Mutação em plantas e seu uso na produção vegetal
A mutação é uma alteração no DNA que pode ocorrer naturalmente, ou ser induzida por agentes mutagênicos químicos ou físicos. A indução de mutações no desenvolvimento de cultivares é bastante comum. Mas muita calma, uma planta induzida por agentes físicos como raios -X ou raios gama não se torna radioativa.
Se você não tem uma planta mutante em casa, com certeza já viu alguma. As mutações em plantas são muito mais comuns do que se possa imaginar. Tanto as mutações naturais como as induzidas são importantes para gerar variabilidade aos vegetais, trazendo benefícios para o avanço da agricultura.
As mutações naturais também ocorrem com alguma frequência nos seres humanos, os ruivos por exemplo, são mutantes. Podemos também citar pessoas mutantes que possuem resistência a alguns vírus, como o da malária e o HIV. Outras mutações podem conferir às pessoas tolerância a baixas temperaturas e até Impossibilidade de se ter colesterol alto.
Já na agricultura, estima-se que o melhoramento de plantas tenha começado há cerca de 9.000 anos. A mutação induzida foi mais uma descoberta incorporada para o kit de ferramentas dos cientistas que trabalham com o melhoramento genético de plantas.
O que é mutação? Ser mutante não é algo ruim
O termo mutação foi introduzido por Hugo de Vries em 1901. E é definida como a mudança permanente e relativamente rara no número ou sequências do DNA. Ele sugeriu a teoria da evolução pela mutação. Segundo ele, a mutação é uma mudança hereditária repentina e tem um papel importante na evolução.
Todos nós já ouvimos que palavras têm significado, mas palavras também têm implicações positivas ou negativas e, a menos que você esteja falando sobre X-Men, a palavra mutante geralmente é vista de maneira negativa. As mutações ocorrem em todos os organismos, algumas são prejudiciais, outras neutras e algumas são realmente desejáveis.
É por isso que é preocupante ver muitos artigos na internet conectando “mutante” e “comida”. Muitas vezes, eles trazem uma imagem sobre o que é mutação associada a alimentos deformados, ou com características não encontradas em plantas. Em outras palavras, fazem associações inexistentes e desinformam o leitor. Parece que os autores usam mutante para chamar sua atenção e causar uma desconfiança geral quanto aos alimentos.
Para não cairmos nessas “fake news” é importante conhecer o DNA, os genes e o que são as mutações.
Primeiramente, todos os organismos vivos possuem DNA (ácido desoxirribonucleico), uma molécula que contém bases nitrogenadas que são representadas pelas letras A, T, G e C. Estão presentes no DNA as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos. Assim, podemos dizer que cada instrução é um gene.
Nesse sentido, os genes são fragmentos específicos de DNA, responsáveis pelas características herdadas geneticamente. Eles são a “receita” para produção de uma proteína que desempenha uma função específica no organismo. Qualquer alteração nessa receita pode resultar em modificações na proteína e consequentemente, em sua função.
Quando há a reprodução e esses genes são multiplicados para outras células, podem ocorrer algumas modificações nessas receitas. As letras podem mudar de posição, serem deletadas ou até adicionadas em duplicata, por exemplo.
Essas pequenas mudanças podem ser toleradas pela célula, porém, o acúmulo delas pode alterar algumas características das plantas, conferindo tolerância a doenças, mudança de cor da flor, ou o tamanho do fruto, até deixar um fruto sem sementes, entre outros.
Todo esse processo é lento e, para ocorrer naturalmente, pode levar algumas gerações reprodutivas das plantas. No entanto, pesquisadores desenvolveram estratégias capazes de induzir essas mutações de forma mais rápida. Assim, é possível avaliar diferentes características e selecionar aquelas que forem interessantes, em um curto espaço de tempo.
Dessa forma, o melhoramento genético vegetal passou a buscar novas características que fossem rentáveis em plantas a partir de mutações identificadas pelos próprios pesquisadores.
Eles entenderam que expondo algumas partes das plantas – como sementes, ou até grãos de pólen – à radiação ou químicos mutagênicos, conseguiriam provocar de forma rápida o aparecimento de mutações. Algumas dessas mutações poderiam ser repassadas aos seus descendentes. Além disso, muitas mutações poderiam ser avaliadas ao mesmo tempo, o que representa uma grande vantagem.
Quando passamos a sequenciar genomas, identificar e isolar os genes para estudos funcionais, o melhoramento genético deu outro grande salto. Com essas e outras tecnologias, se tornou possível a indução de mutação em pontos específicos de um gene.
Inclusive, os cientistas utilizam dessa estratégia para compreender melhor o funcionamento de cada gene. Além do mais, o estudo de mutações também fornece muitas informações sobre o funcionamento dos organismos. Aprendemos muito sobre genética estudando as mutações.
Portanto, nem sempre devemos dar às palavras “mutação” e “mutante” valor negativo. Elas podem ser benéficas de muitas maneiras.
Mutação no melhoramento de plantas
Os meios naturais para induzir a diversidade genética têm sido explorados por milênios para melhorar as safras de alimentos. Mutações naturais ocorrem frequentemente, principalmente em plantas perenes (que ficam anos no campo) e nas plantas que são reproduzidas vegetativamente (que são multiplicadas por mudas e são clones da planta-mãe).
Propagação vegetativa: não é apenas por sementes que se reproduz uma planta
Com isso, os cientistas têm utilizado essas técnicas nos últimos 70 anos objetivando encontrar e ampliar a variabilidade genética das plantas. O estudo e a caracterização de linhagens mutantes é essencial para desenvolver cultivares com características aprimoradas.
Seja de forma natural ou induzida, as mutações são amplamente empregadas no desenvolvimento das cultivares comerciais utilizadas por pequenos, médios e grandes produtores.
Mutações naturais em plantas
Uma mutação genética que ocorre naturalmente, pode causar uma mudança repentina na aparência de uma planta. Exemplos de mutações naturais em plantas que podem ser observados:
- Manchas coloridas em uma flor que normalmente é branca;
- Uma planta com flores únicas pode desenvolver um caule que contém uma flor dupla;
- Mudança na aparência de frutos;
- Mudança na cor das flores;
- Plantas que produzem grãos maiores.
A maioria das mutações naturais é aleatória e resulta de um erro durante a divisão de uma célula da planta. Mas, às vezes, as mutações podem ser desencadeadas por clima frio, flutuações de temperatura ou danos causados por insetos.
Se as mutações ocorrerem em um ponto de crescimento da planta, brotos inteiros podem ser alterados à medida que a célula se multiplica e dá origem a plantas totalmente diferentes da planta-mãe.
Em plantas ornamentais, as mutações são utilizadas como diferencial e agregam valor nos produtos. Por exemplo, uma planta verde que tem pontos brancos em suas folhas, ou que apresenta listras de coloração diferenciada. Essas características são consideradas interessantes e que tornam aquela variedade incomum, chamando bastante atenção dos consumidores.
Nos alimentos, as laranjas de polpa vermelha, por exemplo, são mutantes naturais. Tiveram alterações na sua “receita” e se tornaram diferentes da laranja amarela. Nas laranjas de polpa vermelha, o que pode ter acontecido é que alguns genes pararam de trabalhar com toda força que podiam.
Essa mudança no trabalho dos genes fez com que fosse acumulado pela planta, pigmentos que na variedade amarela eram processados no metabolismo. Esse menor trabalho dos genes provocou a mudança de acúmulo dos carotenoides, alteração da cor da polpa da laranja e trouxe uma maior qualidade nutracêutica para os frutos. Em outras palavras, maior quantidade de compostos benéficos para a saúde.
Outro exemplo de mutação natural, está nas amêndoas. As amêndoas doces, que conhecemos hoje, são mutantes de amêndoas amargas. Os cientistas identificaram no genoma da amêndoa o gene para a amigdalina, uma toxina que deixa as sementes com sabor amargo.
Ao comparar a “receita” para amigdalina entre as plantas de amêndoa doce e amarga, descobriram que no processo de domesticação, a amendoeira “perdeu” três letras que faziam parte do seu genoma. Sem isso, a planta passou a produzir uma proteína diferente da amigdalina e que não possuía sabor amargo.
A mutação nem sempre é visível
Mas, nem sempre é possível observar essas mutações naturais. Além disso, algumas mutações ocorrem em células que não são capazes de transmitir a característica ao descendente e são perdidas. Se formos pensar na “receita”, é como se a troca ocorresse em um ingrediente importante, mas que com outras opções dele, o resultado seria mesmo.
Se em uma receita de bolo é necessário usar dois ovos de galinha e só tivermos ovos de pata para usar, o bolo será feito do mesmo jeito. A alteração do tipo do ovo não vai fazer com que o resultado final não seja alcançado.
Nas mutações podem ocorrer o mesmo. Se uma letra do gene for trocada, mas a proteína gerada não se altera, a mutação não pode ser vista de forma simples.
Apesar das mutações poderem ocorrer de forma natural, a frequência de tais mutações é insuficiente para atender às demandas atuais. Foi então que surgiu a necessidade de se desenvolver técnicas capazes de induzir mutações, para aumentarmos a variabilidade das plantas, gerando novas características de forma mais rápida e que atendam aos desafios da produção de alimentos no mundo.
Mutação induzidas em plantas
Um dos avanços mais importantes na história da genética foi a descoberta de que as mutações podem ser induzidas por mutagênicos físicos e químicos (agentes que alteram o material genético de um organismo).
A indução de mutações tem sido usada desde os anos 1930. Segundo os dados da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), seu amplo uso para melhoria de safra inclui mais de 3 mil variedades mutantes oficialmente produzidas a partir de 228 espécies de plantas diferentes em mais de 73 países em todo o mundo.
Mais de mil variedades mutantes das principais culturas básicas, cultivadas em dezenas de milhões de hectares, foram responsáveis por aumentar a renda rural, melhorar a nutrição humana e contribuir para a segurança alimentar ambientalmente sustentável no mundo.
Um exemplo prático desse método, é um projeto que está sendo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul.
Os pesquisadores estão induzindo mutações em brotos de cana-de-açúcar com um agente químico, para selecionar plantas tolerantes às baixas temperaturas. Além disso, os cientistas buscam plantas produtivas, com qualidade e adaptadas às condições edafoclimáticas da Região Sul do Brasil.
Mas, cultivares de outras espécies já são plantadas e trazem ótimas características de produção e na composição dos produtos. Exemplos de mutação em plantas cultivadas, são:
- Melancias sem sementes
- Tomates resistentes a doenças;
- Canola com óleos mais saudáveis em sua composição;
- Peras resistentes a doenças;
- Algodão tolerante ao calor e desenvolvimento precoce.
Os países onde existem a maioria das cultivares mutantes são a China (807 produtos), o Japão (478 produtos) e a Índia (338 produtos). Segundo os dados da IAEA o continente asiático detém grande parte das cultivares produzidas por mutações, conforme demonstrado na imagem abaixo. O Brasil aparece ao final da lista com 15 produtos registrados.
Quando olhamos com detalhes, a porcentagem de variedades mutantes por melhoramento genético é constituída por:
Técnicas modernas de melhoramento por mutação
As técnicas de melhoramento indutoras de mutações evoluíram e, muitas ferramentas estão sendo desenvolvidas para gerar variabilidade nas plantas. Empregando o melhoramento genético de precisão, já é possível criar mutações de forma pontual, sabendo exatamente quais letras do gene serão alteradas.
A edição genética de precisão nada mais é do que a indução de uma mutação na sequência de um gene específico. Estratégia que só foi possível após os pesquisadores dominarem técnicas que permitiram o sequenciamento, identificação e a manipulação de genes.
Inclusive, o aumento da disponibilidade de informações da sequência do genoma completo para um grande número de culturas permitiu a identificação de genes com maior facilidade e assim aprimorou as técnicas de edição de genoma alvo específica.
Todo esse conhecimento possibilitou o desenvolvimento de variedades de plantas com características desejáveis em uma maneira mais precisa e eficiente do que aquelas abordagens utilizadas nas primeiras décadas de melhoramento por indução de mutações.
A mais famosa dessas técnicas é a de CRISPR, que pode por exemplo ser utilizada para “silenciar” genes. Nesse caso, a mutação é realizada em um local do gene que fará com que ele perca sua função.
Essa técnica já foi inclusive utilizada para desenvolver uma variedade tomate mais adaptada a fazendas urbanas. Três genes da planta foram silenciados. A perda de função desses genes, fez com que a planta de tomate ficasse mais compacta e produzisse frutos em um menor tempo, mantendo uma boa produtividade.
No caso da soja, o silenciamento de dois genes realizados por mutação via CRISPR aumentaram o nível de ácido oleico (gordura boa) de 24% para 80%. Mesmo nível do azeite de oliva extra virgem.
Edição gênica sempre esteve presente na agricultura
As mutações e suas aplicações no melhoramento de plantas são inúmeras. Com isso, é preciso olhar para as mutações direcionadas como forma de aumentar a produtividade das culturas, realizar o desenvolvimento social e garantir alimentação saudável a uma população em constante crescimento.
Principais fontes:
Rasmussen S. K. Molecular Genetics, Genomics, and Biotechnology in Crop Plant Breeding. Agronomy, 2020.
Chaudhary J. Mutation Breeding in Tomato: Advances, Applicability and Challenges. Plants, 2019.