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Cientista brasileira lidera pesquisa por menos plásticos

O gosto pela ciência faz parte do DNA da pesquisadora Henriette Azeredo. “Cresci cercada de pessoas ligadas à ciência, inclusive meus pais”, conta. Se não bastasse, ela foi criada em Viçosa (MG), cidade que gira em torno de uma das principais escolas superiores do país: a Universidade Federal de Viçosa.

Engenheira de alimentos de formação, a decisão de seguir carreira na ciência veio naturalmente. Desde 2001, Henriette integra o corpo de pesquisadores da Embrapa Agroindústria Tropical, onde atua no desenvolvimento de filmes e revestimentos produzidos a partir de compostos renováveis e biodegradáveis, que podem ser usados para substituir o plástico na confecção de embalagens. Em 2020, por conta da importância do trabalho, Henriette foi incluída na lista dos cientistas mais influentes do mundo, elaborada pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. 

Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a CropLife Brasil conversou com a pesquisadora.  

Por que você decidiu atuar em pesquisas focadas em filmes e revestimentos? 

Sempre me interessei pelo desenvolvimento de materiais para aumentar a estabilidade de alimentos. Em 2007, já na Embrapa, tive a oportunidade de passar um ano no Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) como pesquisadora visitante. Lá, comecei a trabalhar com filmes comestíveis usando nanotecnologia para melhorar as propriedades dos materiais. Fiquei encantada pela área e senti que minha carreira deslanchou a partir daí. Minhas publicações passaram a ser mais citadas e a visibilidade da pesquisa aumentou bastante. 

Com quais materiais você trabalha e como são produzidos?

São vários os materiais que usamos, geralmente à base de polissacarídeos (açúcares complexos) ou proteínas. Já trabalhamos com amido, pectina, celulose, hemiceluloses, gelatina, entre outros. Muitas vezes com adição de nanoestruturas de reforço como nanocelulose (partes extremamente pequenas, mas muito resistentes de matéria vegetal) e ativos como a lignina (polímero orgânico complexo que, juntamente com a celulose, compõe a maior parte da madeira das árvores e arbustos). O material tem propriedades antioxidantes e de absorção de luz ultravioleta.

Para produção dos filmes, não existe um protocolo único. A forma de transformar os materiais de partida em uma dispersão filmogênica (a mistura dos componentes que vai depois formar o filme) varia de acordo com a composição química e a estrutura física de cada componente, das interações entre eles.

Mas, depois de produzir uma dispersão filmogênica, os filmes são formados por casting, que consiste em depositar uma camada da dispersão sobre uma superfície. Depois é promovida a secagem com a evaporação do solvente, geralmente água. Na Embrapa Instrumentação, existe um equipamento de casting contínuo (semi-industrial), que facilita o escalonamento desse tipo de processo.

Qual a importância desses novos materiais?

A importância principal se refere ao menor impacto ambiental desses materiais, já que eles são de fontes renováveis, ou seja, não dependentes de fontes fósseis, como petróleo. E também são biodegradáveis, não geram lixo persistente no ambiente.

Nós procuramos aliar isso a outras possibilidades, como o apelo sensorial, no caso dos filmes comestíveis, e o funcional, no caso de materiais que tenham propriedades ativas: antimicrobianas, antioxidantes, absorvedoras de luz UV (ultravioleta).

Quais são os desafios dessa linha de pesquisa?

O desafio é conseguir que esses materiais tenham um desempenho físico-mecânico comparável ao dos plásticos convencionais que são derivados de petróleo. Precisamos de muita pesquisa para alcançar isso sem comprometer a biodegradabilidade.

Entre as últimas pesquisas, destaco o desenvolvimento de filmes comestíveis e snacks contendo bactérias probióticas, benéficas à saúde. As bactérias, além de seus benefícios à saúde do consumidor, ainda são capazes de melhorar as propriedades mecânicas de alguns filmes, o que, para nós, foi uma surpresa agradável.

Já há produção em escala? 

Não, os filmes comestíveis ainda não são produzidos em escala no Brasil, embora já sejam no exterior. Aqui, as empresas tipicamente se mostram reticentes em apostar em tecnologias novas. Mas já conversamos com algumas delas, que mostraram interesse em nossas pesquisas. Acredito que é uma questão de (pouco) tempo, e que a aceitação será alta.

Quais são as principais contribuições dessa linha de pesquisa para o agronegócio?

Nossos processos são focados em contribuir para a bioeconomia circular e para a promoção de processos em contexto de biorrefinaria. Nossas matérias-primas são renováveis, procuramos usá-las de modo mais integral possível para minimizar perdas. Esses filmes produzidos, de alguma forma, serão novamente convertidos a moléculas a serem incorporadas ao meio ambiente não na forma de lixo persistente, mas de nutrientes e energia.

O que representa ser uma mulher cientista e estar entre os mais influentes do mundo?

Na minha profissão nunca me senti discriminada por ser mulher. Embora, num contexto geral/pessoal fora da profissão, já tenha sido alvo de comentários que soaram como: “Fique quieta, você é uma mulher!”  Lamento por ainda existir esse tipo de mentalidade. 

Quanto a ser “uma das cientistas mais influentes do mundo”, não acho que o rótulo me caiba. Minha pesquisa é bastante citada o que é um dos fatores que determinam “ser influente”, mas não o único, talvez nem o principal. Existem vários cientistas muito mais brilhantes e influentes que eu, mas que, por não atenderem aos critérios estabelecidos nas métricas definidas nas listas de “mais citados/influentes”, não tiveram seus nomes listados.  

De qualquer forma, fico muito lisonjeada com o reconhecimento, porque não é fácil trabalhar com ciência. Ser cientista significa ser estudante eternamente, porque a ciência é muito dinâmica. Quando você sai de férias, na volta já pode estar desatualizado, o que é frustrante. Por outro lado, é recompensador pensar que o conhecimento que você está gerando vai fazer alguma diferença no mundo, por menor que seja.   

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