Produtos biológicos: Brasil lidera mercado global com adoção crescente
A adoção de produtos biológicos no campo é uma realidade cada vez mais presente nas lavouras brasileiras e é uma tendência nos cultivos de todo o mundo.
O controle biológico está em evidência, principalmente devido à crescente preocupação da sociedade com a segurança alimentar e com a sustentabilidade na cadeia de produção agrícola. Apesar desse recente interesse, os produtos biológicos já são bem conhecidos e utilizados no Brasil e no mundo.
Um bom exemplo para ilustrar esse cenário diz respeito ao ocorrido com a Helicoverpa armigera. A identificação desta praga no Brasil ocorreu em 2013, a qual demonstrou grande potencial de dano na lavoura de soja.
Com a população de lagartas dessa espécie proliferando no campo, veio uma preocupação de como poderia ser feito seu controle. Na época, não existiam produtos registrados e pouco se conhecia sobre a eficiência dos defensivos químicos no controle dessa praga.
A solução foi encontrada na utilização de produtos biológicos desenvolvidos a partir da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt). A bactéria produz toxinas específicas, chamadas Cry, capazes de controlar pragas específicas.
A partir daí, muitos outros produtos começaram a aparecer no mercado e serem adotados pelos produtores de soja e de outras culturas.
Histórico do controle biológico e adoção de produtos biológicos
A utilização de produtos biológicos está crescendo mais de 10% ao ano, de acordo com estimativas do mercado. Nesse aumento estão incluídos produtos como:
- extratos de plantas (para controle de pragas e doenças);
- feromônios de insetos (usados para interromper o acasalamento);
- insetos predadores (que se alimentam ou parasitam outros insetos);
- produtos microbianos (frequentemente formulados).
Tudo para tratar o estresse biótico nas lavouras, como pragas, doenças e ervas daninhas.
De maneira intuitiva, o controle biológico de pragas já era utilizado durante a agricultura na antiguidade. Um dos primeiros registros da sua utilização ocorreu na China há 3 mil anos.
Os produtores de citros da época utilizavam ninhos de formigas da espécie Oecophylla smaragdina para proteger as laranjeiras contra outros insetos-pragas, como as lagartas, sendo um exemplo de controle por meio da predação (quando um organismo se alimenta de outro).
Outro marco importante ocorreu por volta do ano de 1835, quando o fungo Beauveria bassiana, muito utilizado atualmente, foi descoberto ocasionando mortalidade no bicho-da-seda. O que era um problema para a produção de seda, passou a ser a solução para o controle de insetos indesejados na agricultura
Um dos primeiros casos de controle foi o do pesquisador italiano Agostino Bassi de Lodi. Observando insetos mortos, decidiu fazer um caldo com eles e utilizar em suas plantas para controlar as pragas que as atacavam. Esse caldo continha o fungo que causou a morte dos insetos, controlando também as pragas das suas plantas.
No Brasil, muitos são os exemplos de sucesso no controle biológico. Por volta dos anos 80, o Baculovirus anticarsia (AgNPV) foi utilizado eficientemente para o controle da lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis). Na época, os produtores coletavam as lagartas mortas e congelavam, para, posteriormente, utilizá-las na pulverização quando ocorriam surtos da praga na lavoura.
Atualmente, esse vírus assim como outros agentes biológicos, são encontrados no mercado em diferentes formulações, facilitando a vida do produtor.
Na cana-de-açúcar ocorre um dos mais antigos e duradouros programas de controle biológico brasileiro. A utilização dos parasitoides, as vespas Cotesia flavipes e Trichogramma galloi para o controle da broca-da-cana (Diatrea saccharalis), além do fungo Metarhizium anisopliae para o controle da cigarrinha (Mahanarva fimbriolata).
O Brasil está na vanguarda desse movimento, alcançando o recorde em registro de novos defensivos biológicos. Somente em 2020, 56 novos produtos foram registrados.
Esses produtos são formulados a base de agentes como vírus, bactérias, fungos e até mesmo insetos e ácaros, com cada vez mais tecnologia almejando melhores resultados e claro, a sustentabilidade no agroecossistema.
Como o controle biológico é utilizado na prática?
Naturalmente no ecossistema, o controle biológico ocorre sem a necessidade da intervenção humana. Porém, o homem pode agir como um facilitador nesse processo, manipulando o ambiente para aumentar a eficiência no campo.
Os produtos biológicos são desenvolvidos seguindo etapas de pesquisa e desenvolvimento. Muita tecnologia é empregada no processo. Além disso, o rigor científico em todos os testes de eficiência e qualidade dos produtos é um dos pilares no desenvolvimento.
O aumento na procura por novos agentes, aliado com novas tecnologias de formulação e aplicação demonstram que o controle biológico só tende a crescer nos próximos anos. Formulações cada vez mais elaboradas, visam a fácil aplicação, maior vida de prateleira e principalmente, a maior eficiência no controle de doenças e pragas no campo.
Para se ter uma ideia, em 2020, apesar de todas as dificuldades econômicas que a pandemia com a COVID-19 acarretou por todo o mundo, o mercado de controle biológico continuou em plena ascensão.
Adoção de produtos biológicos
No campo, o produto biológico pode incrementar artificialmente a população de uma ou mais espécies de inimigos naturais das pragas. Ou utilizar produtos à base de agentes biológicos, como a bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), para o controle de pragas em diversas culturas.
Na cultura do amendoim, por exemplo, bioinseticidas desenvolvidos com a bactéria Bt controlam insetos pertencentes ao gênero Spodoptera. Essas pragas são altamente limitantes para a contínua expansão da área cultivada, bem como para o aumento da produção de amendoim, uma vez que causam danos e prejuízos econômicos aos produtores.
Os fruticultores também estão cada vez mais apostando nessas novas ferramentas e adotando esses produtos no combate às pragas e doenças que atacam as fruteiras.
A mosca das frutas (o conhecido bicho-da-goiaba) é um inseto que consegue atacar diferentes espécies de frutas que causam sérios prejuízos. Porém, uma vespa (Doryctobracon areolatus), nativa do Brasil, é capaz de localizar as larvas das moscas no interior dos frutos e coloca nelas seus próprios ovos, eliminando a praga antes que se torne uma mosca adulta.
Na cultura da banana, uma broca, conhecida como moleque da bananeira ou broca do rizoma, tem poucos defensivos químicos registrados. No entanto, produtos biológicos à base do fungo Beaveria bassiana são eficientes no controle do inseto, sem afetar os inimigos naturais.
Fora do campo, os vegetais ainda são atacados por doenças e pragas pós colheita. Aquele bolor verde ou azul que aparece em frutos cítricos, por exemplo, pode ser controlado com produtos biológicos à base de bactérias como Bacillus subtilis ou leveduras como a Candida oleophila. Esses tratamentos ainda aumentam o tempo de prateleira dos frutos.
A tecnologia de ponta é bastante empregada no setor. Drones já são utilizados na liberação de biodefensivos desenvolvidos a partir de um ácaro predador (Neoseiulus californicus) para o controle de uma praga da macieira, o ácaro-vermelho-da-macieira (Panonychus ulmi).
Conheça todos os agentes de controle biológico que interagem nas lavouras
Esses são alguns dos vários exemplos de como os produtos biológicos estão presentes na agricultura. Para o futuro, a tendência é seu emprego ser cada vez maior.
O conhecimento e a prática no uso dos produtos biológicos
De maneira geral os produtos biológicos são utilizados de modo semelhante aos defensivos químicos, podendo ser aplicados por meio de:
- Pulverizadores (pulverização terrestre ou aérea);
- Via irrigação;
- Tratamento de sulco de plantio;
- Tratamento de sementes;
- Liberação (via drones ou manual).
Alguns cuidados devem ser considerados quando for realizada a aplicação dos produtos biológicos, como:
- Verificar as condições ambientais ideais para a aplicação/liberação (vento, temperatura, umidade etc.), sendo essas informações, geralmente oferecidas pelo fabricante;
- Verificar a compatibilidade dos produtos biológicos com os defensivos químicos (principalmente quando utilizados em mistura na calda);
- Avaliar o momento correto de aplicação.
O sucesso do produto biológico está fortemente atrelado ao conhecimento da ferramenta que se pretende utilizar na lavoura.
Um exemplo ocorre no controle de lagartas, insetos da ordem Lepidóptera que possuem diferentes fases de desenvolvimento, desde ovo, ninfas, pupas e adultos. Conhecer esse ciclo é importante, pois o sucesso no controle está correlacionado à ferramenta utilizada em cada estádio do ciclo de vida do inseto.
Por exemplo, durante o monitoramento que o agricultor faz da lavoura, quando se observa uma maior captura de machos em armadilhas de feromônio ou maior presença de ovos nas folhas, o mais indicado é utilizar parasitoides de ovos, como o Trichogramma galloi.
No entanto, quando as primeiras fases das lagartas são mais frequentes, a bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), é uma ferramenta muito eficiente, sendo seu potencial de mortalidade maior em insetos jovens.
Já em lagartas mais desenvolvidas e adultas, uma opção viável é a utilização de vírus ou fungos, como por exemplo, o Baculovirus e Beauveria bassiana. Conhecer essa dinâmica no campo é de grande importância para o sucesso dos biodefensivos.
Quais os principais desafios dos produtos biológicos?
A falta de informação ainda é um dos principais desafios que existem para a quebra da barreira entre os produtores convencionais para a entrada de produtos biológicos de controle na lavoura.
É chegado o momento de se atualizar, e entender que o controle biológico pode e deve ser um aliado ao controle químico para uma agricultura mais produtiva e sustentável, ambiental e economicamente.
A não implementação dos biológicos muitas vezes ocorre devido ao controle químico ser culturalmente difundido entre os produtores, sendo muitas vezes utilizado de maneira calendarizada, facilitando a gerência da lavoura.
Outro desafio é o clima brasileiro, que possui diferentes realidades em cada região. O Brasil é um país tropical, o que faz com que exista maior pressão de doenças e pragas nas culturas do que em países com clima mais ameno. Além disso, os produtos biológicos são agentes vivos, que podem ter efeitos diferentes a depender das condições climáticas.
Para driblar esses desafios, é necessário entender a dinâmica da lavoura, adotando o manejo mais adequado, com o emprego de produtos biológicos de maneira inteligente.
Adoção de produtos biológicos no Brasil e o cenário mundial
A agricultura sustentável é uma tendência crescente em todo o mundo, e os produtores brasileiros estão atentos a isso. Nos últimos anos, houve um aumento considerável da utilização de produtos biológicos nas lavouras.
Para se ter ideia, na safra 2019/2020 de soja, 2,5 milhões de hectares utilizaram produtos biológicos para controlar nematoides, um verme que causa sérios prejuízos nas culturas. Essa adoção corresponde a um incremento de 45%, em relação à safra anterior.
O Brasil é líder mundial na adoção de produtos biológicos, possuindo mais de 23 milhões de hectares tratados, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). A quantidade de produtos biológicos disponíveis no mercado brasileiro mais que duplicou desde 2017, movimentando mais de R$ 675 milhões em 2019 e para 2020 esse montante tende a ser ainda maior.
Em 2019 a América do Norte ocupou grande espaço do mercado de biológicos com aproximadamente 37% do mercado, sendo os Estados Unidos responsáveis por metade desse crescimento. No Canadá existe uma alta na demanda por produtos biológicos de controle, devido, principalmente, a mudanças recentes na legislação que regem o uso de defensivos químicos no país.
Em todo o planeta, o mercado de produtos biológicos movimentará mais de US$ 5 bilhões em 2020, segundo dados da Dunham Trimmer, empresa especializada em informações do mercado de biológicos. Desse total, US$ 800 milhões são oriundos do agronegócio da América Latina.
Um futuro promissor
Esse é um ciclo em expansão, fazendo com que cada vez mais empresas invistam em novos produtos, aumentando a variedade de biológicos disponíveis no mercado. E a pesquisa de novos produtos biológicos caminha nesse sentido.
Usando a genômica e a biotecnologia, o desenvolvimento dos produtos biológicos pode ganhar novas perspectivas. Por exemplo, o sequenciamento genético de um fungo que atua como inimigo natural de lagartas que atacam a soja, o milho e o algodão, foi concluído, abrindo novas possibilidades na área de controle.
Conhecer geneticamente o fungo Metarhizium rileyi é um grande avanço. Como ele está presente em diversas regiões do mundo, o estudo genético desse organismo vai abrir caminhos para conhecer melhor suas diferentes variedades e diferenciar os que são mais eficientes como produtos biológicos.
Ao encontro da tendência de crescimento no setor de biológicos, o Programa Nacional de Bioinsumos (PNB) é mais um incentivo para a safra 2020/2021. O PNB visa atender à crescente demanda do setor produtivo e da sociedade que buscam alternativas de insumos de base biológica aos sistemas agropecuários.
A proposta do PNB é disponibilizar um conjunto estratégico de ações para o desenvolvimento de novas abordagens para a produção agrícola, pecuária e aquícola, considerando dimensões econômicas, sociais, produtivas e ambientais.
Segundo as diretrizes do programa, a sua implantação ocorrerá em etapas, e está estruturado em eixos temáticos relacionados a: produtos biológicos para controle de pragas e doenças de plantas; biofertilizantes; nutrição de plantas e tolerância a condições ambientais adversas; produtos veterinários e para alimentação animal, pós-colheita e processamento de origem animal e vegetal e, ainda, produção aquícola.
O programa ajuda a financiar a bioeconomia e os produtores atentos ao mercado já estão percebendo que o controle biológico pode ser também um aliado na redução de custos na lavoura.
Inclusive, já é possível consultar pelo app Bioinsumos (para Android e iOS) uma lista de produtos de origem biológica indicados para nutrição e o controle de pragas e doenças de diversas culturas agrícolas.
Principais fontes:
Fontes E. M. G. e Valadares-Inglis M. C., Controle biológico de pragas da agricultura. Embrapa, 2020.
Biological Controle Market 2020-2026. Disponível em: https://www.researchandmarkets.com/reports/5129858/biological-control-market-2020-2026#rela0-4771928. Acesso em: 12 set. 2020.