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Plantas tolerantes aos sais são essenciais para enfrentarmos a escassez hídrica

O desenvolvimento de plantas tolerantes aos sais é essencial para o desenvolvimento da agropecuária na região do semiárido brasileiro.

Produzir e desenvolver a agropecuária de uma forma mais sustentável tem sido a busca de empresas, da academia e da sociedade. Quando falamos da água – recurso natural essencial para a sobrevivência –, o desafio é grande para que não haja desperdício e seja, cada vez mais, preservada.

Na região semiárida brasileira, pesquisadores se desdobram em estudos para desenvolver espécies resistentes às condições adversas de umidade e temperatura, em especial para a alimentação animal.

Como o clima local é caracterizado pelas altas temperaturas e incidência limitada de chuvas, a busca por cultivares adaptadas a essas condições é primordial para o crescimento da região.

Para entendermos melhor sobre esse assunto, conversamos com os pesquisadores da Embrapa Semiárido, Gherman de Araújo, doutor em zootecnia e especialista em nutrição e alimentação animal, e Rafaela Antonio, agrônoma e doutora em genética e melhoramento de plantas tolerantes à seca. Confira a entrevista.

fotos dos pesquisadores da embrapa semiárido

Dra. Rafaela Antonio e Dr. Gherman de Araújo – Embrapa Semiárido

Quais são as linhas de pesquisa desenvolvidas no melhoramento de plantas tolerantes à seca para alimentação animal?

A disponibilidade de água tem sido influenciada diretamente pelas mudanças climáticas, ocasionando longos períodos sem chuva, aumento da temperatura e maior evaporação da água disponível. Dessa forma, a Embrapa, em especial a unidade do semiárido, tem buscado o desenvolvimento de plantas mais tolerantes à seca ou mais eficientes no uso da água.

Também tem realizado pesquisas sobre plantas tolerantes a altas temperaturas, a estresses bióticos – insetos pragas e doenças, combinados a características de maior produtividade e de alto valor nutritivo – adaptadas às condições edafoclimáticas (clima e solo) do semiárido nordestino.

Seguindo as mesmas perspectivas, pretende-se em breve trabalhar com espécies tolerantes a sais, as chamadas plantas halófitas, visto que há, em certa abundância, águas salobras nos aquíferos de boa parte do semiárido, podendo ser um recurso hídrico muito importante para produção de biomassa forrageira, como já ocorre em muitos países no mundo.

Plantas halófitas: vegetal que vive em ou tolera solos alcalinos, ricos em sais de cálcio e sódio.

Os estudos são focados em quais plantas? Por quê?

O melhoramento genético aplicado para ambientes desfavoráveis e mais vulneráveis às mudanças climáticas norteia esforços em materiais que apresentem diferenciais de adaptações fisiológicas.

Assim, desenvolve-se pesquisas com plantas com potencial para alimentação animal tanto nativas, como as plantas do gênero Manihot, Cnidoscolus e Macroptilium, quanto plantas exóticas, como as do gênero Cenchrus, Opuntia e Nopalea. Estas plantas são adaptadas as condições do semiárido nordestino, possuem histórico de adoção pelos produtores e buscam atender os sistemas de produção na região.

Dentre estas, devemos destacar o gênero Cenchrus (Capim Buffel). Esta gramínea tem a maior área cultivada no semiárido e é uma das mais promissoras para pastejo direto dos animais. É urgente a busca de novas cultivares que possam ter alta produtividade, relação folha x caule melhores, menores teores de fibras associado ao crescimento rápido e vigoroso.

Por outro lado, considerando as forrageiras cultivadas com fins de produção, conservação e posterior oferta aos animais nos períodos mais críticos, destacamos as do gênero Opuntia e Nopalea (palma forrageira), uma cactácea com elevada importância no manejo alimentar na pecuária de terras secas pela sua alta eficiência hídrica e capacidade de armazenamento de água.

Essa cultura é a segunda mais cultivada em todo o semiárido, sendo necessário a obtenção de novas cultivares com teores de proteínas mais elevados, tolerantes e resistentes as pragas, adaptadas aos fatores agro meteorológicos e aos futuros processos de mecanização que ela vem exigindo.

Qual a principal mudança desse melhoramento para a agropecuária no semiárido?

Das opções disponíveis para o uso forrageiro, grande parte é composta de cultivares ou introduções que se originaram de materiais selvagens, ou seja, sem nenhum grau de melhoramento. Dessa forma, há poucas opções forrageiras e baixa disponibilidade de sementes/propágulos nos mercados formais.

Quanto a cultivares comercializadas, a maior parte não é validada para a região semiárida, ocasionando baixa adoção dos materiais lançados e dificuldade na comercialização.

Dessa forma, espera-se que os resultados gerados pelo programa de melhoramento genético de plantas forrageiras nativas e exóticas da Embrapa Semiárido proporcionem uma diversificação de alimentos para a criação de caprinos, ovinos e bovinos, baseados em plantas nativas da caatinga e plantas exóticas adaptadas as condições do semiárido e com potencial tolerância aos estresses bióticos e abióticos, principalmente a seca.

Acreditamos que a proposição de cultivares nativas tolerantes é estratégica para o semiárido brasileiro frente às características intrínsecas da região, de chuvas irregulares e escassas e altas temperaturas e, também frente às mudanças climáticas globais.

Assim, este programa de melhoramento poderá também contribuir como medida de adaptação às mudanças climáticas fortalecendo as ações que buscam aumentar a resiliência dos pecuaristas da região e promovendo o desenvolvimento regional.

Além disso, a obtenção de cultivares de forrageiras para consumo animal com características desejáveis representará avanços significativos dentro das cadeias produtivas agropecuárias do semiárido e impactará positivamente no quadro socioeconômico da região, com aumento da produção e geração de emprego e renda.

Destaca-se também que a ampliação da base genética das forrageiras dará subsídios para futuros trabalhos científicos de melhoramento das espécies, além de preservação do arcabouço genético.

Indiscutivelmente, a obtenção de materiais forrageiros de alta qualidade e adaptadas as condições de semiaridez, irá proporcionar uma redução significativa do uso de grãos nas dietas dos ruminantes, proporcionando uma redução significativa nos custos de produção o que pode tornar a região em um celeiro de destaque para produção de carne, leite e pele para o país.

Existem estudos de melhoramento de plantas tolerantes à seca para que recebam principalmente água salobra, abundante nessa região?

Ainda não há estudos específicos e direcionados de melhoramento genético de plantas forrageiras na Embrapa Semiárido que avaliem os potenciais halófitos, entretanto, é preciso destacar as semelhanças entre os processos fisiológicos de tolerância ao estresse hídrico com o estresse salino.

E nesse aspecto temos um banco de germoplasma do gênero Cenchrus que já vem sendo estudado para tolerância à seca e outras características, sendo este bastante pesquisado para fins de tolerância a salinidade, pelo Centro Internacional de Agricultura Biossalina, localizado no Emirados Árabes, o qual recentemente a Embrapa firmou parceria e pretende estar juntos no desenvolvimento e na disseminação de tecnologias relacionadas ao aproveitamento de águas ricas em sais.

Essa parceria firmada entre as duas instituições define cooperação que prevê o intercâmbio de recursos genéticos, produção de forrageiras e o manejo de solo para mitigação de efeitos de salinidade.

Vale destacar que há uma equipe de pesquisadores da Embrapa Semiárido e de outras unidades desenvolvendo trabalhos de prospecção e pesquisas, avaliando o potencial hálofito de algumas espécies, em sistemas de produção biossalina de forragem, podendo destacar a Palma Forrageira, Gliricídia, Erva Sal, Sorgo e Milheto, que foram submetidos a diferentes lâminas e água salobras e cargas de matéria orgânica, com resultados bastantes promissores.

Na opinião de vocês, qual é o principal desafio no melhoramento de plantas tolerantes à seca no semiárido para alimentação animal?

O melhoramento de qualquer espécie de planta já é um trabalho bastante difícil por se tratar de um caráter complexo, o que requer um trabalho multidisciplinar, de um sistema confiável de experimentação a campo, controlado por vários genes, sofrendo grande influência do ambiente e com resultados alcançados somente a médio e a longo prazo.

Além de todos esses desafios, é preciso também levar em consideração as características de interesse econômico de forma que se possa obter novos materiais com a maior acessibilidade possível por parte dos produtores.

Hoje em dia, mais do que nunca, é necessário a obtenção de métricas hídricas para subsidiar os caminhos do melhoramento das espécies forrageiras tolerantes à seca. É preciso que o melhoramento alcance uma relação máxima de água utilizada não somente para o total de quilograma de matéria seca produzida por hectare, mas também para a quantidade de energia (carboidratos) ou proteína obtida, até porque, serão essas entidades nutricionais que terão maiores reflexos na produtividade animal.

Logo, a pegada hídrica ou produtividade da água são conceitos que trazem unidades hídricas indispensáveis nos processos de melhoramento de plantas tolerantes à seca, passando também a ser mais um desafio para os pesquisadores associados a todos fatores agrometeorológicos que são diversos nas regiões semiáridas.

A alimentação animal na região pode ser comprometida caso não haja o desenvolvimento dessas variedades? Por quê?

Sim. Porque a estratégia de dependência única do pasto nativo (caatinga) não é uma prática sustentável para atender quantitativamente e qualitativamente as demandas nutricionais dos animais, obviamente, em função de sua baixa capacidade de suporte.

Essa baixa e variável produção da pastagem nativa, impossibilita o incremento dos índices de produtividade da pecuária da região. Assim, o melhoramento genético passa a ser uma ferramenta importantíssima na obtenção de novas cultivares, capazes de se integrarem ao ecossistema caatinga, aumentando a oferta de biomassa forrageira e diminuindo a pressão sobre espécies nativas, as protegendo e conservando.

Desta forma e diante dos cenários climáticos que se apresentam, fica evidente a necessidade de diversificar as fontes de alimentação com o melhoramento de cultivares forrageiras nativas e introduzidas, para as diferentes condições dos sistemas de produção animal.

Uma vez que mais espécies sejam trabalhadas, melhoradas e disponibilizadas, sem dúvidas, haverá diminuição da vulnerabilidade de ofertas de alimentos hoje existentes e maior resiliência aos possíveis efeitos que se desenham com as alterações do clima.

Essa será uma estratégia e o melhor caminho para a sustentabilidade ambiental, social e financeira das unidades produtivas da pecuária de terra secas de todas as regiões áridas e semiáridas do mundo.

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