Cannabis, a planta que vem desde a antiguidade servindo de remédio para muitas doenças
A Cannabis, gênero de plantas medicinais, recreativas e de fonte de fibras, compreende uma única espécie, Cannabis sativa, uma erva anual robusta, aromática e ereta que se originou na Ásia Central e agora é cultivada em todo o mundo.
A variedade mais conhecida da Cannabis tem o nome popular de maconha, e seu cultivo e utilização é ilegal em muitos locais do mundo. Porém, o uso de outra variação da planta, o cânhamo, serve de extrato para medicamentos e o uso na indústria.
Cannabis, a planta atualmente controversa, mas que é medicinal há séculos
A maconha tem sido usada como remédio e uma forma de alcançar a euforia desde os tempos antigos por chineses, indianos, egípcios, árabes, gregos e romanos, muito antes de chegar às Américas. Esses povos ainda trabalharam para selecionar variedades de cânhamo com níveis mais elevados de tetrahidrocanabinol (THC) para uso em cerimônias religiosas ou práticas de cura.
O tetrahidrocanabinol ou THC, é a substância química responsável pelos efeitos da maconha no organismo.
A primeira referência ao seu uso está em um manual médico chinês que remonta a cerca de 2700 a.C. A lenda chinesa afirma que sua utilidade no tratamento de reumatismo, gota, malária e, curiosamente, distração, foi documentada pelo imperador chinês Shen Nung- conhecido como o Pai da Medicina Chinesa.
Em 1.000 a.C., os hindus criaram uma bebida chamada bhang, uma mistura de maconha, leite e outros ingredientes, e a usavam como anestésico ou para recreação. Se tornou uma parte fundamental da cultura indiana e está associado ao Lorde Shiva, uma divindade importante para a Índia. Hoje em dia, essa bebida continua a fazer parte da cultura desse povo.
Os devotos indianos bebem bhang na tentativa de imitar o caminho da salvação, já que eles acreditam que Shiva usou o bhang para se concentrar interiormente e aproveitar seus poderes divinos para o bem do mundo.
Os hindus antigos também podem ter usado a Cannabis como uma suposta cura para a lepra e a disenteria, bem como para tratar a febre, estimular o sono e melhorar o julgamento e a cognição. Também foi pensado para prolongar a vida. Um papiro egípcio de cerca de 1500 a.C. menciona a Cannabis como uma forma útil de tratar a inflamação.
Uso da maconha por árabes, gregos, romanos e sua chegada nas Américas
No mundo árabe, referências ao haxixe começaram a aparecer entre 800 d.C. e 1000 d.C. Os árabes usavam a Cannabis para controlar enxaquecas, dores e sífilis. Também nessa época os cientistas começaram a estudar os efeitos intoxicantes causados pela planta.
Já os muçulmanos usavam maconha para fins recreativos, principalmente porque o consumo de álcool foi proibido pelo Alcorão, mas a maconha não.
Os antigos gregos usavam a Cannabis para conter inflamações, dores de ouvido e inchaço. Em seus relatos, o historiador grego Heródoto descreveu a Cannabis como um produto sendo fumado para fins espirituais, emocionais e, às vezes, recreativos. Ele mencionou a existência de grupos se reunindo e fumando, afirmando que as pessoas que fumavam maconha “uivavam de prazer”.
Em 70 d.C., textos médicos romanos apresentavam a planta como uma ferramenta para o tratamento da dor de ouvido e como uma forma de suprimir o desejo sexual. Os romanos também ferviam as raízes da planta e as usavam no tratamento para gota, artrite e dores generalizadas.
Nas Américas, a Cannabis foi trazida pelos espanhóis, em meados dos anos 1500. Eles pretendiam cultivar essa planta para o cânhamo – fibras fortes que poderiam ser usadas para roupas, bolsas e, principalmente, para o cordame de navios. No entanto, quando os navios a vapor começaram a substituir os navios à vela no final dos anos 1800, a necessidade de cânhamo começou a diminuir.
A Cannabis aparecia como ingrediente em muitos medicamentos patenteados da época, mas era uma pequena porcentagem. A maconha foi listada na Farmacopéia dos Estados Unidos de 1850 a 1941 e foi prescrita para várias condições, incluindo dores de parto, náuseas e reumatismo.
Mas então, por que a maconha se tornou ilegal?
A Cannabis, assim como os opiáceos e a cocaína, estava disponível gratuitamente nas farmácias na forma líquida e como produto refinado, o haxixe. A Cannabis também era um ingrediente comum em medicamentos patenteados na virada do século.
Naquela época, como agora, era difícil distinguir claramente entre o uso medicinal e o uso recreativo de um produto cujo objetivo era fazer alguém se sentir bem. Em 1862, por exemplo, a revista Vanity Fair anunciava um doce de maconha como um tratamento para o nervosismo e melancolia, “também era um estimulante agradável e inofensivo”, explicava o anúncio.
Mas a prática de fumar maconha em cigarros ou cachimbos era amplamente desconhecida nos Estados Unidos, até que foi introduzida por imigrantes mexicanos durante as primeiras décadas do século XX. Essa introdução, por sua vez, gerou uma reação de revolta nos líderes políticos dos Estados Unidos.
Logo depois de 1910, legisladores europeus e americanos começaram a banir o uso de drogas, como a cocaína, o ópio e a maconha em qualquer produto industrializado e também o uso recreativo. Primeiro, houve uma Convenção do Ópio em 1912 e a Lei Harrison de 1914 que, pela primeira vez, definiu o uso de Cannabis e outras drogas como crime. Em 1925, a Cannabis foi proibida ou restrita em treze países, incluindo os Estados Unidos.
Ao longo do século 20, uma série de obstáculos restringiu o uso da Cannabis, principalmente nos Estados Unidos. Essas medidas sucessivas foram a Lei de Imposto sobre a Maconha em 1937; a remoção da Cannabis da farmacopeia americana alguns anos depois; e a Convenção Única das Nações Unidas sobre Entorpecentes de 1961, que colocou a Cannabis sob o regime de controle mais estrito, junto com a heroína.
A Idade de Ouro da Cannabis terminou por definitivo em 1970, quando foi declarada uma droga de Classe 1 nos EUA, limitando, inclusive, a pesquisa sobre os efeitos da cannabis. Atualmente, a pesquisa, o uso medicinal e recreativo é autorizado em alguns estados do país.
Maconha e cânhamo: conheça as diferenças
Para entender melhor a diferença entre o cânhamo e a maconha, precisamos conhecer alguns conceitos. O termo Cannabis se refere especificamente ao gênero da planta, ou seja, tanto a maconha, quanto o cânhamo são Cannabis. Além disso, são pertencentes da mesma espécie, a Cannabis sativa.
Há muitas variedades diferentes de Cannabis. Apesar de tanto o cânhamo (Cannabis sativa subespécie ruderalis) quanto a maconha (Cannabis sativa subespécie sativa) serem variedades da Cannabis, as plantas foram selecionadas para usos distintos, e podem ser diferenciadas de acordo com a sua composição química e genética.
A principal diferença entre as duas variedades são os níveis de tetrahidrocanabinol (THC) – a substância química da maconha que deixa as pessoas alteradas. O cânhamo praticamente não tem vestígios de THC (0,3%), enquanto a maconha tem cerca de 10%; algumas variedades de maconha podem ter até 27% de THC.
Existem também diferenças no sistema de cultivo do cânhamo, em relação a maconha. As formas de produção entre as variedades de Cannabis mudam em relação ao cultivo, inclusive no que diz respeito à altura da planta, densidade e época da colheita.
Enquanto a maconha é cultivada para promover o desenvolvimento das flores e folhas das variedades psicoativas da Cannabis, com teores elevados de THC, o cânhamo é cultivado conforme o objetivo da colheita: como fibra, semente ou flor.
O cânhamo é cultivado para utilização na manufatura de diversos tipos de produtos, incluindo alimentos e bebidas, produtos de higiene pessoal, suplementos nutricionais, tecidos e materiais têxteis, papel e materiais de construção, entre outros produtos industriais e manufaturados.
Além disso, vários medicamentos à base de cânhamo, de forma purificada e padronizados, foram disponibilizados para uso médico. Nos últimos anos, o cânhamo e produtos com componentes de Cannabis são um dos assuntos que mais têm se estudado na área da saúde.
Muitos países agora estão permitindo o uso medicinal da Cannabis para tratar várias doenças, incluindo dor crônica, câncer e esclerose múltipla. A Cannabis em si tem mais de 100 componentes ativos. O menos controverso é o extrato da planta de cânhamo conhecido como CBD (canabidiol) porque esse componente tem poucas propriedades intoxicantes.
Como está regulamentado o uso da Cannabis no Brasil e no mundo?
A Cannabis recreativa foi descriminalizada em muitos países, mesmo que ainda não tenha se tornado totalmente legal. Isso significa que os governos pararam de tratar o uso, posse e venda da droga, em algum nível, como um crime pelo qual você pode ir para a prisão.
Nos EUA, muitos estados não consideram crime o porte de maconha. Em todo o mundo, países como Colômbia e Chile, bem como países na Europa e Jamaica também descriminalizaram a maconha em alguma escala.
Além do uso recreativo, o uso terapêutico da Cannabis, em muitos países, tem se mostrado bastante eficaz. Porém, a desinformação e o preconceito fazem com que muitos países ainda relutem para a liberação da maconha medicinal.
No entanto, na última Assembleia Geral da ONU sobre as drogas, uma comissão das Nações Unidas votou, em dezembro de 2020, para remover a Cannabis para fins medicinais da categoria de drogas mais perigosas do mundo. Uma decisão muito esperada que poderá abrir caminho para a expansão da pesquisa e do uso medicinal da planta.
Algumas pesquisas sugeriram que o CBD (presente no cânhamo) possa proteger o sistema nervoso e proporcionar alívio de convulsões, dores, ansiedade e inflamação. A lista de produtos com infusão de CBD – incluindo cremes, soros, água com gás e sucos – também está se expandindo rapidamente.
A maconha para uso medicinal explodiu nos últimos anos e produtos contendo derivados de Cannabis como CBD, inundaram a indústria do bem-estar. Uma empresa de investimentos e serviços financeiros (Cowen), estima que a indústria de CBD nos Estados Unidos valerá US $ 16 bilhões até 2025.
Uso medicinal no Brasil
A agência reguladora responsável pelos medicamentos no Brasil é a ANVISA, portanto também é responsável pelos produtos de Cannabis para fins medicinais, a única finalidade permitida além de fins científicos.
A partir de janeiro de 2020, a ANVISA regulamentou a importação direta pelo paciente de produtos à base de canabidiol. Mas para isso, a ANVISA precisa emitir uma autorização sanitária para as atividades de compra, venda, prescrição e o monitoramento dos produtos à base de Cannabis.
Ainda existem discussões sobre qual órgão pode regular o cultivo de Cannabis para fins terapêuticos, se é a ANVISA ou o MAPA. Uma Resolução da ANVISA que regulamenta o cultivo de Cannabis para fins medicinais foi votada, mas não aprovada, especialmente com base no argumento de que a ANVISA por si só, não tem poder regulatório para divulgar tais regras. A expectativa é que o MAPA regulamente o assunto em breve.
Principais fontes:
World Law Grup, Global Report on Cannabis Policy, 2020. Disponível em: https://www.theworldlawgroup.com/writable/documents/news/10.29.2020-Final-Cannabis-Guide.pdf. Acesso em 20 dezembro de 2020.
Crocq M A, History of cannabis and the endocannabinoid system. Dialogues in clinical neuroscience, 2020.
Johnson N., American Weed: A History of Cannabis Cultivation in the United States. EchoGéo. 2019.