Desmistificando o algodão transgênico
O algodão transgênico é uma inovação na produção de fibras naturais. O tecido produzido a partir da fibra, extraída da semente dessa planta transgênica ,mantém características que promovem a sustentabilidade, como: biodegradabilidade, absorção de água, maciez e capacidade termostática.
A adoção dessa tecnologia por agricultores de diversos países que incluem Brasil, China, Austrália e Índia permitiu aumento de produtividade, sem que houvesse necessidade de grandes expansões na área cultivada de algodão.
Conheça a cultura do algodão e os benefícios desse importante insumo agrícola, que é a semente de algodão transgênica.
A planta de algodão
O algodão é uma das mais importantes fontes naturais de fibra e óleo do mundo, sendo cultivado em mais de 100 países ao redor do globo.
A fibra de algodão é um tricoma composto de celulose, quase pura, que reveste a semente da planta, podendo atingir um pouco mais do que meio centímetro de comprimento. Apresenta excelente durabilidade, resistência à abrasão e às altas temperaturas, além de absorver e liberar umidade rapidamente.
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Essas qualidades a colocam como fibra de ampla utilização, na fabricação de roupas, cobertores, roupas de cama e banho, artigos de decoração e uso industrial.
Os tricomas são estruturas presentes nas plantas, semelhantes a pelos e apresentam função principal de proteção.
Domesticação do algodoeiro
A planta de algodão (o algodoeiro) pertence ao gênero Gossypium da família Malvaceae que comportam mais de 50 espécies de algodão. Dessas, 18 delas são originárias da América central e América do Sul, sendo 14 do México. Outras 14 espécies são encontradas entre o nordeste da África e o sudoeste da Arábia Saudita e 17 outras na Austrália, país que apresenta a maior diversidade de algodão.
Acredita-se que o ancestral comum dessas espécies tenha sido o Gossypium herbaceum africanum com origem no continente africano. Atualmente, todo algodão produzido no mundo é derivado de quatro espécies que foram domesticadas de forma independente:
- Gossypium hirsutum no México;
- Gossypium barbadense no Peru;
- Gossypium arboreum no Sudão;
- Gossypium herbaceum no Paquistão.
Essa domesticação paralela, entre diferentes povos de regiões do mundo, demonstra a relevância do algodão entre as diversas culturas, desde os primórdios das sociedades há milhares de anos.
A primeira evidência do algodão foi identificada aproximadamente no ano 6000 a.C., às beiras do rio Indo, entre Índia e Paquistão. Nesta mesma região, por volta do ano 3000 a.C., o algodão foi cultivado pela primeira vez, para ser utilizado na fabricação de tecidos.
Também foram identificadas fibras de algodão que datam a domesticação da espécie G. hirsutum no México entre os anos 3400 e 2300 a.C. No Brasil, o algodão já era cultivado e convertido em fios pelos índios, antes da chegada dos portugueses. Os fios de algodão eram utilizados para a fabricação de redes e cobertas.
Atualmente, a cultura do algodão está presente nos cinco continentes, em mais de 60 países, com 35 milhões de hectares plantados, envolvendo mais de 350 milhões de empregos diretos e indiretos. Sendo que, 90% de todo algodão cultivado no mundo são de cultivares desenvolvidas a partir da espécie que foi domesticada no México: G. hirsutum.
Além disso, cultivares desenvolvidas a partir de eventos do algodão transgênico, são plantadas desde 1996 nos Estados Unidos. Em 2018, essas cultivares estiveram distribuídas em 24,9 milhões de hectares, o que equivale a 76% de todo algodão cultivado no mundo.
Cultura do algodão no Brasil
No Brasil, o cultivo comercial do algodão foi iniciado nos estados do nordeste brasileiro com cultivares nativas e importadas. No ano de 1760, o produto foi exportado pela primeira vez pelo estado do Maranhão para a Europa.
O algodão cultivado no Maranhão era arbóreo, perene e apresentava fibras mais longas, sendo cultivado até meados dos anos de 1860. A partir daí, foi introduzido o algodão herbáceo anual nos campos de cultivo, sendo mais produtivo e de fibra mais curta, onde o estado de São Paulo ocupou o lugar de centro produtivo por algum tempo.
Na década de 1900, o Brasil possuía uma boa produção de algodão e pela primeira vez a produção nacional de tecidos superou as importações de origem europeia. Em 1968, o Brasil entrou para os cinco países que mais produziam algodão, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, União Soviética, República Popular da China e Índia.
No entanto, por volta da década de 1980, a chegada ao Brasil da praga conhecida como bicudo-do-algodoeiro, fez com que a cultura passasse por grandes prejuízos. Devido ao alto custo de produção, de políticas que incentivavam a importação de algodão, e a competição com outras culturas de importância da época, como café e cana-de-açúcar, a área plantada no país, principalmente no estado de São Paulo, reduziu substancialmente.
Todos esses fatores resultaram em uma queda, na década de 1990, de aproximadamente 60% na produção e redução de mais de 70% na área plantada. Com isso, o Brasil acabou perdendo sua posição de top 5 entre os países produtores de algodão.
Em contrapartida, produtores dos estados do Mato Grosso e Goiás viram na cultura do algodão uma oportunidade para rotacionar com a produção de soja, tornando-se, a partir de então, o centro produtor dessa cultura. Adoção que foi possível graças ao melhoramento genético do algodoeiro realizado por instituições brasileiras, como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Centro Nacional de Pesquisas do Algodão (CNAP).
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Atualmente a região centro-oeste concentra a maior quantidade de lavouras de algodão do Brasil, com Mato Grosso apresentando uma área plantada que ultrapassa 1,1 milhão de hectares.
As cultivares melhoradas de algodão, principalmente as destinadas para regiões do cerrado fizeram com que o Brasil superasse os desafios, aumentasse sua produção e assim retomasse o posto de quinto maior produtor de algodão do mundo, mantido até os dias de hoje.
Os principais desafios na produção de algodão
A cultura do algodão é acometida principalmente por insetos e plantas competidoras, conhecidas como plantas daninhas. Dentre as pragas, a que apresenta maior dano econômico à cultura com alto potencial destrutivo é o bicudo. Esse inseto pode causar danos econômicos que representam quase 10% do custo total de produção.
De fato, o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis Boheman, 1843) representa o maior dano econômico à cultura com alto potencial destrutivo, podendo causar perda de até 10% do custo total de produção. No entanto, o bicudo não é o único problema enfrentado pelos produtores de algodão.
Além de também estar sujeita a fatores abióticos, como temperatura, seca e salinidade, a cultura do algodão também sofre com microrganismos e muitos outros insetos, entre eles:
- A broca-da-raiz (Eutinobothrus brasiliensis);
- O percevejo-castanho (Scaptocoris castanea);
- A lagarta-rosca (Agrotis ípsilon);
- As moscas-brancas (Bemisia argentifólia);
- O curuquerê (Alabama argillacea);
- O pulgão do algodoeiro (Aphis gossypii);
- A lagarta-rosada (Pectinophora gossypiella);
- A lagarta-das-maçãs (Heliothis virescens);
- O percevejo rajado (Horcias nobilellus);
- O percevejo manchador (Dysdercus spp.).
Nesse sentido, para controlar o bicudo e outros insetos-praga, as pulverizações com defensivos químicos foram, por muitos anos, a única e principal tecnologia utilizada. No entanto, essa estratégia, por muitas vezes não era eficiente. Visto que o alvo da maioria dos inseticidas eram os insetos adultos, não afetando os ovos, larvas e pupas que mantinham seu desenvolvimento no interior dos botões florais do algodoeiro.
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Além disso, a alta utilização desses produtos, como única estratégia, tende a levar ao desenvolvimento de resistência em insetos-alvo.
Assim, o desenvolvimento de plantas transgênicas de algodão que apresentam resistência a herbicidas e insetos passaram a ser uma solução tecnológica eficiente e sustentável.
O algodão transgênico
O algodão transgênico é uma tecnologia que auxilia o produtor no combate a pragas no campo. Isso porque, até o desenvolvimento da primeira planta transgênica de algodão, havia a necessidade de grandes quantidades de defensivos químicos para conter os danos causados pelos insetos-pragas do algodoeiro e ervas daninhas, elevando os custos de produção.
Em países como o México, por exemplo, na década de 1970 eram necessárias quase 20 aplicações de defensivos químicos desde a emergência da planta até a colheita, aumentando os custos com insumos, água, energia e combustível.
Dessa forma, o desenvolvimento de cultivares geneticamente modificadas representam uma importante estratégia de manejo sustentável.
Assim como a soja, a primeira cultivar transgênica de algodão apresentava resistência ao herbicida glifosato e foi aprovada nos Estados Unidos. O primeiro plantio comercial de algodão transgênico ocorreu em 1996. No mesmo ano, cultivares transgênicas de algodão apresentando resistência a insetos foram lançadas.
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A tecnologia de resistência a insetos foi obtida após a identificação de genes em bactérias do gênero Bacillus. Esses microrganismos, de ocorrência natural, produzem um grupo de toxinas conhecidas como proteínas Bt e que levam à morte, especificamente, de alguns insetos da ordem Lepidoptera (borboletas e mariposas).
Os eventos de algodão transgênico, que apresentam genes que codificam alguma toxina desse grupo, são naturalmente resistentes a algumas das pragas que atacam essa planta. Diminuindo a necessidade de pulverização de inseticidas quando comparado às cultivares não transgênicas.
Atualmente, mais de 60 eventos de algodão transgênico foram aprovados em pelo menos 27 países. Essa tecnologia é amplamente adotada nos principais países produtores de algodão no mundo, entre eles a Argentina, Austrália, China, Estados Unidos, Índia, México, Paraguai, Paquistão e África do Sul.
No Brasil, a aprovação do primeiro evento de algodão transgênico pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), aconteceu no ano de 2005. Desde então, outros 22 eventos foram aprovados. Atualmente, cerca de 1,45 milhão de hectares (mais de 80% do total) da produção de algodão é conduzida adotando sementes transgênicas. Veja mais sobre as características destes eventos, na imagem abaixo.
Além da redução da necessidade de utilização de inseticidas no controle das principais pragas do algodoeiro, a tecnologia permitiu ao Brasil uma produção adicional de aproximadamente 50 mil toneladas de algodão por safra.
Dessa forma, com o algodão transgênico, o Brasil, conseguiu atingir uma produção que ultrapassa os 4 milhões de toneladas ao ano.
E não é só o Brasil que tem grande adoção de sementes de algodão transgênico, cerca de 76% (quase 25 milhões de hectares) de toda lavoura de algodão é plantada no mundo emprega esse insumo biotecnológico.
Com isso, a média de produção mundial de algodão deu um salto de 33 para 43 milhões de toneladas. Quando analisamos a década de 1990 e as estimativas para a safra 2019/2020, observamos que esse aumento de produção acontece sem haver um crescimento expressivo na área cultivada de algodão, que tem mantido uma média de 34 milhões de hectares nos últimos 30 anos, conforme você confere na imagem abaixo:
Algodão transgênico é fruto de pesquisa e desenvolvimento
O algodão é matéria prima para a fibra natural, um material de origem vegetal, biodegradável e altamente resistente para a produção de diversos produtos utilizados mundialmente em larga escala.
A demanda crescente por esse material pelo setor têxtil tem por consequência uma maior necessidade produtiva tanto no campo quanto na indústria. Portanto, é de extrema importância utilizar ferramentas que, além de aumentarem a produtividade sem a necessidade de elevar a área cultivada, sejam sustentáveis. Características muito associadas ao algodão transgênico, o que reforça o entendimento dessa tecnologia na entrega de grandes benefícios para a população mundial.
Além disso, existe a expectativa de que, com o aumento de dados relacionados às informações genéticas, sejam descobertos ou mais bem compreendidos outros genes capazes de melhorar a qualidade da fibra do algodão e que contribuam com o desenvolvimento do algodoeiro em situações adversas e com alta pressão de pragas e variações climáticas.
Principais fontes:
ABRAPA. Associação Brasileira dos Produtores de Algodão. Disponível em: https://www.abrapa.com.br/Paginas/default.aspx. Acesso em: 08/09/2020.
DNFI. COTTON. Disponível em: https://dnfi.org/cotton-fibres/. Acesso em: 08/09/2020.
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Mussig, J. Industrial applications of natural fibres: structure, properties and technical applications. 1. ed. Bremen, Alemanha, 2010.
Siddiqui, H. A., et al. Development and evaluation of double gene transgenic cotton lines expressing Cry toxins for protection against chewing insect pests. Nature, 2018.
Yang, Z., et al. Gossypium Genomics: trends, scope, and utilization for cotton improvement. Cell Press, 2019.