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Propriedade intelectual: ciência agrícola também é tecnologia

Entenda a importância da propriedade intelectual no processo de inovações tecnológicas e como ela se aplica no setor agrícola.

Na sociedade moderna não é difícil enxergarmos importantes tecnologias ao nosso redor, desde o notebook em que trabalhamos, os smartfones em que lemos notícias, conversamos e até mesmo jogamos. Sabemos que para que esses aparelhos funcionem da melhor forma possível, muito foi investido para desenvolver baterias que durem por mais tempo, softwares mais rápidos e designers adequados ao uso diário. Todos esses detalhes são incorporados no valor do produto final.

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A Croplife Brasil, é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, com sede na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, na Avenida Roque Petroni Junior, nº 850, Torre Jaceru, 19º andar, bairro Jardim das Acácias, CEP 04747-000, que possui como objeto o trabalho ativo para assegurar liberdade de operação à indústria que desenvolve inovação em tecnologia de plantas e sementes no Brasil, conforme Art. 2º de seu Estatuto Social (‘‘CropLife Brasil’’).

A inovação tecnológica e a propriedade intelectual

A inovação só ocorre quando existe a entrega de um produto novo ou significativamente melhorado para, pelo menos, uma parte da população. Dessa forma, um detalhe matemático dentro de um software pode fazer com que um aparelho celular utilize aplicativos de forma mais rápida e com uma elevada economia de bateria. 

Esses “detalhes” ou descobertas estão em tudo que usamos no nosso dia-a-dia. Desde a escova de dente ao nos levantarmos, nos utensílios que preparamos o café, no meio de transporte, nos produtos de limpeza e higiene pessoal, até na cama e travesseiro que usamos enquanto dormimos.

No entanto, nem sempre percebemos que, essas inovações tecnológicas também estão presentes nos alimentos, fibras e insumos para produção de biocombustíveis. Para que a produção de frutas, hortaliças, grãos e fibras acompanhassem o crescimento populacional, muitas descobertas ocorreram. Com as inovações derivadas do conhecimento científico, incorporamos mudanças na agricultura que nos permitem cultivar plantas mais produtivas, evitando a necessidade de grandes expansões da área agricultável.

Assista ao vídeo que mostra onde a Propriedade Intelectual está no seu dia a dia:

Essas inovações decorrem de muita pesquisa e devem ser protegidas quando agregam valor a um produto. É preciso reconhecer o investimento de forma exclusiva, pelo menos por um tempo determinado, ao grupo de pessoas que fez as descobertas. 

Afinal, mesmo que seja um “detalhe matemático” essa inovação tecnológica demandou alto investimento, tempo e pessoal capacitado para que ela ocorresse. Por isso, e para impulsionar a geração de tecnologia inovadora, é justo que os responsáveis pelas novas tecnologias recebam retorno pelo esforço depositado em seu estudo. Já pensou se você fosse uma das pessoas envolvidas no processo? Não acharia justo o reconhecimento pelo seu empenho?

Dessa forma, a inovação pode ser protegida pelo que conhecemos como Propriedade Intelectual (PI). O conceito de PI surgiu a partir da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) criado em 1967. Um órgão de abrangência mundial para tratar sobre o assunto com o objetivo de incentivar a inovação e a competitividade entre instituições e países.

O que é propriedade intelectual?

Segundo a OMPI, a propriedade intelectual é definida como: 

A soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções de radiofusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

Assim, podem ser protegidos:

  • Os desenhos e modelos industriais;
  • As invenções;
  • As marcas;
  • As obras literárias;
  • As obras artísticas;
  • As obras científicas.

Sem qualquer dúvida, o objetivo de toda pesquisa é disseminar conhecimento. A PI garante proteção aos pesquisadores, que, em troca da revelação de como resolver determinado problema, receberiam um direito de exploração, excluindo terceiros não autorizados.

 

A invenção que não esteja devidamente protegida pode ser copiada e comercializada por terceiros, sem nenhum benefício para seu inventor. Com isso, o inventor corre o risco de perder o direito sobre sua descoberta.

 

Aplicação da propriedade intelectual

Por definição, a propriedade intelectual (PI) é muito ampla e para nos aproximarmos da sua relação com a pesquisa e desenvolvimento direcionados à agricultura, é importante salientarmos que a PI pode ser subdivida em:

  • Propriedade industrial;
  • Proteção Sui generis

A propriedade industrial

Sendo a propriedade industrial a que abrange especificamente as criações que podem ser aplicadas em algum tipo de indústria. No Brasil ela é regulamentada pela Lei de Propriedade Industrial (LPI- Lei nº 9.279/96). Podendo ser protegidas por meio de:

  • Patente de invenção;
  • Registro de desenho industrial;
  • Registro de marcas.

A relevância das patentes

A forma mais conhecida de se conferir proteção industrial a uma invenção é pela concessão de patentes.

Isso porque, a patente abrange uma grande quantidade de criações em diferentes áreas do conhecimento. É um tipo de negociação com o Estado e por isso varia conforme a legislação de cada país. Normalmente, a legislação disponibiliza ao proprietário da tecnologia o direito de exclusividade da utilização de seu produto por 20 anos. As patentes garantem a arrecadação de um imposto por venda destinado ao retorno do investimento tecnológico ao criador, o royalty. 

Para a concessão de patentes é necessário que o produto apresente requisitos como:

  • Novidade;
  • Atividade inventiva;
  • Aplicação industrial.

A Lei da patente também define requisitos que do que não é permitido conceder patentes como:

  • O todo ou parte de seres vivos encontrados na natureza, inclusive genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural

No entanto, a LPI permite a proteção de microrganismos transgênicos e até produtos derivados da sua capacidade de modificar, inibir ou influenciar de alguma forma as características fenotípicas ou genotípicas em plantas, desde que sejam seguidos os requisitos de concessão de patente.   

Dessa forma, as patentes de invenção devem apresentar uma solução tecnológica para um problema específico, seja para produtos ou processos industriais. 

Proteção intelectual: Sui generis

A proteção intelectual do tipo Sui generis também é de grande importância para o setor agrícola, uma vez que nela se encontra o meio de se proteger novas variedades de plantas, as chamadas cultivares. Esse processo é regulamentado por legislação própria.

Uma nova cultivar só terá sua comercialização, multiplicação ou reprodução protegida caso o seu criador tenha adquirido esse direito no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

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No campo, a inovação tecnológica é encontrada desde o maquinário, softwares, ferramentas  agrícolas, insumos químicos ou biológicos até as sementes e as mudas propagadas vegetativamente. 

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Lei de proteção de cultivares

Para uma sociedade que é urbana, fica difícil de imaginar que exista inovação tecnológica em plantas, mas é exatamente isso que o melhoramento genético proporciona, seja pelo processo convencional ou empregando ferramentas da biotecnologia moderna. 

É um processo altamente científico, inovador, custoso e demorado, mas que entrega aos agricultores novas cultivares com características de interesse, gerando economia, sustentabilidade e valor aos diversos produtos agrícolas. 

Por isso, assim como outros produtos de inovação, sementes derivadas dessas pesquisas também devem ser protegidas. 

Então, para garantir a proteção, existe a a Lei de Proteção a Cultivares (LPC ; Lei n. 9.456/1997), definidas pela Convenção Internacional para Proteção de Obtenções Vegetais (UPOV). O órgão responsável pela fiscalização da LCP é o Serviço Nacional de Proteção a Cultivares (SNPC), vinculado ao MAPA, o qual acolhe a análise pedidos de LCP. 

Para que ocorra a proteção de uma cultivar, a nova planta precisa atender aos seguintes requisitos:

  • Apresentar uma característica nova;
  • Não deve perder as características essenciais da planta que lhe originou;
  • Ser diferente da cultivar que lhe deu origem por margem mínima de descritores definida pelo órgão competente.
  • Apresentar homogeneidade e estabilidade através de gerações sucessivas.
  • Não deve ter sido comercializada em território nacional em um período de 12 meses ou no exterior em 6 anos para videiras e 4 anos para qualquer outra espécie de planta.

A proteção das cultivares tem duração de 15 anos, exceto no caso de videiras e árvores frutíferas, florestais e ornamentais que é de 18 anos.

Ao ser protegida, a cultivar recebe um Certificado de Proteção de Cultivar, que permite ao seu proprietário a reprodução e comercialização em território nacional e proibição, por um prazo de 15 a 18 anos, da utilização para fins comerciais da cultivar por terceiros. 

A LPC também permite ao agricultor que, ao adquirir as sementes protegidas, possa reservar parte dos grãos para plantar em sua própria terra em uma próxima safra. 

Essa prática é legalizada desde que o produtor rural siga os requisitos legais e cumpra as normas especificas como não comercializar as sementes ou utilizá-las em propriedades pertencentes a terceiros, caso contrário a prática é criminosa. 

Além disso, a LPC também permite a utilização da cultivar como fonte de variação no melhoramento genético de outra cultivar ou na pesquisa científica. 

Atualmente existem mais de 2500 cultivares cadastradas no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares. Conheça algumas cultivares protegidas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), grande incentivadora da LPC:

Proteção intelectual dos organismos geneticamente modificados

Enquanto a LPC regulamenta plantas inteiras no Brasil, desenvolvimentos científicos nas áreas de engenharia genética como microrganismos transgênicos ou genes obtidos através de alterações genéticas, são protegidos pela Lei de Propriedade Industrial (LPI), onde nesse caso é permitido o pedido de patente. 

No Brasil, cultivares obtidas através de melhoramento convencional ou transgenia não são consideradas distintas na aplicação da LPC. E como a LPC trata da proteção de um ser vivo, não é permitida a concessão de patente. 

No entanto, existe a possibilidade de uma cultivar portar um gene engenheirado patenteado sob a tutela da LPI, obtendo assim uma cultivar inexistente na natureza. No Brasil, casos como este geram discussões sobre qual legislação empregar, uma vez que a UPOV que seguimos, prevê a proibição de proteção dupla de uma mesma espécie botânica como por patente (LPI) e por outra simultaneamente, como no caso da LPC. 

Já nos Estados Unidos, o proprietário pode solicitar diferentes formas de proteção legal de cultivar como uma patente de utilidade, patente de cultivar e/ou um certificado de proteção variedade vegetal. Ou seja, é possível que uma nova cultivar esteja tutelada sob diferentes formas de proteção legal, desde que cumpra os requisitos legais para cada formulário.

Patentes e royalties

Ao patentear um produto, sua comercialização gera um imposto, chamado royalty, destinado a recuperação do investimento depositado. Esse imposto, estabelecido pela primeira vez em 1964 (Lei nº 4.506/64) é descontado do produto diretamente na nota fiscal. O royalty  gera um título que é pago diretamente ao proprietário detentor da patente. 

Segundo a LPI, plantas que tiveram seu fenótipo ou genótipo modificado através da inserção de um gene externo, gerando um organismo não encontrado na natureza, podem ser patenteadas e gerar royalties para o proprietário ao serem comercializadas. 

Além disso, ao adquirir uma semente patenteada, o produtor também deve pagar royalties referentes ao produto em casos da utilização da tecnologia em safras subsequentes com sementes salvas de safras anteriores. 

O pagamento de royalty parece ser uma vantagem apenas para o titular da patente. No entanto, tanto o processo de criação de uma nova cultivar com alta tecnologia genética quanto o pedido de patente são processos que demandam tempo e investimento. 

Sementes transgênicas possuem uma alta tecnologia embutida, anos de pesquisa e desenvolvimento para, nesse caso, construir um “detalhe biológico”. Além da inovação da tecnologia, a nova cultivar também deve passar por todos os testes de biossegurança para obter os requisitos necessários para o seu lançamento no mercado, o que pode levar mais de 10 anos desde o início das pesquisas. 

Uma nova cultivar, com alta tecnologia garante maior produtividade e rendimento na safra. Por isso, tanto o consumidor quanto o proprietário da cultivar se beneficiam da tecnologia gerada, uma vez que o pagamento do imposto garante esse retorno financeiro ao titular e a segurança de sua tecnologia não ser explorada por um determinado período. 

Além disso, para garantir que os detentores de tecnologias patenteadas não pratiquem abuso de poder econômico em desfavor da concorrência, o artigo 68 da Lei n° 9.279/96 prevê o licenciamento compulsório da patente em caso de descumprimento da lei.

LPC ou LPI – A vantagem de patentear uma cultivar

No Brasil, o proprietário de uma nova cultivar (pesquisadores, instituições públicas e empresas privadas) perde economicamente quando seu produto esteja apenas sob tutela da Lei de Proteção de Cultives e não patenteadas. 

Isso porque, o proprietário de uma cultivar não patenteada deixa de receber retorno financeiro do investimento referente ao seu produto quando o produtor rural utiliza parte das sementes obtidas da primeira safra em uma próxima safra, como legalmente previsto pela LPC. 

No caso de sementes com tecnologia patenteada, ao utilizar sementes guardadas, o produtor deve pagar royalty referente ao produto, como previsto por lei. 

Visto isso, proprietários de cultivares não patenteadas passíveis de autorreplicação da tecnologia, como é o caso da soja, lucram menos nas safras subsequentes e ainda correm o risco de sua invenção ser explorada por instituições internacionais sem qualquer retorno financeiro. Com isso, patentear sementes com tecnologia autorreplicável garante o retorno financeiro ao titular através do pagamento de royalty das sementes salvas e a segurança da exclusividade no uso da tecnologia por período determinado pela lei.

A importância do investimento inovação e tecnologia

O retorno financeiro assegurado aos proprietários de novas tecnologias e inovações através de leis de proteção de propriedade intelectual, garantem que outros produtos inovadores continuem sendo desenvolvidos. 

Estudos mostram grande aumento de produtividade da agricultura brasileira nos últimos anos desde a aprovação da Lei de Proteção de Cultivares, em 1997. Nada mais justo do que os pesquisadores sejam recompensados por suas descobertas que são entregues a sociedade por meio de tecnologias aplicadas nas plantas.

A aprovação de uma lei que garante a proteção de novas cultivares e da tecnologia desenvolvida estimula a modernização e internacionalização do setor agronômico, um dos mais economicamente ativos no mercado brasileiro. 

As instituições públicas brasileiras são responsáveis por desenvolverem inúmeras cultivares que, em sua grande maioria, são protegidas pela LPC, e por não serem patenteadas podem ser exploradas também por estrangeiros e não receber um devido retorno financeiro do desenvolvimento da tecnologia. 

Por isso, e pelo grande potencial de pesquisa no setor agronômico que o Brasil possui, é importante que os incentivos e facilitadores de projetos de inovação e tecnologia no país sejam constantes.  Leis de proteção intelectual induz o constante incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias para o país, beneficiando assim a empresa desenvolvedora, o produtor, o consumidor final e a economia brasileira.  

Principais fontes:

Barbosa, D. B. Uma introdução à propriedade intelectual. 2 ed. Rio de Janeiro, 2003.

Faria, B. S. et al. Conhecimentos básicos sobre propriedade intelectual. 1 ed. Brasília: Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico, UnB, 2016.

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