Desmistificando o eucalipto transgênico
O eucalipto transgênico contribui para consolidar o Brasil como referência no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. Ferramenta que deve contribuir na produção de celulose e papel nacionais, visto que 100% desses produtos utilizam as florestas plantadas de eucalipto como matéria prima.
O Brasil ocupa posição de destaque no setor mundial de florestas plantadas. Não só em áreas de reflorestamento como também plantações de árvores para a extração de madeira e outros produtos, como a celulose. Além do eucalipto, que é responsável por 70% das florestas plantadas no país, o gênero Pinus é também muito utilizado.
As condições climáticas favoráveis e tecnologias desenvolvidas por empresas e instituições nacionais fizeram com que o país, ao longo das últimas décadas, mais que dobrasse sua produtividade média de madeira.
Em 2018 o setor de florestas teve participação de 1,3% no PIB nacional e cerca de 7% no PIB industrial, apresentando um crescimento de 13,1% em relação a 2017. Todo esse crescimento gerou uma receita de R$ 86,6 bilhões. Esse avanço foi superior aos setores de agropecuária, serviços e indústria em geral.
Da Austrália para o Brasil, referência mundial de cultivo
O eucalipto é originário da Austrália. Contando com mais de 600 espécies, o gênero apresenta potencial em plantações industriais. Por isso, no século XVIII foi levado da Oceania até a Europa, tendo sua primeira descrição botânica feita pelo francês L’Hertier de Brutelle.
Depois disso, a planta foi se espalhando por outros continentes. Em 1828 o eucalipto chegou na África do Sul, e em 1843 foram iniciados os primeiros plantios na Índia. No Brasil, é possível que o vegetal tenha chegado pelo Rio de Janeiro, trazido no ano de 1868.
Chegando ao Brasil, a versatilidade da madeira do eucalipto começou a ser estudada e muitos produtos foram feitos. A madeira foi usada como lenha, postes e como parte das estradas de ferro.
A partir daí, o plano de expansão da cultura começou a ser mais intenso, algumas áreas de plantio foram aumentadas e enxergou-se potencial na planta para o desenvolvimento de outros produtos. Tanto que, em 1950, o eucalipto passou a ser utilizado na indústria de papel e celulose.
Da celulose ao papel: como funciona essa cadeia produtiva?
Melhoramento do eucalipto
Com a cultura do eucalipto em plena expansão, o governo, em 1967, lançou políticas de incentivos fiscais para o plantio da planta. O intuito era que a cultura ganhasse escala comercial e seu cultivo fosse ampliado para diversas regiões do país. E, em três anos, em 1970, a produção de madeira de eucalipto tinha atingido a escala comercial.
Em 1990 o Brasil se tornou referência mundial na eucaliptocultura e em 2000 já liderava o ranking dos menores custos para a produção de madeira no mundo.
Boa parte dessa redução dos custos foi obtida em função do melhoramento genético. Em paralelo, a biotecnologia, trabalhou para desenvolver genótipos mais adaptados e mais produtivos.
Ao longo dos anos 2000, diversos projetos de pesquisa genômica contribuíram para que o DNA do eucalipto fosse sequenciado. Finalmente, em 2008 a rede internacional Eucagen – Eucalyptus Genome Network identificou os 36 mil genes do DNA da espécie Eucalyptus globulus. Em 2014 a Eucagen, com importante contribuição do Brasil, publicou e disponibilizou o genoma do eucalipto.
O objetivo principal do sequenciamento do genoma de qualquer planta é acelerar os programas de melhoramento genético e gerar maior informação e domínio dos pesquisadores brasileiros sobre a cultura do eucalipto.
Lembrando, que o genoma é toda a informação genética de um organismo que fica registrada no DNA, nas suas bases nitrogenadas (as letras A, T, C e G). Ao ser sequenciado, os pesquisadores conseguem “ler” as características genéticas (genes) de um organismo.
Em paralelo aos trabalhos de sequenciamento genômico da planta, os pesquisadores identificaram genes que poderiam ser interessantes para cultura do eucalipto e passaram a desenvolver metodologias para a produção do que seria o primeiro eucalipto transgênico aprovado no mundo.
Os primeiros cultivos experimentais em campo foram realizados em 2006 e 2007 no Brasil. E em 2015 o Brasil se tornou o primeiro país a aprovar um eucalipto transgênico, garantindo vantagens competitivas e benefícios à sustentabilidade.
Importância do eucalipto transgênico
Mesmo com todos os avanços e investimentos na cultura do eucalipto brasileiro, o cultivo dessa planta ainda enfrenta alguns desafios. A adaptação à ampla variabilidade ambiental, abrangendo solos frágeis e com baixa fertilidade é um dos principais problemas.
Para superar esses desafios, a biotecnologia tem sido a estratégia mais apropriada para impulsionar a produtividade.
A história do eucalipto transgênico
Sem dúvida, a biotecnologia aplicada às árvores pode trazer ganhos para a sociedade. O mais imediato deles é a disponibilidade de produtos que agregam maior sustentabilidade ao sistema produtivo.
Eucalipto: a floresta produtiva e rentável
O eucalipto transgênico brasileiro – que tem o nome de H421 – possui o gene Cel 1 (que expressa a proteína Cel) foi extraído da planta Arabdopsis thaliana, e confere crescimento mais rápido às plantas, aumentando também a maior produção de madeira. Os estudos mostram que esse eucalipto produz cerca de 20% mais celulose do que a planta convencional.
Onde podemos usar o eucalipto:
- Na fabricação de celulose, papel e chapas;
- Em aplicações em produtos de base florestal;
- Geração de açúcares usados para produção de etanol de segunda geração.
Do ponto de vista ambiental, uma vez que há ganho de produtividade, a tecnologia pode acarretar diminuição da área plantada, reduzindo a pressão sobre as florestas naturais e disponibilizando essas áreas para outros fins, a exemplo da produção de alimentos ou preservação.
O eucalipto transgênico foi criteriosamente avaliado e considerado pela CTNBio seguro ao meio ambiente e à população por manter todas as características do eucalipto convencional e não causar impactos diferentes daqueles observados em cultivos tradicionais. Com isso, o organismo geneticamente modificado (OGM) foi aprovado em 2015 pela CTNBio.
Adoção do eucalipto transgênico
Por mais que todas as pesquisas e a avaliação de cada transgênico seja baseada na análise de especialistas, que conhecem profundamente o funcionamento dos genes, a síntese de proteínas por eles codificadas e outros aspectos técnico-científicos o avanço do plantio do eucalipto transgênico ainda caminha a passos lentos.
O setor florestal conta com instituições certificadoras que conferem selos aos produtos que atendem a seus critérios de salvaguardas ecológicas aliadas a benefícios sociais e viabilidade econômica.
A certificação das plantações florestais não é obrigatória, porém elas atestam as práticas sustentáveis das fabricantes e, sem eles, boa parte dos países não aceita a madeira. Pelas regras atuais, se a empresa fizer o uso comercial de uma árvore transgênica, mesmo que em uma área pequena, ela perde a certificação de todas as suas áreas.
Ou seja, todo o trabalho de pesquisa, desenvolvimento e regulamentação está estagnado por uma certificação que não leva em consideração os benefícios e a segurança de uma cultura transgênica. Algo semelhante ao que tem acontecido com o atraso no cultivo do arroz transgênico e que poderia estar salvando vidas. Abaixo pode-se observar os benefícios do eucalipto transgênico.
Tecnologia e avanços na produção de eucalipto
Os desafios na cultura do eucalipto não param, assim os pesquisadores continuam estudando o genoma da planta a fim de desvendar a funcionalidade de muitos genes ainda desconhecidos e desenvolver variedades resistentes e mais produtivas.
No entanto, o consumo de madeira e celulose deverá triplicar até 2050. Portanto, soluções para responderem a essa demanda precisam ser consideradas, evitando a falta de matéria prima para muitos setores da economia.
As novas pesquisas buscam, por exemplo:
- elevar dureza e volume de madeira;
- melhorar qualidade da madeira;
- aumentar o teor de celulose para produção de papel e tecidos;
- ganhar eficiência e rendimento;
- reduzir a lignina (macromolécula cuja função é dar aos tecidos vegetais rigidez e impermeabilidade);
- promover tolerância a estresses bióticos;
- promover tolerância a estresses abióticos.
Eucalipto Transgênico tolerante ao frio
Os estudos de funcionalidade genética têm sido muito importantes para o desenvolvimento de plantas resistentes a diversos estresses, a exemplo do eucalipto transgênico tolerante a geadas e baixas temperaturas. Trabalho esse liderado por pesquisadores da França, Vietnã e África do Sul.
De fato, o desenvolvimento dessa tecnologia só foi possível após identificação de dois genes (CBF EguCBF_K e EguCBF_Q) que conferem a tolerância ao frio na espécie Eucalyptus gunnii, que não é muito utilizada comercialmente.
Com isso, os pesquisadores introduziram esses genes em um híbrido de Eucalyptus (E. urophylla x E. grandis), que tem maior valor comercial e agora poderá ser plantado em regiões com temperaturas baixas mais extremas.
No mesmo segmento de pesquisa, plantas de eucalipto tolerantes a solos salinos, também já foram desenvolvidas no Japão com transferência de genes de tolerância salina da planta Mesembryanthemum crystallinum para o eucalipto.
Principais fontes:
Dai Y., et al. Implementing the CRISPR/Cas9 Technology in Eucalyptus Hairy Roots Using Wood-Related Genes. International Journal of Molecular Science, 2020.
Cao P. B., et al. Wood Architecture and Composition Are Deeply Remodeled in Frost Sensitive Eucalyptus Overexpressing CBF/DREB1 Transcription Factors, International Journal of Molecular Science, 2020.
Tran N. T., et al. Development and evaluation of novel salt-tolerant Eucalyptus trees by molecular breeding using an RNA-Binding-Protein gene derived from common ice plant (Mesembryanthemum crystallinum L.). Plant Biotechnology Journal, 2019.