Edição genética e os organismos não-OGMs

Edição genética, descubra quando um organismo desenvolvido por biotecnologia moderna deve ser considerado um não-OGM.

O melhoramento genético de plantas segue sendo aprimorado. A mais recente estratégia desenvolvida para esse fim é a edição genética de alta precisão – caso em que o genoma da planta é modificado por técnicas de biologia molecular sem que haja, necessariamente, a integração de qualquer base nitrogenada exógena (DNA).

A técnica mais importante é o CRISPR “Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas” (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), sua relevância resultou no prêmio Nobel de química (2020) para as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pela descoberta e desenvolvimento dessa ferramenta.

O fato dessa técnica permitir a edição do genoma sem que haja a integração de um novo material genético levantou questões sobre os organismos editados serem ou não considerados um Organismo Geneticamente Modificado (OGM). Com isso, muitos países passaram a regulamentar os produtos geneticamente editados por um processo diferenciado ao daqueles a que os OGMs são submetidos. Neste texto você irá conhecer como essas discussões afetam a aprovação e a comercialização de produtos que empregam ferramentas da biotecnologia.

A biossegurança também deve garantir o processo de inovação

Desde que a manipulação do material genético por técnicas de biologia molecular (biotecnologia moderna) se tornou possível (década de 1970), uma série de discussões sobre a segurança dessas ferramentas começaram a ocorrer para a promoção e o desenvolvimento seguro da biotecnologia moderna. Com isso, foram constituídos acordos internacionais e normas de biossegurança que estabelecem como, quando e onde a biotecnologia moderna pode ser aplicada. As primeiras normas para o trabalho seguro com a manipulação genética são de 1976.

No entanto, o intenso desenvolvimento da biotecnologia moderna proporcionou o aprimoramento de novas ferramentas e aplicações. Tais avanços também implicam em uma constante atualização das regulamentações de biossegurança. Afinal, quando alguns critérios acabam se tornando incompatíveis com os avanços científicos e tecnológicos, a inovação pode ser impedida de avançar.

“A capacidade de inovar assume papel central na definição do sucesso ou insucesso de empresas, instituições ou nações. Inovar é gerar, produzir e explorar, economicamente e com sucesso, novas ideias e conceitos.” (Dra Maria L. Z. Dagli – Presidente Substituta da CTNBio/MCTI de 2014 a 2020 – Citação do Livro CTNBio 25 anos)

No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) faz o papel de possibilitar o avanço da inovação ao estabelecer regras, acompanhar o desenvolvimento, avaliar os riscos e revisar regras e procedimentos de acordo com os progressos da ciência. Composta por cientistas com especialidades na área da ciência vegetal, ambiental da saúde animal e humana, a CTNBio trabalha na revisão de normas e tomadas decisões com elevado rigor científico para garantir a Biossegurança dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Pela CTNBio já foram considerados de uso comercial seguro mais de 200 produtos derivados da biotecnologia moderna.

Regulamentação da biotecnologia garante segurança durante o desenvolvimento e uso dos produtos biotecnológicos

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Nesse sentido, a Resolução Normativa 16 (RN16), publicada em janeiro de 2018, representa uma importante complementariedade da Lei de Biossegurança 11.105/2005 e promove, de forma segura, a edição genética empregando novas técnicas. A RN16 normatiza a consulta sobre produtos editados geneticamente por Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (conhecidas como TIMPs), possibilitando que um produto possa ser considerado um organismo não-OGM – o que diminui o custo e tempo de desenvolvimento e aprovação de um produto desenvolvido por técnicas de biologia molecular.

Lei de Biossegurança – 25 anos protegendo o meio ambiente e a saúde humana e animal

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Como assim um organismo não-OGM desenvolvido por biotecnologia moderna?

Uma característica bastante assertiva presente em procedimentos regulatórios de países como Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China e Japão é a análise caso a caso de cada produto advindo da biotecnologia moderna. Esse tipo de avaliação estuda todo o processo de desenvolvimento e as características finais do produto.

Anteriormente às TIMPs, havia duas principais situações para produtos desenvolvidos por biotecnologia moderna: ser classificado como OGM ou ser classificado como um OGM “transgênico” (quando é incorporado no genoma de uma espécie material genético de espécies que não são compatíveis sexualmente [um transgene]). Em ambos os casos o produto final teve incorporado ao seu genoma, material genético de outros organismos. Esse material genético pode ter como origem uma espécie compatível sexualmente (nesse caso ele será considerado OGM) ou uma espécie não compatível sexualmente (considerado um OGM transgênico).

No entanto, algumas das novas ferramentas da biotecnologia possibilitam a manipulação do material genético de organismos sem que haja a incorporação de novo material genético no genoma do produto final. É o caso da tecnologia CRISPR, que a depender de como é utilizada não introduzirá nenhum material genético no organismo que está sendo modificado.

Nesses casos, o produto final se assemelha aqueles gerados por mutações induzidas – adotadas desde a década de 1930 e não consideradas modificações que resultam em um OGM.

Por isso a importância de se avaliar caso a caso cada produto desenvolvido pela biotecnologia moderna. De qualquer forma a decisão sobre um produto não ser um OGM, ser um OGM ou um transgênico é tomada com base em um dossiê científico elaborado pela instituição ou empresa requerente e nas informações presentes nos relatórios de atividade daquele laboratório.

Infográfico mostrando estratégias de melhoramento genético utilizando a biotecnologia, diferenciando produtos OGM, transgênicos e não OGM

Os produtos da biotecnologia que não são OGMs

Até agosto de 2022, foram submetidas consultas à CTNBio baseadas na RN16 e foram aprovados 32 produtos como não-OGMs. Ou seja, pesquisadores da CTNBio entenderam que, mesmo submetidos a ferramentas da biotecnologia moderna, tais produtos não incorporaram qualquer tipo de material genético exógeno em seu genoma.

Produtos como leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae desenvolvidas por TIMPs para produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel) lideram a lista de não-OGMs, são pelo menos 11 cepas dessa levedura melhoradas para esse fim. As plantas aparecem logo em seguida com 6 produtos desenvolvidos por edição genética: 3 cana-de-açúcar também destinadas à produção de biocombustíveis; 2 soja, uma com característica de tolerância à seca e outra com teor de óleo melhorado – ambas destinadas a produção de alimentos; 1 milho com maior teor de amido e destinado à produção de ração.

Entre os animais desenvolvidos por TIMPs e aprovados como não-OGMs estão 1 inseto que será utilizado para controle populacional de mosquitos; 1 peixe e 1 touro que foram melhorados geneticamente para apresentar maior produção de carne. Esses são apenas alguns dos produtos já avaliados pela CTNBio. Existem também outras tecnologias, inclusive algumas que complementarão as ferramentas de defesa contra doenças e pragas – como por exemplo vacinas para animais e microrganismos para controle biológico e outros para fixação de nitrogênio (inoculantes).

Infográfico mostrando o uso de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMPs) aprovadas como não OGM

Regulamentação baseada em ciência abre o caminho para sustentabilidade

As novas tecnologias aprovadas pela CTNBio são de grande importância para o desenvolvimento sustentável do Brasil, favorecem o surgimento de novas empresas brasileiras e a bioeconomia – caracterizada pela utilização de produtos renováveis. Uma vez que, muitos desses produtos terão impacto positivo no melhor uso dos recursos naturais e até mesmo no combate ao aquecimento global.

Por exemplo, a produção de etanol (biocombustível) tem dois principais pontos críticos: a capacidade de fermentação de leveduras e o tipo de biomassa produzido pela cana-de-açúcar. É a levedura que converte a sacarose da cana-de-açúcar em etanol. A indústria brasileira de etanol tem em média rendimentos teóricos por volta de 92% de conversão. Um aumento de 1% no rendimento de etanol poderá elevar em mais de 250 milhões de litros a quantidade de etanol produzido anualmente no Brasil a partir da mesma massa de cana. Esse crescimento já é observado com o emprego de leveduras e cana-de-açúcar editadas geneticamente.

Aumentos no rendimento na conversão de sacarose em etanol trazem um ganho ao meio ambiente porque uma mesma quantidade de etanol pode ser produzida em uma menor área de plantio de cana-de-açúcar. De forma geral, praticamente todos os produtos aprovados como não-OGM, terão um impacto semelhante, seja na produção de biocombustíveis ou alimentos.

Acelerando o processo de melhoramento genético dos organismos, mais tecnologias modernas serão desenvolvidas e entregues para a sociedade. Com isso, as novas ferramentas da biotecnologia moderna (TIMPs) representam uma inovação crítica para os setores de saúde, agrícola e energia para o avanço do desenvolvimento sustentável do Brasil.

Principais fontes

Aguilar, A., Twardowski, T., e Wohlgemuth, R. Bioeconomy for Sustainable Development. Biotechnol journal, 2019.

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (Brasil). CTNBio 25 anos. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, 2021.

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio): http://ctnbio.mctic.gov.br/inicio. Acesso em 15/08/2022.

Javed, M. R., et al. Current situation of biofuel production and its enhancement by CRISPR/Cas9-mediated genome engineering of microbial cells. Microbiological Research, 2019.

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