Qual a situação da segurança alimentar?
A segurança alimentar está fortemente ameaçada pela intensificação da crise sanitária, climática e econômica. Como podemos reverter essa situação?
A segurança alimentar tem sido, historicamente, suscetível ao crescimento populacional, aos conflitos entre países e às crises econômicas. Contudo, nos últimos anos, a intensificação das questões climáticas, a pandemia da Covid-19 e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia adicionaram outros grandes desafios que, além dos prejuízos humanitários, trazem implicações para a segurança alimentar.
De fato, questões como essas conflitam enormemente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e impõem novos obstáculos, especialmente ao ODS2, que promove a “fome zero e agricultura sustentável”.
A superação dessas adversidades exigirá um grande esforço da humanidade. Ela impõe a necessidade de se adotar novos modelos de desenvolvimento e de se rever a organização dos sistemas alimentares, suas relações e operações.
Nesse contexto, a difusão das tecnologias direcionadas à produção agrícola sustentável representa um pilar central para que possamos aumentar a oferta de alimentos de forma alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Passado e presente da segurança alimentar
A segurança alimentar é alcançada quando o sistema alimentar, de forma sustentável, garante acesso regular a alimentos de qualidade e que supram as necessidades nutricionais de todas as pessoas. De forma resumida, a maior produção de alimentos pode ser decorrente de três meios principais:
- Maior uso da terra;
- Maior uso de insumos;
- Maior eficiência na forma como esses insumos são usados.
Podemos dizer que, até a década de 1960, o aumento na produção de alimentos vinha sendo alcançado, principalmente, pelo crescimento da área agrícola, à medida que as populações colonizavam novas terras.
No entanto, a grande oferta de alimentos que temos hoje é resultado da chamada “revolução verde” (período em que houve maior uso de insumos e maquinário) e do período pós-revolução verde – quando a biotecnologia, agricultura de precisão e outras tecnologias passaram a disponibilizar maior ganho de eficiência no campo.
Por isso, a agricultura moderna é identificada pela adoção mais otimizada de insumos, que incluem as sementes melhoradas geneticamente, pesticidas e fertilizantes. A inovação e a integração dessas tecnologias nas práticas agrícolas capacitaram os agricultores a enfrentarem solos empobrecidos, pragas, doenças e a adaptarem culturas a regiões diferentes das suas originais. Como consequência, o Brasil consegue produzir, por exemplo, soja, trigo, milho, banana, batata, maçã, manga, laranja e outros vegetais.
Globalmente, a intensificação mais eficiente da agricultura resultou em um aumento de 390% na produção de alimentos e apenas 10% de área cultivável em 60 anos [1]. Esse crescimento foi mais expressivo nas culturas de cana-de-açúcar, cereais, hortaliças, frutas e oleaginosas [3].
Diante desses resultados e das entregas decorrentes da inovação, o mundo estava caminhando para alcançar a fome zero e a segurança alimentar para uma população de 7 bilhões de pessoas, com expectativa de se chegar a 10 bilhões ainda neste século.
No entanto, desde 2014, o nível global de Prevalência de Desnutrição (PD) tem aumentado e se acentuou entre 2019 e 2020, principalmente devido à pandemia da Covid-19, mas também em função dos eventos climáticos extremos decorrentes do aquecimento global. Com isso, quase 10% da população mundial passou fome em 2020, em comparação com 8,4% em 2019 [3].
De fato, a crise sanitária, climática e econômica está fazendo com que, em 2022, ocorra baixa disponibilidade de cereais e aumento dos preços dos alimentos, intensificando o quadro de insegurança alimentar. Sem deixar de mencionar que a guerra na Ucrânia e as suas repercussões além das fronteiras têm elevado a situação de vulnerabilidade de comunidades que já vinham tendo seu poder de compra reduzido.
Além disso, segundo o relatório do Sistema Global de Informação e Alerta Antecipado sobre Alimentação e Agricultura – Global Information and Early Warning System on Food and Agriculture (GIEWS) –, a guerra na Ucrânia tem elevado o preço dos alimentos em todo o mundo, assim como o de combustíveis e de fertilizantes. Uma questão recente que não foi levada em consideração nas últimas medidas para se trabalhar pela segurança alimentar e que deve impactar de forma expressiva o aumento do número de pessoas em situação de insegurança alimentar [8].
Afinal, a combinação da crise climática com os conflitos em regiões produtoras de cereais está colocando em risco a disponibilidade de alimentos à base de trigo, milho e arroz, revelando que essas culturas deverão ter sua produção reduzida em 2022.
Diante desse cenário, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) destacou seis caminhos necessários para a transformação dos sistemas alimentares com o intuito de fortalecer a segurança alimentar:
Como a tecnologia agrícola pode auxiliar a humanidade a enfrentar esses desafios?
Na jornada de transformação dos sistemas alimentares será essencial ampliarmos a adoção de tecnologias que favoreçam a conservação da biodiversidade, auxiliando na redução das emissões dos GEE, bem como no maior acesso às ferramentas que asseguram ganhos na resiliência dos sistemas de produção agrícola.
Reconhecidamente, as sementes e mudas, especialmente quando aprimoradas pela biotecnologia, têm oferecido soluções práticas e eficientes aos sistemas agrícolas (que produzem alimentos, rações, fibras e energia) mesmo em condições de estresses (ataque de pragas, escassez de água e ondas de calor e frio).
Portanto, a expansão dessas ferramentas nas comunidades rurais é uma estratégia que irá beneficiar pequenos produtores, que poderão produzir mais gastando menos e conservando a agrobiodiversidade, ao mesmo tempo que a população local terá acesso a alimentos mais baratos. Adicionalmente, com o melhoramento genético, poderemos reintroduzir espécies vegetais extintas na região.
As expectativas de oferta de novos produtos são otimistas se considerarmos que a edição de genomas – a mais recente ferramenta da biotecnologia – está acelerando todo o processo de melhoramento genético. Além de plantas mais resilientes e nutritivas, estão sendo desenvolvidas culturas vegetais com maior capacidade de sequestrar dióxido de carbono, possibilitando que a produção de alimentos agrícolas contribua significativamente para reduzir os impactos das mudanças climáticas [6].
A relevância da biotecnologia é ressaltada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao estimar que a produção agrícola em 2030 seja sustentada em até 50% por sementes e mudas desenvolvidas por essa área do conhecimento.
Ainda, as avaliações da OCDE consideram que aproximadamente 75% das contribuições da biotecnologia sejam relacionados à agricultura, indústria e benefícios ambientais [6].
Com base nessas conclusões, a OCDE fez recomendações visando à redução dos impactos das mudanças climáticas e à promoção de maior segurança alimentar às populações em vulnerabilidade social. Segundo a OCDE, é preciso:
- Intensificar a pesquisa em biotecnologia agrícola e industrial aumentando o investimento público, reduzindo os encargos regulatórios e incentivando parcerias público-privadas;
- Incentivar o uso da biotecnologia como solução para questões ambientais globais;
- Apoiar acordos internacionais para criar e sustentar mercados para produtos biotecnológicos ambientalmente sustentáveis.
Por fim, o comitê científico da Organização das Nações Unidas (ONU) em seu documento Ciência e Inovação para transformação do sistema alimentar afirma que é possível reduzir a fome crônica em 5% até 2030 por meio do aumento da produtividade agrícola e da redução da perda e do desperdício de alimentos, entregando uma dieta saudável para 568 milhões de pessoas a mais do que em 2019 [4,5].
Principais fontes
- Smyth, S. J. Contributions of Genome Editing Technologies Towards Improved Nutrition, Environmental Sustainability and Poverty Reduction. Frontiers in genome editing, 2022.
- Friedrichs, S., et al. Meeting report of the OECD conference on ‘‘Genome Editing: Applications in Agriculture—Implications for Health, Environment and Regulation. Transgenic Research, 2019.
- FAO. World Food and Agriculture – Statistical Yearbook 2021.
- The scientific group for the UN food system summit. Science and innovations for food systems transformation and summit actions. United nations food systems summit, 2021.
- Von Braun, J., et al. Ending Hunger by 2030 – policy actions and costs, Food Systems Summit Brief prepared by Research Partners of the Scientific Group for the Food Systems Summit 2021; OECD. Making better policies for food systems, 2021.
- OECD. Innovation, Productivity and Sustainability in Food and Agriculture: Main Findings from Country Reviews and Policy Lessons, 2020.
- United Nations. Science and Innovations for Food Systems Transformations, 2021.
- FAO. Crop prospects and food situation. Quarterly Global Report, 2022.