Rastreabilidade de alimentos, conheça o alimento que você compra
Rastreabilidade de alimentos é um novo modo de conhecer a origem de sua comida. Com ela, podemos entender o histórico da produção, contemplando todas as etapas do processo. A rastreabilidade revela ao consumidor as práticas associadas ao manejo do alimento. Em outras palavras, nos mostra os detalhes de um processo que inicia muito antes do plantio e que só termina, quando chega ao nosso prato.
Para países exportadores de alimentos frescos (como as frutas, verduras e legumes), esse controle é exigido desde 2005. Por exemplo, todos os produtos agrícolas exportados para o mercado europeu precisam ter rastreabilidade.
De fato, a rastreabilidade existe como uma ferramenta para trazer todas as informações aos consumidores. E, com posse dessas informações podermos decidir o que consumir em função dos acontecimentos em todos os elos da cadeia.
Rastreabilidade nas cadeias de produção
O conceito de rastreabilidade dado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) é a “habilidade de seguir a movimentação de um produto por estágios específicos de produção, processamento e distribuição.”
Esse conceito já é utilizado para produtos de diferentes indústrias. Na indústria florestal, por exemplo, existem selos de sustentabilidade que garantem que a madeira foi obtida de florestas plantadas, ou seja, há um compromisso explícito com o combate ao desmatamento.
O setor automobilístico também se utiliza dessa lógica. Os recalls que são feitos pelas empresas só acontecem porque, há um rastreamento dos processos de produção e de logística. Com isso, é possível identificar falhas mecânicas, de montagem, ou até mesmo de detalhes de peças específicas, que ocorreram quando o produto foi fabricado.
No setor agropecuário, a carne bovina utiliza a rastreabilidade de alimentos há pelo menos dez anos. Carnes que são exportadas para mercados que exigem essa prática, trazem no rótulo informações sobre o produto. Dados como: origem genética do animal, idade, sistema produtivo, informações do processamento no frigorífico, assim como as etapas percorridas até o consumidor, compõem o histórico da rastreabilidade.
A rastreabilidade de alimentos é um processo tão minucioso que consegue mostrar aos consumidores, quais, e como, as práticas agronômicas foram empregadas na produção desse alimento. A implementação desse sistema no setor agrícola brasileiro teve início em 2018 quando foi aprovada a Instrução Normativa Conjunta n°2 (INC 2).
Instrução Normativa Conjunta n°2.
A preocupação dos consumidores com a presença de resíduos tóxicos nos alimentos e a exigência desses por uma alimentação saudável foi um dos principais fatores que levaram a criação da INC 2.
Essa normativa deve auxiliar no monitoramento e o controle de resíduos de agrotóxicos ou quaisquer outros contaminantes na cadeia produtiva de vegetais frescos destinados à alimentação humana. Esse sistema foi instituído em fevereiro de 2018 e é valido para todo o território nacional.
Instrução Normativa Conjunta n°2 e o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos
O controle de resíduos de defensivos agrícolas nos alimentos já é realizado por meio do PARA – Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos. Com esse programa a Anvisa analisa produtos frescos de todos os estados brasileiros. Desde 2001 já foram avaliadas mais de 35 mil amostras referentes a 28 tipos de alimentos de origem vegetal.
Agora, com a implantação da (INC 2), o PARA fica inserido como parte da fiscalização da rastreabilidade. Portanto, o trabalho passa a ser conduzido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
As atividades de fiscalização da INC2 e do PARA são complementares. Do produtor até o entreposto, a responsabilidade será do MAPA. Do entreposto (mercado) ao consumidor, a fiscalização será feita pelos Serviços de Vigilância Sanitária estaduais e municipais. O processo de implementação desse novo modelo está sendo feito de forma gradativa até 2021.
Como funciona a rastreabilidade de alimentos?
O processo de rastreabilidade de alimentos é muito mais do que adicionar um rótulo no produto. É preciso coletar informações sobre quem produziu, o que foi produzido, quando, como e, para quem foi vendido. Na produção agrícola, esse processo começa lá na fazenda. O produtor precisa ter um controle de todas as atividades de manejo e do planejamento da produção.
A norma (INC2) estabelece a obrigatoriedade de que todas as frutas e hortaliças devam fornecer informações padronizadas, capazes de identificar o produtor ou responsável no próprio produto ou nos envoltórios, caixas, sacarias e outras embalagens. O produtor deve informar o endereço completo, nome, variedade ou cultivar, quantidade, lote, data de produção, fornecedor e identificação (CPF, CNPJ ou Inscrição Estadual).
Para ter essas informações, o produtor precisa registrar tudo o que faz num “caderno de notas”. Nele, todas as práticas de manejo e planejamento da lavoura precisam ser anotadas. Esse caderno é um registro e serve de segurança ao produtor, para possíveis fiscalizações.
O controle de aplicações de defensivos é um item bastante importante no registro. É preciso informar quais produtos foram utilizados, quantas aplicações foram feitas e, os intervalos de aplicações. Essas informações são essenciais para garantir que os produtos utilizados sejam apropriados para aquela cultura (no caso dos defensivos químicos) ou para a praga alvo (defensivos biológicos) e se as recomendações técnicas para cada produto foram respeitadas.
Isso pode ser feito com o auxílio de softwares que ajudam o produtor no histórico das informações. No entanto, também é possível realizar esse registro de forma mais “artesanal”, tendo o controle em planilhas. Esse formato artesanal pode ser suficiente para pequenos agricultores e agricultura familiar, no entanto grandes lavouras podem ter acesso a sistemas desenvolvidos especificamente para esse fim.
Durante a rastreabilidade, cada produto recebe um código desde antes do plantio. Esse código vai ser mantido durante toda a cadeia e nele serão adicionadas as informações do processo. A cada etapa, são incluídos novos dados referentes ao produto.
Para o segmento de frutas, legumes e verduras (FLV), a Instrução Normativa Conjunta n. 02 de 2018, elaborada pela ANVISA e MAPA, dispõe que seja possível identificar a rastreabilidade por meio de etiquetas, QR code e códigos de barra. A normativa também determina que o produtor precisa guardar as informações de manejo do campo a partir de 18 meses antes da colheita do produto. Para o consumidor, o acesso às informações poderá ocorrer via aplicativo de celular, usando os dados contidos no rótulo.
No entanto, a implementação desse sistema num país de dimensões como o Brasil não é imediata. No segmento de FLV, cada grupo de vegetal, desde frutas, até hortaliças não folhosas, foi organizado com datas limites para validação da INC2.
As datas foram atualizadas, desde o início da publicação da normativa e os membros da cadeia precisam seguir esses prazos vigentes:
Rastreabilidade em implementação
Uma vantagem adicional da rastreabilidade é entender possíveis problemas de manejo da cultura. Afinal, via QRcode é possível identificar o lote do produto, o produtor e até mesmo a área em que o alimento foi produzido e, assim verificar eventuais falhas de processo.
A implementação de uma nova tecnologia sempre traz dificuldades que precisam ser superadas. À medida que o desenvolvimento ocorre os problemas vão sendo resolvidos.
A integração da cadeia é um dos principais entraves, atualmente. Os setores de produção precisam ter maior união e troca de informações para que todo o processo flua sem problemas.
A falta de treinamento e informações são também empecilhos que o produtor encontra na hora de iniciar a implementação da rastreabilidade nos alimentos.
Além disso, algumas políticas públicas deveriam auxiliar nessa transição, principalmente para pequenos e médios produtores. Afinal, eles necessitam ter escala na produção para que o investimento na implementação seja rentável.
Benefícios da rastreabilidade de alimentos
Ainda que existam dificuldades de implementação, o sistema de rastreabilidade traz benefícios para quem produz, processa e compra.
O produtor agrega valor ao seu produto, podendo vender com melhor preço e para mercados mais exigentes. Quem processa sabe de onde vem o produto e quais as práticas que o fornecedor adotou para garantir a segurança do alimento.
Já o consumidor, pode ter informações sobre qualidade e a segurança dos produtos, tendo maior poder de escolha na hora da compra.
Algumas redes varejistas que já implementaram esse sistema, conseguem rastrear o fornecedor de forma que, em caso de algum produto apresentar irregularidade seja possível entrar em contato, avisar sobre o problema e garantir mais qualidade aos seus produtos.
Para os segmentos de distribuição e varejo, a rastreabilidade de alimentos é um diferencial na competitividade, pois fortalece a imagem da empresa que vende e melhora a sua marca no mercado. Além de aproximar os fornecedores dos consumidores.
Quem consome, além de ter acesso às características nutricionais do alimento, pode identificar o produtor, agregando maior confiabilidade. Além disso, com a cadeia toda rastreada, é possível também ao consumidor notificar qualquer irregularidade de forma mais rápida e direcionada.
Quando falamos de alimentos, a grande preocupação está no risco de contaminação. O que pode acontecer em qualquer país do mundo. Nesse sentido, a rastreabilidade permite identificar a origem do problema e a adoção imediata de ações corretivas. É possível notificar o acontecido, retirar aquele lote do mercado e evitar que as dimensões do problema sejam maiores.
A tendência mundial na rastreabilidade de alimentos
Ter um alimento seguro, nutritivo e de fornecedores que informam sobre todos os procedimentos por eles realizados tornou-se prioridade. Com isso, a rastreabilidade de alimentos se torna um processo importante e a tendência é que ela seja implementada em todas as cadeias de produção de alimentos.
Em tempos de coronavírus, a preocupação com o que colocamos dentro de nossas casas se tornou ainda maior. Vivemos uma transformação de hábitos muito acelerada. O que nos faz pensar que, mesmo depois da pandemia, tenhamos uma atenção cada vez maior sobre a segurança do alimento que consumimos.
Nesse cenário, a rastreabilidade será uma aliada da produção eficiente no campo e do atendimento às exigências do consumidor que nos tornamos.
Principal fonte:
Feng, H. et al. Applying blockchain technology to improve agri-food traceability: A review of development methods, benefits and challenges. Journal of Cleaner Production, 2020.