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Todo mundo sabe

Por Roberto Rodrigues

Terminou na sexta-feira passada a COP25, reunião multilateral realizada em Madri com o objetivo de regulamentar alguns pontos do Acordo de Paris, que definiu as metas para redução das emissões mundiais de gases de efeito estufa, responsáveis pelos temas genericamente conhecidos como “mudanças climáticas”.

Dezenas de países estiveram representados por seus governos, empenhados, entre outros pontos, nas discussões sobre o célebre artigo sexto daquele Acordo, que deveria estabelecer que recursos seriam destinados para o comércio de certificados ambientais (certificado de emissões evitadas), ou “créditos de carbono”.

Trocando em miúdos, quem pagaria quanto e de que forma pelos esforços de países e setores que realmente estiverem reduzindo suas emissões. De maneira geral, os países ricos, responsáveis por cerca de 80% das emissões – basicamente em função do seu consumo de combustíveis fósseis não renováveis – pagariam aos emergentes por suas ações concretas na direção das reduções.

Além de governos lá estiveram centenas de lideranças de setores produtivos interessados nesse tema, de ONGs, acadêmicos, políticos, militantes e pessoas do mundo todo preocupados com o futuro da humanidade.

Foram duas semanas de inúmeras reuniões entre estes atores todos, debates, discursos, manifestações populares, e o resultado, a julgar pelas reações de muitos dos presentes com protagonismo relevante, deixaram a desejar. O assunto principal, justamente o dos créditos de carbono, quedou não resolvido, e remetido para novas discussões no futuro.

Embora decepcionante, não chega a ser uma surpresa essa falta de definições. Interesses em jogo nessas reuniões multilaterais são enormes e variados, inclusive econômicos, muitas vezes legítimos, mas nem sempre… E o choque entre eles acaba inibindo os desejáveis resultados concretos.

No fundo, porém, o que acontece é a velha prevalência da lei do mais forte, e os países ricos acabam se poupando de “pagar” pelos seus pecados, isto é, suas emissões, não fazendo a “penitência” de compensar o esforço dos mais pobres. A fábula do lobo e do cordeiro se repete indefinidamente.

Acontece a mesma coisa com a Rodada de Doha da OMC lançada há cerca de 18 anos com o objetivo de liberalizar o comércio agrícola internacional, o que traria grande desenvolvimento aos países produtores, especialmente os emergentes e os tropicais.

Este ambicioso e legítimo projeto também não saiu dos sonhos por causa do mesmo fato: os poderosos não abrem mão de seu protecionismo. Isso é compreensível, cada governo procura defender os interesses de suas sociedades, mas não é justo em termos universais, e o abismo entre ricos e pobres não é nunca reduzido por um esforço de todos. Uma pena.

No caso da COP 25, todavia, há um ponto que precisa ser destacado, que é o conjunto de vantagens comparativas do Brasil na questão da sustentabilidade. E não se trata de argumentar que “ninguém sabe delas, que não as comunicamos direito”. Não é bem assim. Sabem sim, quem tem peso sabe perfeitamente de nossas características produtivas.

Todo mundo sabe que 43% da nossa matriz energética é renovável, enquanto a parcela renovável do mundo todo não chega a 14%. Que só a cana-de-açúcar brasileira responde por 17% da nossa matriz energética (com a cogeração de eletricidade a partir do bagaço e das folhas, além do etanol), que o etanol da cana emite apenas 11% do CO2 emitido pela gasolina, o que reduz espetacularmente a poluição das grandes cidades e, consequentemente, as doenças pulmonares de seus moradores; todo mundo sabe, inclusive a Nasa, que menos de 9% do nosso território é usado com todas as plantas cultivadas aqui, da alface ao eucalipto. Todo mundo sabe que só temos 21% de área de pastagem, e que nosso gado é “verde”, produzindo carne de qualidade e sequestrando carbono. Todo mundo sabe que o Brasil ainda tem 63% de seu território coberto de vegetação nativa, e que nosso Código Florestal é o mais rigoroso do mundo, exigindo que os produtores rurais tenham áreas florestadas ocupando significativa parcela de suas propriedades, o que chega a 80% na Amazônia.

Quem realmente interessa sabe que temos um programa formidável de agricultura com baixa emissão de carbono, o Plano ABC, que já gerou 14 milhões de hectares com a tecnologia revolucionária da Integração Lavoura/pecuária. Todo mundo sabe que somos campeões do Plantio Direto, e de dezenas de outras tecnologias sustentáveis.

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Todo mundo sabe. Mas o que todo mundo destaca não são estes pontos maravilhosos; são alguns problemas que ainda existem, muito menores que os acertos, e que temos que corrigir, como o desmatamento ilegal ou incêndios florestais criminosos.

E por quê? Porque todo mundo também sabe que o Brasil poderá ser o grande campeão mundial da segurança alimentar, porque reúne três características que nenhum outro país tem: tecnologia tropical sustentável, terra disponível e, sobretudo, gente capacitada e empreendedora em todos os elos das diversas cadeias produtivas.

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Todo mundo sabe disso, mas isso não interessa a todo mundo.

Roberto Rodrigues coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, foi Ministro da Agricultura.

 

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