Química verde: uma nova forma de se produzir
A expressão “química verde” ganhou significado no início da década de 1990, quando foi introduzida pelos químicos John Warner e Paul Anastas. Ambos atuavam na Agência Ambiental Norte Americana (Environmental Protection Agency – EPA). A proposta central do conceito é a de promover o desenvolvimento de produtos químicos mais sustentáveis, ou seja, com redução de impactos ambientais e economia de materiais.
Uma das principais metas da “química verde” é reduzir a poluição em sua origem, minimizando ou eliminando os impactos do uso de matérias-primas, reagentes, solventes e qualquer produto químico no meio ambiente. Portanto, a “química verde” é diferente da remediação (limpeza da poluição), que remove materiais não desejáveis.
A “química verde” aplicada às atividades e produtos agrícolas procura identificar alternativas para a substituição de substâncias de alta toxicidade por outras de menor impacto e, assim, propiciar o melhor aproveitamento possível dos resíduos que normalmente seriam descartados.
Toxicidade, risco e perigo dos químicos
É muito comum ouvirmos falar que os produtos químicos podem ser tóxicos. No entanto, nesta afirmação diversos equívocos são cometidos, inclusive o de considerar estes insumos mais associados à toxicidade. Afinal, a química está presente em tudo. Inclusive, a água é um composto químico.
A toxicidade é definida a partir do perigo e do risco que um produto pode apresentar. O perigo é a condição que uma substância ou evento qualquer possui de causar um dano (ao ambiente e/ou seres vivos). Já o risco é a probabilidade desse dano ocorrer.
É importante saber que este último depende da exposição, ou seja, de quanto tempo a substância fica em contato com o organismo ou ambiente. Se isso for controlado, embora exista o perigo, o risco cai drasticamente.
A caracterização dos perigos (efeitos) envolve resultados dos testes de laboratório que avaliam a concentração e a duração da exposição de diferentes organismos a um determinado produto.
Dessa forma, a toxicidade é a capacidade potencial de uma substância tóxica de provocar efeitos nocivos em organismos vivos. Este efeito é geralmente proporcional à concentração da substância e ao local onde ela está atuando.
Defensivos químicos e a “química verde”
Quando falamos de defensivos químicos, é importante dizermos que cada produto só é registrado no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) se tiver passado pela avaliação de perigo e risco. Ou seja, os defensivos químicos só podem ser registrados se forem considerados seguros para quem usa o produto, para o meio ambiente e consumidores.
A “química verde” aparece na agricultura pela introdução de tecnologias que possam ser empregadas no desenvolvimento de insumos menos persistentes no ambiente e, consequentemente, de menor toxicidade. Assim como pela melhor utilização dos resíduos, transformando-os em matérias primas para novos processos.
Tecnologia e segurança sempre presentes no desenvolvimento de defensivos
Novos produtos de defesa vegetal
Nos últimos anos houve, cada vez mais, uma maior demanda para a produção de alimentos de forma mais sustentável. Baixo uso de insumos, desperdício zero, agregação de valores sociais e minimização do impacto ambiental são premissas essenciais da produção de alimentos do mundo atual.
A “química verde” aplicada aos defensivos químicos contempla o desenvolvimento de novas moléculas e o uso da nanotecnologia com o objetivo principal de reduzir a toxicidade e a persistência dos produtos no ambiente. De fato, as nanopartículas controlam a liberação dos insumos químicos e são biodegradáveis. Portanto, podem, inclusive, ser incorporadas pelas plantas de forma benéfica.
Nanodefensivos
O desenvolvimento de nanodefensivos, a partir de nanopartículas de óxidos metálicos, como cobre (Cu), zinco (Zn) e manganês (Mn), que também são usados como nutrientes pelas plantas, podem reduzir a infestação de pragas e atuar no metabolismo vegetal, resultando em um melhor desenvolvimento da planta.
Nanopartículas de óxido de zinco (ZnO) já foram utilizadas em plantações de cenoura para controlar doenças causadas por fungos, bactérias e nematoides, além de evitar a proliferação desses microrganismos. O zinco nanoparticulado, além de ser um micronutriente para a planta, proporcionou aumento dos teores de clorofila e carotenoides das cenouras, favorecendo também o maior crescimento e peso das raízes.
Nanopartículas de cério, metal que pode ser utilizado no tratamento de sementes, já foram utilizadas no tomateiro. A aplicação foliar do cério nanoparticulado controlou o efeito da fusariose (doença causada pelo fungo de solo Fusarium spp.) nas plantas.
Além disso, o tratamento dos vegetais com o cério nanoparticulado proporcionou um aumento do teor de licopeno nos frutos (9%), além dos teores de cálcio (140%) e açúcar total (60%). No geral, os dados sugeriram boas respostas no valor nutricional do tomate, enquanto suprimiram simultaneamente a fusariose.
n-acetil-cisteína (NAC)
Outra tendência da “química verde” é o novo uso no campo para moléculas já empregadas em áreas distintas. Esse é o caso da n-acetil-cisteína (NAC), um aminoácido utilizado no tratamento de doenças respiratórias humanas. Na agricultura, a NAC tem sido empregada para estimular a defesa das plantas contra doenças bacterianas.
A NAC, além de atuar como um potente antioxidante nos vegetais, também ajuda no controle de bactérias (Xylella fastidiosa e Xanthomonas citri) que atacam e causam doenças. O emprego desse aminoácido em plantas cítricas proporcionou redução dos sintomas de doenças, diminuição na queda de frutos e plantas mais saudáveis.
A aplicação do conceito de “química verde” na agricultura, além de reduzir a toxicidade dos defensivos químicos, gera maior rentabilidade agrícola, melhora da qualidade do solo e reduz o uso de recursos não renováveis.
Como são produzidos os biodefensivos de base microbiológica
O descarte do campo virando medicamento
Uma outra aplicação da “química verde” no setor agrícola se dá pela reutilização de matéria orgânica, como é o caso do bagaço da cana-de-açúcar e da palha de trigo.
Neste ano, pesquisadores brasileiros e ingleses desenvolveram uma rota biotecnológica utilizando enzimas produzidas por um fungo (Clostridium sp.) e pelo cupim subterrâneo (Coptotermes gestroi) para modificar os resíduos agrícolas em novos produtos.
Essas enzimas são capazes de transformar a biomassa vegetal (bagaço da cana-de-açúcar e da palha de trigo) em coniferol. Esta substância é utilizada para sintetizar vários produtos químicos de alto custo e usos diversos. Por exemplo, a partir do coniferol se pode produzir o pinoresinol, um composto que reduz a glicemia (o açúcar no sangue) e a sesamina, um anti-hipertensivo.
Atualmente, essas substâncias são produzidas pelas indústrias petroquímicas, por meio de processos químicos e com o emprego de reagentes tóxicos perigosos.
Futuro dos produtos químicos
De um modo geral, o processo de produção do setor químico se baseia no uso de recursos fósseis e não renováveis. Com isso, não existe um ciclo dos produtos, fazendo com que suas funções fiquem restritas e que não possam ser utilizados em outros processos.
A nova geração de produtos químicos está sendo projetada para que possamos extrair o máximo de funcionalidade de cada produto e reduzir ou eliminar os impactos de seu desenvolvimento e uso.
Para isso, a colaboração entre a química, toxicologia, genômica e outros campos relacionados se tornaram essenciais. A “química verde” inaugurou uma nova forma da produção se organizar.
Principais fontes
1- Adisa, I. O. et al. Nutritional Status of Tomato (Solanum lycopersicum) Fruit Grown in Fusarium Infested Soil: Impact of Cerium Oxide Nanoparticles. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 2020.
2- Johnson, A. C. et al. Learning from the past and considering the future of chemicals in the environment. Science, 2020.
3- Muranaka, L. S. et al. N-Acetylcysteine in Agriculture, a Novel Use for an Old Molecule: Focus on Controlling the Plant–Pathogen Xylella fastidiosa. Plos One, 2013.
4- Preisler, A. C. et al. Atrazine nanoencapsulation improves pre-emergence herbicidal activity against Bidens pilosa without enhancing long-term residual effect on Glycine max. Pest Management Science, 2019.
5- Siddiqui, Z. A. et al. Effects of graphene oxide and zinc oxide nanoparticles on growth,chlorophyll, carotenoids, proline contents and diseases of carrot. Scientia Horticulturae, 2019.
6- Tramontina, R. et al. Consolidated production of coniferol and other high-value aromatic alcohols directly from lignocellulosic biomass. Green Chemistry, 2020.
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