na forma mineral. O pesquisador Octávio Antonio Valsechi não acredita nisso. “Já existem estudos que comprovam que se você deixar um terço da palha total no campo, esses 33% vão atuar da mesma forma que se você deixar os 100%”.
Saiba mais sobre a importância da cana-de-açúcar para a economia brasileira
Além de se tornarem autossuficientes, usinas fornecem energia para a rede de distribuição
No levantamento da Unica, os estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná representam 90% da capacidade instalada no setor de bioeletricidade. Todos estão localizados na chamada região centro-sul sucroenergética. São Paulo é o maior produtor com 41% do total, 3.152 GWh, o que é suficiente para abastecer cerca de 1,6 milhão de residências por um ano. Apenas a partir da criação do novo Marco Regulatório do Setor Elétrico Brasileiro, em 2004, as usinas puderam vender a energia excedente para o Sistema Interligado Nacional (SIN), o que acabou se transformando num novo negócio para boa parte delas.
A Raízen é uma das maiores empresas do setor. Na última safra, a indústria produziu 2,1 TWh de bioeletricidade a partir da biomassa da cana. Todas as unidades são autossuficientes e o excedente é comercializado para companhias de energia elétrica.
A capacidade instalada da indústria é de gerar cerca de 1GW a partir, não apenas do bagaço de cana, mas de diversas fontes renováveis. Este volume poderia abastecer a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, por um ano.
Um outro exemplo é a empresa de energia renovável Atvos. O grupo atua desde 2007 na produção de biocombustíveis e bioenergia (etanol, açúcar VHP e energia elétrica). Com 9 unidades agroindustriais, na última safra, a indústria produziu 2,8 mil GWh a partir da biomassa da cana-de-açúcar. Desse total, 1,8 mil GWh foram ofertados para a rede de distribuição e, o restante destinado ao consumo próprio.
Mesmo com o gradativo aumento registrado na produção de bioenergia, o diretor do projeto Sucre, afirma que o fornecimento das usinas para o SIN poderia ser maior. “Apesar de significativo, ainda é muito tímido quando se considera o potencial técnico desta modalidade de geração de eletricidade”.