A produção agrícola e a conservação da água
Dentro da produção agrícola, o uso da água sempre foi uma questão de grande importância no cultivo de qualquer planta. Por isso, há muitos anos tem-se investido em tecnologias e infraestruturas hídricas capazes de atender à demanda da lavoura sem que haja desperdício desse recurso, que é sinônimo de vida e altamente suscetível às variações climáticas.
Água e agricultura
A água esteve presente desde os primórdios da agricultura, onde a chuva era a principal fonte. De fato, em regiões com características físico-climáticas mais favoráveis, onde as estações eram bem estabelecidas, as chuvas supriam a necessidade das culturas.
No entanto, a prática de irrigação sempre se fez necessária em regiões secas, mas que contavam com a presença de rios a uma certa proximidade. Tal necessidade possibilitou que as antigas civilizações desenvolvessem os primeiros sistemas de irrigação e prosperassem, como o que foi observado no Egito e Mesopotâmia.
Desde então, foram sendo desenvolvidos meios de extrair e direcionar água para os campos de forma a aumentar a produção. No entanto, o uso da água sem devido conhecimento acarreta numa agricultura insustentável.
Sistema de irrigação no Brasil
No Brasil, a irrigação teve início nos primórdios de 1900 para a produção de arroz no Rio Grande do Sul. A expressiva intensificação da atividade em outras regiões do país ocorreu a partir das décadas de 1970 e 1980.
A expansão da agricultura no país só foi possível graças ao emprego da irrigação, principalmente naquelas regiões afetadas pela escassez contínua do recurso hídrico, como no semiárido brasileiro, que necessita de irrigação constante. No entanto, em regiões afetadas pela falta de água em períodos específicos do ano, como na região central do País, foram necessárias práticas de irrigação suplementares nos meses de seca.
Embora esse crescimento da atividade agrícola resulte em aumento do uso da água, os sistemas de irrigação, quando bem empregados, resultam em benefícios ao meio ambiente, produtores e consumidores. Isso porque essa tecnologia aumenta a produtividade, reduz custos unitários e otimiza o uso de insumos e equipamentos.
De qualquer forma, a irrigação se fez necessária para o aumento e a estabilidade da oferta de alimentos e consequente aumento da segurança alimentar e nutricional da população brasileira. Talvez você não saiba, mas a cebola, a batata, o alho, as frutas e muitas verduras, presentes na sua casa, são produzidas usando tecnologias de irrigação.
Vale lembrar que todo sistema de irrigação, deve ser autorizado pelo governo e deve estar de acordo com o uso racional da água, exigências legais e instrumentos de gestão. Deve priorizar a sustentabilidade da atividade, o aumento da eficiência e a consequente redução do desperdício.
Dessa forma, disponibilizar sistemas de irrigação de qualidade também devem fazer parte de iniciativas governamentais. Acompanhamos esse fato em Bangladesh, onde, por meio de políticas públicas, se buscou desenvolver e distribuir tecnologias de irrigação adequadas para pequenos agricultores que passaram a ter controle de recursos hídricos.
Avanços e desafios no uso da água
A modernização da agricultura fez da captação e utilização de recursos hídricos, elementos chave para a expansão sustentável da lavoura e aumento de produtividade. Não por acaso, foi tema central de discussões e parcerias entre governos, universidades e indústrias que resultaram em melhorias eficientes de legislação e tecnologias para o melhor uso da água.
Mesmo assim, grande parte da água utilizada pela agricultura ainda é perdida, seja no transporte ou no excesso que retorna ao ambiente por meio do escoamento dos campos e que também pode afetar a fertilidade do solo. No entanto, são oportunidades a serem exploradas e resolvidas com o emprego de novas tecnologias e estratégias adequadas de irrigação.
Outra importante questão com relação à disponibilidade da água é o aquecimento global. Pesquisas recentes têm mostrado que se a terra aquecer em três graus Celsius, os períodos de seca serão mais intensos e duradouros.
Nesse sentido, para minimizar os danos das mudanças climáticas, os pesquisadores têm desenvolvido soluções tecnológicas para driblar o desafio do consumo de água, como por exemplo plantas geneticamente modificadas resistentes a estresses abióticos, como a salinidade e a falta de água, além de sistemas de monitoramento característicos da agricultura digital.
O que a agricultura digital está mudando no cenário do agro
Cultura do milho: melhoramento genético supera os desafios da lavoura
Tudo isso em uma situação em que a demanda por água no mundo é crescente. No Brasil, um estudo da ANA – Agência Nacional de Águas – revelou aumento de quase 80% no consumo de água e estima-se que até 2030 a retirada de água de rios e poços cresça mais 24%. Para saber mais sobre esses e outros dados acesse: Qualidade da água: o impacto do agro na água que bebemos
Atual situação da produção agrícola
A produção agrícola é responsável por usar cerca de 70% de toda água consumida globalmente. No Brasil, a distribuição do consumo de água segue a média global, em que 70% dos recursos hídricos são utilizados pela agropecuária. No entanto, esse valor pode ser ainda maior, caso sejam considerados apenas os países subdesenvolvidos.
Sistemas modernos de irrigação estão em cerca de 20% de toda área cultivada no mundo. Reflexo do baixo acesso às inovações tecnológicas nos países mais pobres. No entanto, mesmo em tão baixa quantidade, a produção agrícola em sistema irrigado contribui com 40% do total de alimentos produzidos em todo o mundo. Isso porque, a produtividade em sistema irrigado é pelo menos 2,3 vezes maior do que a das áreas de sistema não irrigado.
A agricultura irrigada consegue proporcionar estabilidade na produção e tem a capacidade de aumentá-la, como é o caso da soja em que a diferença de produtividade pode chegar a 20 sacas (cada saca tem 60 kg).
Caso não houvesse o sistema irrigado, seria necessário aumentar em pelo menos 20% a área plantada para produzir a mesma quantidade de alimentos que é produzida hoje. Com isso, fica evidente a importância ambiental desse sistema de produção.
Nesse sentido, é importante o trabalho conjunto de governos, pesquisadores, engenheiros e agricultores para modernizar e expandir os seus sistemas de irrigação. O intuito é que os cultivos agrícolas sejam cada vez mais produtivos e menos prejudiciais ao meio ambiente.
De fato, a FAO estima que as terras irrigadas nos países em desenvolvimento aumentem em 34% até 2030. Mesmo com a implementação dessa tecnologia e com melhoria das práticas e gestão da irrigação, o consumo de água terá um aumento de apenas 14%.
Aumento da produção agrícola com menor uso da água
Uma agricultura sustentável deve ser estruturada para coletar, armazenar e liberar água no meio ambiente de forma eficiente. O gerenciamento adequado da água de irrigação nos países produtores de alimentos também é importante para melhorar a competitividade e lucratividade dos agricultores.
Nos últimos 50 anos, a produção agrícola mundial cresceu entre 2,5 e 3 vezes no período, enquanto a área cultivada cresceu apenas 12%. Esse aumento na produção de alimentos veio de áreas irrigadas e cultivares melhoradas geneticamente, mostrando que a agricultura mecanizada, a irrigação intensiva e o uso de insumos contribuíram para atender às crescentes demandas por alimentos e fibras de forma sustentável.
O manejo integrado de pragas é parte essencial da agricultura moderna
Além do emprego de novas tecnologias, é importante que haja conscientização no cultivo. Onde as culturas sejam adequadas ao local e capazes de obter o máximo de benefício da água disponível naquela região.
Existem casos em que a troca de cultura, ou até mesmo da variedade melhorada, permitem o aumento da produção com uma redução de quase metade da água que seria necessária no ciclo da cultura em ambientes não favoráveis.
Diferentes estratégias para melhor utilizar os recursos hídricos
O reflexo de um bom uso de recursos hídricos pode ser observado nas lavouras de algodão da Austrália. Atualmente, o país é o quarto maior exportador de algodão no mundo, no entanto para alcançar essa posição teve que enfrentar um grande desafio de disponibilidade de água para irrigação.
Adotando melhores práticas de manejo e novas variedades dessa planta, os agricultores australianos conseguiram, dentro de dez anos, reduzir quase que pela metade o uso de água necessária para produção de um fardo de algodão (217,72 kg). Proporcionando um aumento de 126% na produção de algodão, com aumento de apenas 50% de área semeada.
Também foi visto que na Índia o algodão poderia ser produzido com menos água com a troca do sistema convencional de irrigação pelo sistema de irrigação por gotejamento, que é de baixo custo e chega a economizar 80% da água.
No Brasil, a Embrapa aprimorou o método de irrigação por inundação contínua, na lavoura de arroz, em terras gaúchas. O novo sistema de plantio, utiliza menos água e otimiza o desenvolvimento de cultivares de ciclo biológico curto, proporcionando ganhos de produtividade sem comprometer o ambiente.
No entanto, em alguns casos a substituição da cultura pode ser uma ótima solução. Por exemplo, na bacia do rio Níger o cultivo de arroz na estação seca é muito vulnerável. Caso fosse trocado pelo cultivo de trigo seria possível reduzir de 20 a 40% o consumo de água, enquanto ainda produziria uma safra de valor comercial e alimentar.
Melhoramento genético para obtenção de plantas mais eficientes
O menor consumo de água, também pode ser obtido pelo melhoramento genético. Apesar dos mecanismos de tolerância a seca, em plantas, serem de difícil manipulação e fazerem parte de diferentes processos fisiológicos, pesquisadores da Universidade Federal do Alagoas (UFAL) desenvolveram uma variedade de cana-de-açúcar tolerante à seca que é recomendada para o plantio em extensas partes da região nordeste do Brasil.
Tolerância à seca na cana-de-açúcar: desafio que está sendo driblado
Além disso, a identificação de genes que possam ser utilizados para melhorar a eficiência da fotossíntese também é uma estratégia interessante para o desenvolvimento de plantas tolerantes a seca. Plantas de alta eficiência fotossintética produzem mais sem a necessidade de aumento de área plantada.
Um desses genes é o responsável pela produção da proteína PsbS, que provoca o fechamento dos estômatos – poros microscópicos que controlam a respiração das plantas. Controlar geneticamente o fechamento dos estômatos poderia diminuir a perda de água da planta.
Nesse sentido, a biotecnologia se soma a outros esforços, podendo colaborar de forma significativa para a economia de água na agricultura e também a enfrentar os desafios que as mudanças climáticas poderão trazer para a produção de alimentos no mundo.
Principais fontes:
FAO. Water. Disponível em: http://www.fao.org/water/en/. Acesso em: 05/08/2020.
Kelly, J. Public Agricultural Research and Development in an Era of Transformation: The Challenge of Agri-Food System Innovation. CGIAR Independent Science and Partnership Council (ISPC) Secretariat and Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), 2019.
WWF. Thirsty Crops. Our food and clothes: eating up nature and wearing out the environment. Disponível em: https://wwfeu.awsassets.panda.org/downloads/wwfbookletthirstycrops.pdf. Acesso em: 05/08/2020.