Conceitos
Biotecnologia Bt: uma solução para o controle de insetos pragas
A biotecnologia compreende técnicas que permitem a manipulação de organismos vivos para fabricar ou modificar produtos. Ou seja, desde que utilizamos microrganismos para fermentar pães e outros alimentos, estamos fazendo uso da biotecnologia.
As descobertas de Gregor Mendel (1866) sobre a transferência de características entre os organismos vivos pela reprodução sexuada, o descobrimento da estrutura do DNA por Watson e Crick em 1953 e o desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante em 1972 pelo pesquisador Paul Berg, fazem parte da modernização da biotecnologia.
A biotecnologia moderna trouxe então novas técnicas que permitem o acesso ao código genético e a transferência de genes de um organismo para outro de forma controlada e precisa. Uma das tecnologias mais importantes, fruto dessas técnicas são as plantas Bt ou biotecnologia Bt, como também são denominadas.
A biotecnologia Bt
A biotecnologia Bt surgiu com o estudo da bactéria Bacillus thurigiensis (Bt), um microrganismo naturalmente encontrado no solo. Essa bactéria possui em seu DNA genes que codificam proteínas inseticidas, conhecidas como cristais Bt ou proteínas Bt.
A fonte da biotecnologia Bt são os genes
O Bacillus thuringiensis é um importante agente de controle de pragas que vem contribuindo com o desenvolvimento de tecnologias, desde sua adoção como biopesticida.
Bacillus thuringiensis é uma bactéria Gram positiva, aeróbica e esporulada pertencente à família Bacillaceae. Encontrado nos mais diversos ambientes, o microrganismo foi isolado pela primeira vez em 1901, a partir do bicho da seda, e descrito com a nomenclatura atual em 1911. Os primeiros cultivos controlados da bactéria foram obtidos em 1942 e posteriormente, em 1956, foi demonstrado que a inclusão proteica cristalina formada durante a esporulação é a responsável por sua ação inseticida. Estas proteínas foram então denominadas delta–endotoxinas ou proteínas Cry (do inglês Crystal) e passaram a ser utilizadas como produto para pulverização, colocando o B. thuringiensis em posição de destaque no que se refere ao controle de insetos-praga na agricultura
Existem diferentes isolados de B. thurigiensis, cada um capaz de produzir diferentes tipos de cristais com ação específica para um grupo de insetos. Com isso, pesquisadores passaram a estudar e caracterizar os genes responsáveis por produzir esses cristais de proteínas com ação tóxica e assim entender como cada proteína funciona.
Desde que o primeiro gene de uma proteína Bt foi sequenciado em 1981, 993 genes que codificam toxinas Bt foram identificados, incluindo 801 genes Cry, 40 genes Cyt e 152 genes Vip.
As proteínas da família Cry são as mais conhecidas, centenas já foram identificadas. Dada a importância dessas toxinas, foi criado um comitê de nomenclatura específico para nomeá-las. Esse comitê determina que uma nova proteína deva ser agrupada de acordo com a sua similaridade genética.
Quando uma nova proteína Bt é descoberta a sua sequência genética (gene) é comparada com outras proteínas Bt e incluída em determinado grupo a depender de sua similaridade. Por exemplo, se 55% dessa sequência for novidade ela fará parte do grupo 1, caso apenas 22% da sequência seja uma novidade ela entrará no grupo 2 e se apenas 5% for algo novo ela irá entrar para o grupo 3.
Diferenças nas sequências genéticas dessas proteínas estão diretamente relacionadas com a eficiência (toxicidade) e especificidade das toxinas.
Ou seja, a chave para uma proteína Bt ser eficiente contra determinada praga é o gene.
E se, ao invés de dependermos das bactérias Bt para controlarmos insetos no campo, introduzíssemos alguns dos genes Bt em plantas? Esse é o princípio da biotecnologia Bt.
As plantas Bt
Todos os genes de toxina Bt descobertos têm sido amplamente estudados e alguns são utilizados para o desenvolvimento de plantas resistentes a determinadas pragas. Com isso, a biotecnologia Bt permite, inclusive, uma redução no uso de defensivos químicos.
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Mecanismo de ação da proteína Bt
Quando um ou mais genes Bt são inseridos em uma planta, ela passa a produzir a referida proteína Cry. Assim, quando as larvas de insetos se alimentam das folhas dessa planta, ingerem a toxina. No entanto, nem todos os insetos irão morrer, isso porque cada proteína Cry é específica para um grupo de insetos.
Funciona assim: Quando a proteína Cry chega ao intestino, seja qual for o organismo vivo, ela é parcialmente degradada, liberando uma parte menor com atividade tóxica. No entanto, essa parte menor só irá apresentar toxicidade se encontrar uma região específica nas células que recobrem o intestino dos animais (receptor de proteína), esse receptor só existe em algumas espécies de larvas de insetos.
Por isso, as proteínas Cry são consideradas seguras para todos os outros animais e este é o aspecto mais importante da toxina Cry.
Da mesma forma que uma certa chave só abre uma determinada fechadura, a toxina Cry só pode exercer seu efeito tóxico se encontrar um receptor celular específico.
Tecnologia Bt no campo
As plantas Bt são utilizadas no campo desde a década de 1990. A primeira a ser comercializada foi um milho Bt (1996). Desde então os genes Bt têm sido incorporados em diferentes variedades de culturas, várias já são comercializadas para cultivo, como é o caso de algumas variedades de milho, batata, berinjela, arroz, tomate e outras.
O sucesso da tecnologia fez com que sua adoção pelos produtores tenha sido muito rápida. Afinal, o principal benefício da biotecnologia Bt é uma redução significativa no uso de inseticidas e um melhor controle das principais pragas. O algodão Bt, por exemplo, é cultivado em 26 países, assim como o milho Bt e soja Bt também são plantados em mais de 20 países.
Um estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences em 2018 analisou dados de 1976 a 2016 e concluiu que a adoção do milho Bt nos Estados Unidos resultou em uma diminuição de até 85% na aplicação de inseticidas.
A adoção de berinjelas Bt, fez com que os agricultores de Bangladesh reduzissem o número de aplicações de inseticidas de 84 para no máximo 2 vezes durante a estação de cultivo, gerando também maior economia ao produtor, como mostra essa pesquisa publicada em 2018.
Outro estudo mostrou que o uso de inseticidas na cultura do algodão foi reduzido em até 81% e também diminuiu os danos causados nas plantas por pelo menos três espécies de insetos.
Ao diminuir os danos causados por insetos pragas, a biotecnologia Bt também protege o consumidor de ingerir micotoxinas que seriam produzidas por fungos oportunistas. Estudos mostraram que a utilização de plantas Bt provoca redução de 29% na concentração de micotoxinas em relação ao milho convencional.
Estima-se que desde 2017 mais de 23,3 milhões de hectares de terra foram cultivados com plantas contendo genes Bt. 80% do algodão e milho cultivados nos Estados Unidos contemplam tecnologias Bt. Em 2019, 79% do algodão cultivado no Brasil empregou sementes Bt, o mesmo aconteceu para 74% da soja e 90% do milho.
Além disso, a cana Bt, disponibilizada recentemente aos agricultores (2018) está sendo cultivada em cerca de 1% das lavouras de cana-de-açúcar brasileiras.
E para aqueles que ainda possuem alguma preocupação sobre a segurança das plantas transgênicas, pesquisas científicas seguem afirmando que não existem evidências de quaisquer efeitos adversos na saúde humana e animal ou no meio ambiente decorrentes de plantas Bt.
Por exemplo, um estudo publicado pela Nature em janeiro de 2021 conclui que o arroz Bt não causa nenhum afeito adverso em comparação ao arroz convencional. Até mesmo a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (European Food Safety Authority – EFSA) concluiu com bases em dados de seus relatórios que não existem evidências científicas que indiquem qualquer tipo de dano causado por tecnologias Bt.
A maior ameaça à biotecnologia Bt
Assim como acontece com o uso permanente de um mesmo antibiótico para controlar certas doenças em humanos, o uso dos mesmos genes Bt em plantas pode resultar na sobrevivência apenas dos insetos resistentes à proteína Bt.
Tal fato ocorre, principalmente, quando um produtor cultiva o mesmo produto Bt – por exemplo uma variedade contendo o gene Cry1Ab – por anos seguidos sem adotar áreas de refúgio.
O manejo integrado de pragas é parte essencial da agricultura moderna
Para que a biotecnologia Bt mantenha sua eficiência é importante que os pesquisadores continuem identificando novas proteínas Bt, que apresentem diferentes sequências genéticas, e também desenvolvam plantas Bt com mais de um gene Bt. Como é o caso da variedade de milho Bt que apresenta seis genes Bt (Cry2Ab2, Cry1A.105, Cry1F, Cry34Ab1, Cry35Ab1 and Cry3Bb1).
Mas, como o desenvolvimento de novas plantas Bt não é uma tarefa simples, os produtores precisam ajudar a preservar essa tecnologia adotando o refúgio. O refúgio consiste em uma área cultivada com plantas não Bt próximas às plantas Bt.
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Assim, os insetos susceptíveis a proteína Bt sobreviverem na área de refúgio e podem acasalar com eventuais indivíduos resistentes provenientes das áreas com biotecnologia Bt. Os filhos desses cruzamentos serão suscetíveis evitando que a população resistente domine o campo.
Principais fontes:
Mendoza-Almanza, G., et al. The Cytocidal Spectrum of Bacillus thuringiensis Toxins: From Insects to Human Cancer Cells. Toxins, 2020.
Peng, Q., Yu, Q., e Song, F. Expression of cry genes in Bacillus thuringiensis biotechnology. Applied Microbiology and Biotechnology, 2019.