Pesquisadores descobrem novas espécies de microminhocas no Cerrado brasileiro
Existem muitas maneiras de se avaliar a qualidade do solo que vão desde testes simples até o uso de tecnologia de precisão. Porém, muitas vezes, os produtores desconhecem os organismos que existem na terra e como eles podem auxiliar no cultivo. Você sabia que as microminhocas podem indicar se uma área é saudável ou não?
A curiosidade e a falta de informações impulsionaram a pesquisadora Cintia Niva, da Embrapa Cerrados a estudar os enquitreídeos ou microminhocas. Esses organismos passam despercebidos a olho nu, mas desempenham papel importante. “A vida que existe no solo é quase uma caixa preta. A gente desconhece muito e deve ter muita coisa útil ali”, destaca Cintia.
Até o momento, 20 potenciais novas espécies e um novo gênero de enquitreídeos foram identificados no Distrito Federal e em Goiás. Todos pertencem a seis gêneros diferentes e foram coletados em locais de vegetação natural e em áreas agrícolas (com integração lavoura-pecuária-floresta; integração lavoura-pecuária; plantio de eucalipto; pastagens e sistema agroecológico). Esta foi a primeira vez que um levantamento quantitativo e qualitativo desses invertebrados foi realizado nessa região. Antes foram conduzidos alguns estudos no Mato Grosso do Sul.
Microminhocas x minhocas
As microminhocas e as minhocas são parentes. Uma das diferenças está no tamanho, as micro chegam a ter 2 centímetros de comprimento e 2 milímetros de diâmetro e, quase não tem pigmentação. Já as minhocas mais comuns, como as que encontramos nos jardins, chegam a 5 centímetros de comprimento e são visíveis. Além do tamanho, morfologicamente, há outras diferenças: a distribuição das cerdas do corpo e a posição dos órgãos de reprodução. As duas possuem as mesmas funções, porém agem de forma diferente por causa do tamanho. Os enquitreídeos muitas vezes aparecem onde as minhocas não são abundantes e, por isso, podem ajudar no monitoramento de sistemas.
A importância do hábito alimentar
Esses organismos atuam na decomposição da matéria orgânica e na ciclagem de nutrientes. Construindo galerias, também contribuem na aeração do solo e na infiltração da água da chuva. Por isso, ficaram conhecidos como engenheiros do solo.
Dependendo da espécie, as microminhocas têm a capacidade de selecionar fungos e bactérias que estão sobre a matéria orgânica e se alimentar deles. Esse hábito alimentar é importante na relação da fauna com os microrganismos e, consequentemente, com a regulação deles. “De repente, ela pode estimular, ajudar a dispersar mais os fungos no solo. Podemos descobrir muita coisa interessante que pode ser útil para a agricultura”, acredita Cintia.
Microminhocas como organismos testes para a agricultura
A pesquisa vai servir como base para o uso desses organismos como indicadores da qualidade do solo. “As microminhocas aparecem como um potencial grupo para ajudar nesse diagnóstico da conservação da biodiversidade e, também, da sustentabilidade do sistema. Se a gente quer entender a biodiversidade, temos que considerar o lado ambiental, o econômico e o social. E o ambiental, nessa questão da biodiversidade do solo, ainda tem muita pouca coisa estudada.”
De acordo com a pesquisadora, o uso desses invertebrados como um bioindicador, pode ajudar na avaliação do risco ecológico do uso de defensivos químicos, por exemplo, sendo um organismo teste para a agricultura. Para a maioria dos testes de registro de agrotóxico são utilizadas informações da minhoca.
A reprodução é um outro ponto de destaque apontado por Cintia. Algumas espécies de microminhocas se reproduzem por fragmentação e regeneração e não por casulo. O ciclo é rápido: em média, a cada 15 dias, elas se partem em vários pedaços e, em menos de 5 dias, cada pedacinho do corpo começa a se regenerar. Nas partes fragmentadas, ocorre uma cicatrização e a formação de tecidos novos. “Imagina que esse bichinho, mesmo dentro do solo exposto, consegue cicatrizar, regenerar e se transformar em um novo organismo. Então tem muitas proteínas, muitas substâncias envolvidas nesse processo e, talvez, ali tenha muitas substâncias com propriedades antimicrobianas ou alguma outra que estimule essa proteção para formar um novo indivíduo”, explica.
Surpresa no solo do Cerrado
Como precisam de solos úmidos para sobreviver, os pesquisadores acreditavam que não existiam muitas microminhocas no Cerrado, devido ao longo período natural de seca da região. Porém, para surpresa de todos, o estudo chegou à conclusão de que a população desses organismos no cerrado é tão grande e rica quanto a de outros biomas, como a Mata Atlântica e a Amazônia. Porém, várias espécies podem ser endêmicas, ou seja, exclusivas da região. De acordo com a Embrapa, somente 62 espécies são conhecidas na América Latina, sendo 47 no Brasil. No mundo todo há 710 espécies catalogadas pela ciência.