A biologia sintética está cada vez mais próxima da agricultura
A biologia sintética pode ser usada para otimizar a genética dos organismos vivos para produzir, com sustentabilidade, mais alimentos, fármacos e energia. Benefícios esses alcançados com o profundo conhecimento sobre o material genético das espécies.
É um novo salto para a manipulação dos recursos genéticos, que permite ao homem reescrever o DNA e acelerar o que poderia levar milhares de anos para acontecer na natureza.
O que é a biologia sintética
A biologia sintética vem sendo desenvolvida desde o início da década de 2000. Com ela, pesquisadores conseguem reescrever o DNA de organismos vivos, alterando rotas metabólicas, além da possibilidade de se transformar microrganismos naturais em sintéticos.
Dessa forma, podem ser adicionados ao DNA dos organismos “chaves” que respondem, por exemplo, a um fator químico ou determinada temperatura ligando ou desligando um processo biológico.
Também é possível desenvolver novos processos biológicos, fazendo com que microrganismos sejam capazes de transformar matéria orgânica (biomassa) em novos produtos químicos, combustíveis e materiais. Até mesmo fazer com que plantas possam fixar o nitrogênio atmosférico.
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No entanto, essa área só se tornou viável em função do conhecimento acumulado sobre o código genético e a funcionalidade de alguns genes e vias metabólicas. Afinal, sem esse entendimento, seria impraticável iniciar qualquer experimento na área.
Para tal, o sequenciamento dos genomas e estudo dos genes foi essencial. Cerca de 15 mil espécies já tiveram seu genoma completa ou parcialmente sequenciado.
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Com base nesses dados, pesquisadores do mundo inteiro têm identificado genes e realizado estudos mais aprofundados, desvendando a função de cada um, a estrutura da proteína formada e como ela se comporta nas células de um organismo.
Marcos da biologia sintética
A biologia sintética deixou de ser apenas teórica no ano de 2000, quando pesquisadores publicaram o primeiro estudo mostrando o desenvolvimento de uma bactéria (Escherichia coli) em que a expressão de um gene (produção de uma proteína) era controlada por uma “chave sintética”. Ou seja, uma sequência de DNA que a depender da temperatura externa ligava ou desligava o gene.
Atualmente, além de projetar fragmentos de DNA, os pesquisadores, já escrevem um genoma completo em computador, sintetizam artificialmente e então transferem esses trechos para dentro de um organismo, no local onde irá substituir o DNA original do organismo.
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A primeira bactéria a ter o genoma substituído por um DNA sintético foi a Mycoplasma mycoides, em 2010. O novo microrganismo ficou conhecido como Mycoplasma mycoides JCVI-syn1.0. Além de sobreviver, em ambiente controlado, ele também foi capaz de se multiplicar (reproduzir).
Isso mostra que o DNA sintético é eficiente em produzir todas as moléculas necessárias para a vida. Cientistas podem então trabalhar no desenvolvimento de reguladores genéticos (genes que teriam a função de agir como “chaves”) e otimizar vias metabólicas, como resultado, teríamos células projetadas para atender às necessidades específicas dos seres humanos e meio ambiente.
E não paramos aí, empregando a biologia sintética ainda será possível projetar e produzir novas proteínas e vias metabólicas que a natureza ainda não desenvolveu. Tudo isso com um controle muito preciso.
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No entanto, os microrganismos sintéticos ainda estão sendo desenvolvidos principalmente para elucidar como o código genético funciona e a importância de cada molécula.
É o que fizeram os pesquisadores de Cambridge, em 2019, ao desenvolverem uma bactéria (Escherichia coli) com número menor de códons.
O resultado foi a E. coli Syn61, viva e que possui um genoma 100% sintético, do mesmo tamanho que a bactéria natural (4 milhões de letras) mas, com a ausência dos códons TCG, TCA e TAG. O nome Syn61 (síntese 61) é uma referência ao número de códons que a bactéria sintética possui.
Syn61 é um pouco mais lenta para se desenvolver quando comparada com sua “irmã não sintética” e possui uma aparência mais alongada (forma de bastão).
Códon, é uma trinca formada pela combinação de três bases nitrogenadas (Adenina, Timina Citosina e Guanina) mais conhecidas como A, T, C e G. Essas quatro letras constituem o genoma de todos os organismos vivos.
Cada códon pode ser representado como sendo uma palavra do DNA (que determina a adição de um aminoácido) que formam as frases (os genes).
Cada gene é o manual de instruções para produzir uma determinada proteína. E as proteínas, por sua vez, são cadeias de aminoácidos. Os códons são as trincas de letras que sinalizam a adição de um aminoácido. As letras CCT, CCC, CCA e CCG correspondem ao aminoácido prolina, por exemplo.
Dessa forma é possível realizar 64 diferentes combinações, existindo, portanto, 64 códons diferentes. No entanto, nosso genoma possui apenas vinte palavras (aminoácidos), ou seja, alguns códons repetem uma mesma palavra, como é o caso da prolina. Um gene nada mais é do que uma fila de códons.
Atualmente, versões geneticamente modificadas da bactéria E. coli (OGM) já são utilizadas na produção de insulina para diabetes e medicamentos para o tratamento de câncer, esclerose múltipla, doenças cardíacas e algumas enzimas voltadas à indústria química.
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A versão sintética com ausência de códons pode proteger essas bactérias de infecções virais, responsáveis por contaminações e grandes perdas para a indústria. No entanto, a produção de um microrganismo sintético, ainda está longe de se tornar algo comum, as técnicas utilizadas ainda são muito trabalhosas e caras (na ordem de milhões de dólares).
Perspectivas da biologia sintética para agricultura
As aplicações da biologia sintética, desde o planejamento de vias metabólicas ao desenvolvimento de genomas sintéticos podem resultar no desenvolvimento de novas características e acelerar o melhoramento de plantas.
Por exemplo, a biologia sintética por meio da introdução de vias metabólicas em plantas, já proporcionou uma maior eficiência da fotossíntese, em estudos. Seguindo essa mesma estratégia, também será possível realizar a biofortificação de alimentos com nutrientes não encontrados em diversos alimentos básicos, além da produção de fármacos em plantas, aumentando ainda mais a importância da agricultura.
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Poucos organismos vivos (grupo especializado de bactérias) realizam a fixação do nitrogênio atmosférico – um importante nutriente para o desenvolvimento dos seres vivos. Com a biologia sintética, os pesquisadores já puderam adaptar essa via metabólica e transferi-la para outras bactérias e plantas.
Em teoria existem, pelo menos, 28 vias metabólicas para fixação de gás carbônico (CO2). São bem conhecidas apenas 2 em plantas e seis em bactérias. Por isso, a biologia sintética é uma excelente ferramenta para ajudar os cientistas a melhor compreenderem esse mecanismo e combaterem o aquecimento global.
Além disso, o aumento da fixação de CO2 pelas plantas cultivadas pode aumentar a produtividade e também a qualidade do solo.
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Outra importante aplicabilidade da biologia sintética é o desenvolvimento de biossensores sintéticos, capazes de controlar a formação de células, tecidos e órgãos a depender de fatores externos. Criando assim o que seriam “plantas inteligentes”. Por exemplo, moléculas sintéticas podem ser desenvolvidas para sinalizar aos biossensores quando a planta deve reduzir o uso de água com base em previsões do tempo, um tipo de informação que a planta não consegue adquirir.
Todas essas inovações estão acontecendo dentro de laboratórios no mundo. O entusiasmo dos pesquisadores com o sucesso da biologia sintética, tem estimulado o aperfeiçoamento da área e a investigação de possibilidades de aplicações. Nessa jornada, é importante frisar que a transferência de produtos oriundos de biologia sintética para o campo deverá respeitar as regulamentações e o entendimento da sociedade sobre essas tecnologias.
Principais fontes:
Cravens, A., Payne, J. and Smolke, C. D. Synthetic biology strategies for microbial biosynthesis of plant natural products. Nature, 2019.
Fredens, J., et al. Total synthesis of Escherichia coli with a recoded genome. Nature, 2019.
Gardner, T. S., Cantor, C. R., and Collins, J. J. Construction of a genetic toggle switch in Escherichia coli. Nature, 2000.
Meng, F. and Ellis, T. The second decade of synthetic biology: 2010–2020. Nature, 2020.
Wurtzel, E. T. et al. Revolutionizing agriculture with synthetic biology. Nature plant, 2019.